Contributo-chave dos enfermeiros especialistas em saúde mental para a sustentabilidade do SNS
Francisco Sampaio
Enfermeiro espec. em Enfermagem de SM e Psiquiátrica. Prof. na Escola Superior de Enfermagem do Porto e investigador no RISE-Health. Presid. do XVI Cong. Internacional da ASPESM.
Portugal permanece, há já vários anos, entre os países da OCDE com maior consumo de psicofármacos, nomeadamente antidepressivos, assim como ansiolíticos, sedativos e hipnóticos. Neste domínio, é essencial salientar dois pontos fundamentais: (a) os psicofármacos não devem ser demonizados, dado que a sua evolução científica tem sido notável nas últimas décadas e, em muitos casos, estes salvam vidas; e (b) em diversas situações de doença mental, o recurso a psicofármacos é condição essencial para o sucesso terapêutico e para a estabilização da pessoa.
Contudo, o elevado recurso a psicofármacos em Portugal é, em larga medida, consequência da dificuldade persistente no acesso a intervenções psicoterapêuticas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), particularmente nos Cuidados de Saúde Primários. A escassez deste tipo de intervenção no setor público remete muitos utentes para o setor privado, onde os custos associados comprometem gravemente o princípio da equidade no acesso. O resultado é um paradoxo: temos profissionais de saúde mental capacitados, pessoas com indicação clínica clara para intervenção psicoterapêutica e um sistema que limita a articulação entre ambos.
Francisco Sampaio
A evidência científica é clara: a abordagem terapêutica ideal à doença mental deve combinar psicofármacos com intervenção psicoterapêutica. Mais ainda, sabe-se que, em numerosos casos, a intervenção psicoterapêutica isolada é eficaz no tratamento de problemas de saúde mental e deve, inclusive, ser considerada como primeira linha de intervenção antes do início da terapêutica medicamentosa. Não se trata de opor soluções, mas de integrá-las. A saúde mental exige abordagens múltiplas, personalizadas e sustentadas no melhor conhecimento disponível.
Neste cenário, importa valorizar o papel dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica (ESMP), que em Portugal detêm uma competência específica
– reconhecida em Diário da República e regulamentada pela Ordem dos Enfermeiros
– para a realização de intervenção psicoterapêutica. Esta competência inclui, por exemplo, intervenções de inspiração cognitivo-comportamental ou humanista, ajustadas ao contexto e à pessoa. Contudo, esta capacidade técnica e relacional permanece, demasiadas vezes, subaproveitada nos contextos da prática clínica.
Entre os múltiplos fatores que explicam esta realidade, destacam-se dois: (a) os baixos rácios enfermeiro-utente, que dificultam a disponibilização de intervenções especializadas; e (b) a necessidade urgente de construir consensos transdisciplinares que coloquem os cidadãos no centro das decisões e estratégias em saúde. Quando se pensa em ampliar as respostas em saúde mental, importa não apenas recrutar mais profissionais, mas também rentabilizar, de forma inteligente e cooperativa, as competências já existentes no SNS.
É neste contexto que se realizará, entre os dias 15 e 17 de outubro de 2025, o XVI Congresso Internacional da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (ASPESM), na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Santarém. 
O Congresso terá como tema central as “Intervenções Psicoterapêuticas”, com um programa científico que integra workshops dirigidos a enfermeiros especialistas em ESMP, focados na atualização de conhecimentos e competências psicoterapêuticas, bem como conferências proferidas por especialistas de renome nacional e internacional nas áreas da Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, Psiquiatria e Psicologia.
Serão abordados temas como a comunicação clínica, a relação terapêutica e os desafios contemporâneos da intervenção psicoterapêutica, incluindo o potencial da inteligência artificial como facilitador da intervenção especializada em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. O programa contará, ainda, com espaços de reflexão sobre políticas e organização dos serviços de saúde mental, promovendo o diálogo entre Portugal, Espanha e Reino Unido numa mesa--redonda e tertúlia internacional.
Este ano, o Congresso conta com o apoio institucional da Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental e do Ministério da Saúde, bem como com o apoio científico da Sigma Theta Tau International Honor Society of Nursing – Europe Region. Será também ocasião para reconhecer, publicamente, o percurso de enfermeiros especialistas em ESMP que se destacaram nas áreas clínica e académica, através da entrega dos prémios ASPESM.
Mais do que um evento científico, este Congresso pretende ser um momento de convergência entre profissionais, disciplinas e visões, na construção de respostas mais integradas, equitativas e humanizadas. Sobretudo, pretende afirmar um novo paradigma: o cidadão – e não o diagnóstico, o profissional ou a organização – deve estar no centro das decisões em saúde mental. Para isso, é imperativo que todas as competências dos profissionais de saúde estejam efetivamente ao serviço das pessoas.
A intervenção psicoterapêutica não é um luxo. É, para muitos, uma necessidade clínica e um direito em saúde. Os enfermeiros especialistas em ESMP estão preparados para responder a esse desafio. Basta que se reúnam as condições que lhes permitam fazê-lo..png)
Nota: Este artigo de opinião de Francisco Sampaio foi escrito para o Jornal Médico, com publicação na edição de julho 2025.

