A oportunidade de um novo rumo para o SNS


Xavier Barreto

Presidente da APAH – Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares



A tomada de posse de um novo governo é sempre um momento de esperança, mas também de exigência. No caso do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a margem para adiar reformas estruturais desapareceu. Os sinais de exaustão são visíveis em todos os níveis – nos profissionais, nas instituições e nos próprios utentes. A continuidade das políticas que falharam ou a ausência de decisões estruturantes não são opções viáveis. O novo governo tem de agir com coragem e visão.

O primeiro desafio é, sem rodeios, tornar o SNS um local mais atrativo para os seus profissionais. Isso significa melhorar de forma real as condições de trabalho, rever grelhas salariais e percursos de carreira, investir na formação e oferecer perspetivas de desenvolvimento. A política de desgaste progressivo dos recursos humanos – visível em sucessivas saídas, em burnout e absentismo -- tem de ser revertida com medidas firmes e estruturais.

Paralelamente, o novo ciclo político deve acelerar o investimento em tecnologia, com destaque para a inteligência artificial. Não se trata de substituir profissionais, mas de os libertar de tarefas burocráticas, repetitivas e de baixo valor acrescentado. A integração de soluções inteligentes no agendamento, triagem, no apoio ao diagnóstico e na gestão tem potencial para transformar o modo como prestamos cuidados, aumentando a eficiência e devolvendo tempo aos profissionais para aquilo que mais importa: cuidar.

Xavier Barreto

Num contexto de recursos limitados, a sustentabilidade do SNS dependerá cada vez mais da capacidade de tomar decisões com base em valor. Isso implica adotar uma lógica de custo-efetividade na avaliação das tecnologias de saúde – principalmente medicamentos – e assegurar que os investimentos são feitos naquilo que realmente melhora a saúde dos cidadãos. A medição de resultados em saúde e a sua utilização como critério para o financiamento e adoção de tecnologias deve deixar de ser um tema de conferências e passar a ser uma prática de governação.


Mas o SNS não se faz apenas de decisões clínicas ou tecnológicas – faz-se também de gestão. Urge concluir a revisão da carreira de Administração Hospitalar e dotar os hospitais e as ULS de lideranças qualificadas, motivadas e com autonomia. A gestão deve deixar de ser vista como um custo ou uma extensão da política e passar a ser reconhecida como um dos fatores mais determinantes para o desempenho das organizações. Atrair os melhores para gerir o SNS é tão importante como atrair os melhores médicos ou enfermeiros. E isso começa por respeitar a sua carreira e função.

Neste novo ciclo, é também altura de aprofundar a integração de cuidados. As ULS devem ser dotadas de mais autonomia, mais capacidade de decisão e mais responsabilidade pela saúde da sua população. Isso exige reforçar as equipas, integrar novos profissionais nos percursos clínicos (como assistentes sociais ou farmacêuticos clínicos), envolver os municípios e as organizações comunitárias. A saúde faz-se cada vez mais fora do hospital, em redes colaborativas centradas na pessoa e nas suas necessidades.

Finalmente, é inadiável um programa de investimento sério no SNS. Infraestruturas degradadas, equipamentos obsoletos e ambientes de trabalho indignos não são compatíveis com um sistema público que se quer forte, moderno e universal. O investimento não pode ser visto como despesa, mas como condição essencial para garantir cuidados de qualidade e atrair profissionais.

O novo governo tem pela frente uma escolha clara: ou transforma o SNS ou assiste ao seu declínio progressivo. O país espera mais do que remendos. Espera visão, coragem e ação.

Nota: Este artigo de opinião foi escrito para a edição de julho 2025 do Jornal Médico, no âmbito da colaboração bimestral de Xavier Barreto.

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