Cepheid Talks

Como melhorar a comunicação com o doente idoso com demência


Liliana Henriques

Especialista em Enfermagem de Reabilitação, com mestrado em Cuidados Continuados e Paliativos pela FMUC. Formadora Humanitude



Atualmente, como profissionais, atravessamos um dos maiores desafios do nosso tempo – ser cuidador geriátrico.

O envelhecimento é um processo normal pelo qual todos nós poderemos ter oportunidade de passar. No entanto, como bem sabemos, com o envelhecimento surgem frequentemente dificuldades que resultam na necessidade de recorrer aos serviços de saúde. E certamente que a experiência de cuidar de pessoas idosas com demência não nos é estranha, independentemente da nossa especialidade ou contexto profissional.

Provavelmente, todos nós já experienciámos o desafio de cuidar de alguém com demência, a exigência a que esse cuidar obriga, como o gerir a recusa ou oposição aos cuidados, o prevenir e gerir os comportamentos de agitação e agressividade (defensibilidade).

Perante estes desafios, todos nós tentamos fazer o melhor que podemos e sabemos, de acordo com a nossa formação e experiência profissional, mas, frequentemente, não existe uma sistematização entre os diferentes profissionais e, inclusivamente, assume-se que qualquer cuidador geriátrico saberá de alguma forma ultrapassar estes desafios. Mas, se é assim tão simples, porque continua este tema da comunicação com o idoso com demência a inquietar-nos?
 
Apesar do assunto ser complexo, penso que a resposta a esta questão é simples: porque sabemos que ainda não fazemos o suficiente neste campo, ainda existe caminho a ser construído.


Liliana Henriques

A Metodologia de Cuidados Humanitude surgiu neste contexto de desafios, com o intuito de ajudar a sistematizar as estratégias para melhorar a relação/comunicação com estas pessoas, capacitando com ferramentas concretas que nos facilitam a operacionalização da humanização dos cuidados. Atualmente, apesar de haver um grande pensar coletivo na saúde sobre a importância da relação, esta ainda é muitas vezes deixada à opção, à vocação de cada um, por vezes, sendo vista até como acessória.

No entanto, as questões relacionais são das principais causas de insatisfação na saúde. Investir na relação entre pessoas é investir na melhoria contínua da qualidade dos cuidados, pelo que não pode ser deixada ao acaso ou à boa vontade.

O foco da Humanitude é a relação entre pessoas. Esta metodologia de cuidados, que vem a ser desenvolvida desde o final dos anos 70, assenta em princípios de cuidados muito concretos, que nos possibilitam medir os ganhos em saúde e a qualidade dos cuidados.

A relação entre os seres humanos assenta em três grandes pilares relacionais, o olhar, a palavra e o toque, e ainda no pilar identitário da verticalidade. Estes pilares estão sempre presentes nas relações que estabelecemos, seja em contexto social, familiar ou profissional.

E é neste último contexto que temos de ter uma maior atenção, pois, a responsabilidade de garantir o estabelecimento da relação entre cuidador e pessoa cuidada recai, acima de tudo, sobre o profissional.

Naturalmente, as pessoas não olham, não falam, não tocam em quem as importunam, quem as aflige, quem as ameaça, mas quando estamos no papel de profissionais não podemos, ou não devemos, fugir ou ignorar, mesmo perante a ameaça, a aflição, o sofrimento, a fragilidade.

Mas como pode uma pessoa viver, principalmente num momento de fragilidade, sem ninguém a olhar nos olhos, sem ninguém lhe falar, sem ninguém lhe tocar, para além do toque útil? O declínio progressivo da cognição, da memória, da funcionalidade e da capacidade em comunicar marcam frequentemente a vida das pessoas com demência. Que este
processo não seja também um caminho de isolamento, de perda de Humanitude (conjunto das particularidades que nos distinguem como seres humanos).

A forma como profissionalizamos os pilares relacionais – olhar, palavra, toque – e como somos congruentes nas mensagens verbais e não verbais que transmitimos vai ser determinante no estabelecimento da relação com o idoso com demência. Cada um destes pilares relacionais tem particularidades que podem e devem ser trabalhadas pelos profissionais, com o intuito de aumentar a probabilidade da pessoa perceber que estamos em relação com ela e, acima de tudo, reforçar que esta continua a ser pessoa.

O envelhecimento foi uma conquista do século passado, a demência é um dos grandes desafios do século XXI e de nada serve tentarmos rejeitar ou ignorar estes factos. Assim, cumpre perguntar como gostavam de envelhecer e que cuidados desejavam para essa altura?

Porque, se tudo correr bem, vamos poder envelhecer e, a dada altura, provavelmente, vamos precisar que também cuidem de nós, a pergunta que se impõe é: como? Porque começar a preparar o que temos pensado para o nosso futuro depende de cada um de nós. Agora!



O artigo pode ser lido na edição de fevereiro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários, no âmbito de um Especial dedicado à 5.ª Reunião do Grupo de Estudos de Geriatria da SPMI.

Dirigido a profissionais de saúde e entregue nas unidades de saúde familiar (USF) de Portugal, esta publicação da Just News tem como missão a partilha de boas práticas, de boas ideias e de projetos de excelência desenvolvidos no âmbito do SNS.

 

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