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«Sim, a intervenção precoce na psicose é possível.»

Nuno Madeira é psiquiatra no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e também é o atual presidente da Secção do Primeiro Episódio Psicótico (triénio 2020-2022), um grupo de trabalho com autonomia, mas integrado na Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM).

A propósito do 6.º Encontro desta Secção, que vai decorrer no início de outubro, o médico começa por salientar: "Este grande interesse pela intervenção precoce na psicose acontece em Portugal uns 15 anos depois de noutros países ocidentais”, justificando assim o crescimento em termos de participação que, desde a 1.º edição, o Encontro tem vindo a registar, interrompido em 2020 em virtude da pandemia.




No seu entender, esta reunião veio, afinal, “aglutinar uma massa crítica, que eu diria que hoje representa a maior parte da Psiquiatria, que acredita que é possível, com esforço, pela intervenção precoce, devolver às pessoas com uma perturbação psicótica – e a esquizofrenia é, de facto, a mais significativa – uma maior normalidade às suas vidas”.

“Sim, a intervenção precoce na psicose é possível. Não, a esquizofrenia não é um diagnóstico de ‘fim de linha’. Eu diria que agora isto é algo que é tomado como um mandamento comum para todos os psiquiatras”, considera Nuno Madeira, que remata:

“É viável, de facto, inverter esse paradigma. E penso que isso é cada vez mais claro para todos os intervenientes porque, realmente, dispomos de armas, nomeadamente farmacológicas, cada vez mais eficazes.”

Redução de custos diretos e indiretos

O psiquiatra alerta para a necessidade de promover a implementação, “por recomendação, por incentivo positivo”, de equipas nos Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental que se dediquem à intervenção precoce na doença psicótica.

E sublinha que a evidência recolhida nos países que já o fazem há alguns anos mostrou uma clara redução de custos diretos e indiretos. “É um investimento que compensa”, assegura, dizendo acreditar na disponibilidade da atual coordenação do Programa Nacional para a Saúde Mental para que tal venha a acontecer.


Nuno Madeira: “Temos hoje uma Psiquiatria com mais esperança no tratamento da doença psicótica porque tem mais a oferecer.”

“A doença já tinha metastizado para a sua vida”

“Fizemos (no CHUC) em 2010 um levantamento sobre os doentes que aqui eram internados. Ao fim de um ano, apenas 40% estava em seguimento. Muitos dos outros 60% voltavam a entrar no hospital por via de internamento compulsivo, bastante descompensados", explica Nuno Madeira. Uma realidade com consequências complexas:

"Os que tinham trabalho haviam-no frequentemente perdido, ou deixado os estudos. Em vários casos, a família já tinha praticamente desistido deles. Havia, portanto, muito menos a salvar, e a comparação com um processo oncológico é, infelizmente, muito válida. A doença já tinha metastizado para a sua vida”, descreve o nosso interlocutor.


Nuno Madeira achou que o acompanhamento poderia ser outro se fosse possível marcar “de forma ágil” uma consulta a essas pessoas. E ser mais pró-ativo: “Se o doente não vem à primeira consulta, vamos tentar que venha à segunda. Ligamos, insistimos, marcamos! Persuadimo-lo a tomar a medicação, exploramos que motivos tem – muitas vezes válidos – para não a tomar. Porque prejudica a atividade sexual, porque não consegue trabalhar, porque anda com ‘ar de zombie’ e os colegas gozam com ele na escola...”

Fará em 2022 dez anos que a Consulta do Primeiro Episódio Psicótico arrancou no CHUC, proposta por Nuno Madeira, e cuja coordenação foi assumida até 2014 pelo psiquiatra António Macedo, que fora seu orientador de internato.

Quando em 2017, por altura do 3.º Encontro do Primeiro Episódio Psicótico, se apresentou uma revisão da atividade da Consulta, “verificámos que já conseguíamos reter mais de 90% das pessoas ao fim de um ano”. No fundo, “os doentes estavam disponíveis para receber ajuda”.

Contudo, “é sempre precisa alguma plasticidade, uma certa acrobacia do ponto de vista da relação”.

À procura dos pré-psicóticos...

Cerca de metade dos doentes que chegam à Consulta do Primeiro Episódio Psicótico são referenciados depois de terem estado internados em consequência de um episódio psicótico. A outra metade tem origem na Urgência. Muito pouco significativa é a percentagem dos que são encaminhados dos Cuidados de Saúde Primários (CSP).

A esse propósito, Nuno Madeira diz que, provavelmente, a “fase seguinte” de intervenção da equipa da sua Consulta – e certamente também a de outros centros no nosso país – prender-se-á com a sensibilização dos seus colegas dos CSP para a necessidade de tentar identificar os chamados pré-psicóticos, os que estão em risco de vir a sofrer um primeiro episódio. Mas, para tal, será indispensável haver um acesso mais direto ao psiquiatra do hospital:

“Temos que estar mais disponíveis para os CSP, de forma a que possamos ajudar o médico de família a perceber melhor quando está perante um caso que, saindo de uma ‘zona cinzenta’, deve ser referenciado para a Consulta por já ir revelando alguns sintomas suspeitos.”


"Há muitos falsos positivos"

A questão é delicada. Segundo Nuno Madeira, “a literatura científica diz-nos que há muitos falsos positivos, ou seja, relatos de pessoas que são referenciadas por haver suspeita de terem uma psicose, ou por apresentarem um quadro de pré-psicose, vindo-se depois a saber que, felizmente, não passaria de um estado de ansiedade, uma depressão, uma crise de vida, uma adolescência marcada pelo consumo de determinadas substâncias, etc.”.

Daí que defenda ser prioritário, nesta fase, concentrar esforços na implementação daquilo a que chama os “alicerces fundamentais”:

“Assegurar que alguém que já teve um primeiro episódio psicótico tenha um seguimento condigno, algo que deve estar disponível para qualquer cidadão português, independentemente do local onde viva no nosso país, seja no continente, nomeadamente no interior, ou nas ilhas.”


Órgãos Sociais da Secção do Primeiro Episódio Psicótico: Tiago Santos, Vítor Santos e Nuno Madeira´(secretário, vice-presidente e presidente da Direção), Pedro Levy e Ricardo Coentre (presidente e secretário da Assembleia Geral)

7 e 8 de outubro

Adiado para 2021 por causa da pandemia covid-19, o 6.º Encontro Nacional do Primeiro Episódio Psicótico vai realizar-se em formato apenas virtual e com o programa limitado ao dia 8 de outubro, com um simpósio pré-encontro na quinta-feira, dia 7.

Nuno Madeira sublinha que o evento vai contar com um painel de peritos internacionais e nacionais, "versando temas de interesse para todos os interessados na intervenção precoce na psicose", e dá alguns exemplos do que será abordado:

"Saúde física dos doentes em fases iniciais de psicose; recuperação funcional além da remissão clínica; organização de serviços e realidade nacional na área; novos desenvolvimentos na avaliação psicopatológica, entre outros."

O programa provisório pode ser consultado AQUI.

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