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Na avaliação geriátrica integral «o modelo biomédico clássico não é eficaz»




"O idoso tem, muitas vezes, múltiplas doenças que se apresentam frequentemente de forma atípica, silenciosa e com padrões comuns – as chamadas síndromes geriátricas”, refere Manuel Viana à Just News.

Por outro lado, o médico de família da USF S. João (Porto), que tem uma pós-graduação em Geriatria e a competência nessa área atribuída pela Ordem dos Médicos, lembra que, simultaneamente, à medida que o idoso envelhece, torna-se cada vez mais dependente do contexto familiar e sociocultural em que vive.

De acordo com o especialista, tudo isto implica dificuldades diagnósticas acrescidas neste grupo etário e a importância de uma metodologia específica de avaliação – avaliação geriátrica integral (AGI) –, a fim de melhorar o rigor e a segurança do diagnóstico.

"Detetar não só os problemas médicos que afetam o idoso"

Em entrevista à Just News, Manuel Viana explica que "a AGI é um processo diagnóstico complexo, global, orientado para detetar não só os problemas médicos que afetam o idoso, mas também os problemas psicológicos, sociais e funcionais".

De acordo com o especialista, esta intervenção é realizada por "uma equipa multidisciplinar e interdisciplinar de médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e outros profissionais".


Manuel Viana

Durante este processo, avaliam-se os recursos e possibilidades da pessoa, a necessidade de utilização de serviços, tanto de saúde como da área social (se necessita de apoio domiciliário, de um centro de dia ou de internamento num lar, por exemplo), hierarquizam-se os problemas, traçam-se objetivos realistas e, finalmente, elabora-se um plano de tratamento, de cuidados e de acompanhamento a longo prazo que satisfaça as necessidades, não só do doente, mas também do seu cuidador.

“É diferente de uma consulta médica tradicional (aqui o modelo biomédico clássico não é eficaz), é um processo em que vários profissionais de diversas áreas se centram sobretudo nos problemas funcionais do doente idoso – é a função, mais do que a doença, que condiciona a autonomia e a qualidade de vida”, esclarece.

O médico de família explica que na AGI é usada uma "metodologia própria que envolve instrumentos e escalas adequados, homologados internacionalmente e preferencialmente validados e traduzidos para a população portuguesa".

São várias as áreas que esta metodologia  abrange: história clínica, avaliação funcional (capacidade para realizar as atividades da vida diária), avaliação mental (cognitiva, afetiva e comportamental), avaliação nutricional, avaliação da mobilidade e do risco de quedas, avaliação sociofamiliar e avaliação das condições domiciliárias e da segurança em casa (é no contexto onde vive que se avalia a funcionalidade do idoso).

Além disso, “é avaliado também o grau de satisfação do cuidador informal, que é sujeito a situações de sobrecarga, quer física, quer psicológica, identificadas necessidades e problemas e propostas soluções concretas para a sua resolução”.

De acordo com Manuel Viana, "os trabalhos de investigação científica que avaliaram a AGI demonstraram a sua capacidade de melhorar o estado de saúde e a qualidade de vida dos idosos frágeis, ao longo do espetro dos vários níveis assistenciais, face a uma avaliação não estruturada".

Desprescrever e desmedicalizar

Segundo o médico, um dos problemas mais frequentes na população idosa é a iatrogenia (doença provocada pelo ato médico, nomeadamente pelo excesso de medicação ou interações entre medicamentos).

Reconhece que “é difícil encontrar um equilíbrio entre medicar a mais e medicar a menos, fazer corresponder as necessidades dos doentes idosos, com múltiplas e complexas patologias, com as guidelines específicas de doença".

E acrescenta: "Lembremo-nos que os idosos frágeis e dependentes não entram na maioria dos ensaios clínicos. É necessária uma abordagem mais sistemática, adaptando o regime terapêutico às condições individuais do doente e aos objetivos do cuidador (negociados)."



Precisamente com o propósito de promover a partilha de boas práticas entre profissionais de saúde sobre a desprescrição e a desmedicalização, bem como sobre a avaliação geriátrica, Manuel Viana explica que estes temas serão abordados nas II Jornadas Multidisciplinares de Medicina Geral e Familiar, evento que se realiza no próximo mês, dirigido a médicos de família.

O especialista, que é um dos presidentes desta reunião, adianta que serão apresentados "instrumentos que o médico pode utilizar para evitar a prescrição inadequada de medicamentos: Critérios de Beers, STOPP&START, STOPPFrail e Desprescribing org, entre outros".



Em jeito de conclusão, Manuel Viana sublinha: "Não devem ser só os profissionais médicos a decidir como vivemos a etapa final das nossas vidas, nem devemos tratar as provações da doença, envelhecimento e morte como preocupações puramente médicas. Aqui, mais importante do que curar é cuidar."


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