Opinião

«Cuidados continuados em saúde mental: é urgente a retoma de respostas no SNS»


Joaquina Castelão

Presidente da FamiliarMente - Federação das Associações das Famílias de Pessoas com Experiência de Doença Mental. Integra o Conselho Nacional de Saúde Mental, desde 2016.



A saúde mental, em termos institucionais, é há décadas o parente pobre da Saúde e em que o Estado menos tem investido, pese embora a crescente prevalência da doença mental em Portugal, à semelhança do que acontece na Europa e no resto do mundo.

A falta de atenção política e de investimento, durante anos, inviabilizaram a implementação e o desenvolvimento da maioria das medidas preconizadas no Plano Nacional de Saúde Mental que Portugal aprovou e que vigorou de 2007 a 2016 e que, em resultado de avaliação efetuada em 2017, foi estendido a 2020.

O atraso na implementação e desenvolvimento de medidas, a falta de respostas e as assimetrias na sua distribuição territorial, bem como a escassez de recursos humanos, sobretudo nos cuidados de saúde mental comunitários, há muito que se repercute na falta de equidade e de igualdade de acesso ao tratamento da doença mental, para desespero dos doentes e das famílias, cuidadoras informais que continuam sem apoio e acompanhamento.

A crescente incidência da doença mental, os vários relatórios sobre a situação da saúde mental e a voz das famílias e dos doentes poderão ter contribuído para que, recentemente, o Governo tenha dado maior atenção e incluído no Orçamento de Estado do corrente ano algumas medidas, como a criação das primeiras dez equipas locais de saúde mental que, só por si, não resolvem as necessidades identificadas, mas permitem que a prestação de cuidados para tratamento e estabilização da doença mental cheguem mais próximo da população.

A saúde mental não pode centrar-se apenas no tratamento e estabilização da doença mental e na reabilitação, tendo em vista a inclusão social e profissional.

É preciso que, em simultâneo, o Governo promova a saúde mental e previna a doença mental, investindo na criação de modelos de intervenção adequados para que haja cada vez menos pessoas a necessitar de tratamento de longa duração e a sofrer de doença mental grave, crónica e incapacitante.

Com a atenção recente dada à saúde mental e as promessas do Governo de investimento contínuo e adequado, as famílias e os doentes acalentaram a esperança de ter, a médio prazo, acesso a cuidados adequados e em tempo útil.

Mas o surgimento da pandemia de covid-19 no decurso do primeiro trimestre do ano e as sucessivas medidas que impuseram e continuam a impor o confinamento e isolamento social, a redução de horário laboral e, em muitos casos, a perda de emprego e de rendimentos afetaram a vida das famílias e a estabilidade emocional da maioria das pessoas, assim como dificultaram o acesso a cuidados de saúde e de saúde mental.



Joaquina Castelão

As repercussões ao nível da saúde mental da população são muito preocupantes, quer nos doentes diagnosticados e que já se encontravam em tratamento, quer nas pessoas que começaram a manifestar problemas de saúde mental, em resultado da insegurança e medo da situação e que desencadeiam crises associadas a patologias mentais que requerem atenção e tratamento adequado e atempado.

O Serviço Nacional de Saúde, para acudir às necessidades dos doentes covid, deixou de responder como vinha fazendo aos doentes que seguia em tratamento e também não consegue responder a doentes que procuram os cuidados de saúde mental pela primeira vez.

Nos cuidados continuados de saúde mental, a pandemia também provocou a suspensão, por tempo indeterminado, da maioria das respostas que integram doentes em fóruns sócio-ocupacionais e que viram o seu processo de reabilitação interrompido e foram encaminhados para suas casas, onde permanecem isolados e aos cuidados das famílias.

Face à situação pandémica que se arrasta há vários meses e a crescente prevalência da doença mental, urge que o Estado dote o Serviço Nacional de Saúde de meios e recursos, para retoma imediata da prestação de cuidados de saúde e saúde mental e de condições para a retoma de respostas de cuidados continuados em saúde mental.



O artigo pode ser lido na 1.ª edição da LIVE Psiquiatria e Saúde Mental.

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