«A Medicina do futuro não precisa de revoluções digitais»
Manuel Sobrinho Simões
Professor emérito da FMUP. Diretor do IPATIMUP
Como especialista em cancro, estou convencido que o futuro da Medicina vai depender da evolução dos profissionais de saúde, sendo o mais importante a qualidade da sua formação. Para fazer bons enfermeiros ou psicólogos, temos que ter escolas de Enfermagem e faculdades de Psicologia de muita qualidade.
Se quisermos ter bons médicos, precisamos de ter centros académicos clínicos onde haja uma ligação entre as universidades, os hospitais e os centros de saúde e os institutos de investigação. É importante criar condições para que todos tenham tempo protegido para investigar e aprender e o façam em instituições credíveis.
Há um segundo fator muito importante, que se prende com o aumento da longevidade e a consequente acentuação de condições geriátricas, como a obesidade, doenças crónicas, oncológicas, degenerativas, mentais e até infeciosas – que pensávamos já ter ultrapassado –, perturbações graves de mobilização e problemas auditivos e visuais, ainda que o tratamento seja mais fácil.
A grande novidade, realmente, é o ressurgimento de infeções nos países ocidentais, porque, se já era normal haver gripes no inverno, agora temos mais que isso – pandemias.
Manuel Sobrinho Simões
Daqui a 10 anos, vamos ter uma população envelhecida, a viver em difíceis condições em termos de qualidade, bem-estar e custo. É preciso pensar na realidade dos lares e dos cuidados paliativos e continuados, dado este quadro de envelhecimento, associados a doenças crónicas e infeciosas.
Também podemos pensar que, provavelmente, daqui a uma década, vamos estar a viver uma evolução tecnológica enorme, se continuarmos a investir na inteligência artificial e na robótica. Tudo isso é extraordinário e de certeza que vai ser importante, mas a verdade é que essa evolução é cara e só vai ser útil a meia dúzia de pessoas a cada 100. A maioria não precisa desta revolução digital, mas de ser cuidada.
O mais difícil será garantir a colaboração, a comunicação e a compaixão (no fundo, é o prefixo “co”!) – um cuidar que não é tecnológico, mas muito próximo da humanidade, e que não sei se teremos capacidade de manter daqui a 10 anos. Portanto, para mim, o grande desafio será compatibilizar este desenvolvimento tecnológico com a qualidade dos cuidados.
Claro que há avanços muito importantes que espero ver implementados daqui a uns anos, como um verdadeiro registo de saúde eletrónico, para que todos os portugueses tenham um dossiê pessoal da sua saúde e não tenham que repetir exames desnecessariamente a cada vez que vão ao hospital.
Será um salto extraordinário! Por outro lado, não creio que a nanotecnologia venha a ser muito importante, apesar de saber que para alguns diagnósticos e tratamentos será útil.
Algo que pode vir a ser difícil no futuro é ser prestável e ter tempo para falar com os outros. Já hoje acho que o grande problema que existe − além do trânsito, da inflação, da guerra e da pandemia – é a falta de tempo.
É horrível como a sociedade não tem tempo para nada! O que vai ser daqui a 10 anos? Se calhar vai haver ainda menos tempo e, nesse caso, vai-se perder a capacidade de cuidar das pessoas, dos doentes, dos familiares e das crianças.
Nunca se esqueçam que cada vez mais temos que apostar na ideia de que um bom velhinho é aquele que foi uma boa criança...
Eu já não estou a fazer uma previsão daquilo que poderá acontecer, estou a confundir com aquilo que é o meu desejo!
O artigo pode ser lido no Hospital Público de novembro/dezembro.