Opinião

Consultas urgentes ao domicílio do médico de família: «Há que criar espaço em agenda»


Sofia Almeida Pinto

Interna do 4.º ano de MGF, USF Dafundo, ACES Lisboa Ocidental e Oeiras



O médico de família é, por definição, o médico de proximidade, que acompanha as pessoas ao longo de todas as fases da vida. Como tal, está previsto que faça consultas domiciliárias aos utentes que, por alguma razão, não consigam deslocar-se ao centro de saúde.

Na realidade do dia-a-dia do médico de família, está habitualmente alocada 1h a 1h30 por semana para esta atividade, realizada num dia específico.

Este é o formato habitual das agendas nos cuidados de saúde primários, com alguma flexibilidade em função do tamanho e do tipo de lista (proporção de idosos e utentes dependentes).

No entanto, espaço em agenda para pedidos de domicílio urgente simplesmente não existe. Justamente para os utentes mais vulneráveis, em situação de dependência com agravamento do seu estado basal, utentes em fim de vida ou pessoas autónomas que subitamente adoeçam e não se consigam deslocar, estas situações não estão previstas. Mas não é por isso que deixam de acontecer.

Então põe-se um dilema ético, porque somos médicos e somos humanos e queremos oferecer os melhores cuidados aos nossos utentes:

-- Não se faz o domicílio se não encaixa na nossa agenda e a pessoa recorre ao Serviço de Urgência;

-- Tenta-se fazer uma certa “ginástica” para a encaixar: no intervalo de almoço ou com apoio de algum colega, que possa ver alguma das nossas consultas programadas, enquanto nos ausentamos temporariamente;

-- Faz-se uma gestão telefónica dentro do possível e agenda-se a visita domiciliária para o dia seguinte, se tivermos compromissos aos quais não podemos faltar, nomeadamente, pessoais e familiares;

-- Realiza-se após as consultas programadas daquele dia, já fora do horário (e apenas remunerado nestas situações aos colegas de USF modelo B, que ganham por domicílio).


Sofia Almeida Pinto

Os nossos doentes ficam desta forma sujeitos a um regime de “voluntariado”, que pode ou não existir, dependendo da dedicação, cuidado e disponibilidade do seu médico de família. Este último apenas será recompensado economicamente se trabalhar num modelo de centro de saúde específico.

Caso não encontrem a flexibilidade necessária do seu médico de família, os utentes ficam sem recursos nos cuidados de saúde primários e a única forma de receberem assistência médica é recorrendo à urgência -- justamente as idas que gostaríamos de evitar, especialmente em pessoas idosas e vulneráveis.

Não me parece sustentável, dada a pressão assistencial atualmente existente, que cada médico de família possa ter espaço reservado em agenda diariamente para eventuais pedidos de domicílio urgentes, uma vez que não é previsível que estes surjam todas as semanas.

Tendo em conta as assimetrias nacionais de acesso aos serviços de saúde, uma resposta eficaz a um pedido de domicílios urgente torna-se especialmente pertinente em ACES com população mais envelhecida ou sem equipa de cuidados paliativos comunitária ou hospitalar, em que a intervenção do médico de família se torna mais relevante em cuidados em fim de vida.

Assim, considero que é necessário pensar em possíveis soluções:

·         Um sistema de intersubstituição, em que pelo menos 1 elemento da equipa estivesse escalado 1h cada dia, para dar resposta a estas situações. Caso não houvesse pedidos, aproveitar esse tempo para dar resposta a contatos indiretos (que é sempre tão escasso);

·         Haver uma escala com 2 a 3 turnos por dia, em que o médico estaria responsável por todas as consultas de agudos do seu turno, telefónicas e presenciais, em que seriam também agendados os domicílios de doença aguda, dentro das vagas abertas;

·         Compensar o tempo não contabilizado no horário dos domicílios programados

·         Em última análise remunerar todos os médicos de família que realizam domicílios fora de horas (e remunerar horas extra em geral, já agora)

Os cuidados em doença aguda de utentes vulneráveis e domiciliados não devem ficar entregues ao “voluntariado” que cada médico esteja disposto a fazer e mais ainda nesta época de saturação das urgências hospitalares.

O redimensionamento de listas é um problema antigo e amplamente denunciado pelos médicos de família, que está na raíz de todas as dificuldades diárias que enfrentamos, por falta de tempo para prestar cuidados de saúde de qualidade.

No entanto, para além do excesso de utentes supramencionado, há também, na minha opinião, um problema de organização interna, sobre o qual deveríamos refletir, que se “esquece” dos nossos utentes domiciliados e das suas famílias em momentos de doença aguda.


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