Cuidados paliativos domiciliários: «Humanizar» liga hospital ao ACES Arco Ribeirinho




Logo de manhã, numa sala do Centro Hospitalar Barreiro Montijo (CHBM), a equipa da "Humanizar" discute os casos clínicos de doentes apoiados pela equipa. Fala-se de como foi possível concretizar o desejo de um doente que queria passar um fim de semana em casa antes de falecer e da necessidade de apoiar a família no luto.



Analisa-se a situação de um idoso cuja família quer que termine os seus dias em casa, sem procedimentos invasivos e com o mínimo de sofrimento possível, e todos os recursos que podem ser disponibilizados para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Esta equipa multidisciplinar, coordenada pelo oncologista Jorge Espírito Santo e composta por profissionais do CHBM e do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Arco Ribeirinho, prestou no último ano cuidados domiciliários paliativos a cerca de 60 doentes da sua área de influência: Barreiro, Moita, Montijo e Alcochete.

Grande parte dos profissionais pertence ao ACES

Ainda nem se falava de cuidados domiciliários paliativos e já Jorge Espírito Santo defendia que, nomeadamente na sua área de especialidade, “seria desejável que os doentes, quando as coisas não correm bem, pudessem morrer em casa, se tivessem condições para tal”.

A Unidade Domiciliária de Cuidados Paliativos, denominada "Humanizar", nasceu, assim, da vontade dos profissionais e da necessidade de ir acompanhando o que já se faz noutros países, “onde a vertente de cuidados paliativos domiciliários tem vindo a ganhar uma expressão muito significativa”, refere o especialista à Just News.


Jorge Espírito Santo

O projeto inicial resultou de uma candidatura do CHBM ao Programa Gulbenkian “Inovar em Saúde”, com a vigência de três anos. No final de 2017, uma nova candidatura a um programa comunitário, com a disponibilização de fundos para estas áreas de exercício, permitiu que a Unidade mantivesse a sua atividade sem interrupções. Contudo, em outros moldes.

Enquanto o projeto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian era da exclusiva responsabilidade do CH, que disponibilizava todos os recursos, os projetos ao abrigo do programa comunitário foram feitos sob o lema da integração de cuidados.

“Esta é uma ideia magnífica, também antiga, mas que raramente é posta em prática. Implica a comparticipação de ambos os níveis de cuidados para o mesmo objetivo", indica Jorge Espírito Santo.

A resposta do ACES Arco Ribeirinho constituiu "uma agradável surpresa" para o oncologista, tanto que “a atual equipa é maioritariamente integrada por profissionais dos CSP".


Alguns dos elementos da equipa da Unidade Domiciliária de Cuidados Paliativos

A dificuldade residia no facto do ACES não ter profissionais com formação avançada em cuidados paliativos. "No fundo, o que fizemos foi dar a nossa experiência e o nosso conhecimento e, em conjunto com médicos e enfermeiros dos CSP, constituir uma equipa coesa, com pessoas capazes e muito interessadas. O projeto, em si, é uma mais-valia para os doentes e, em termos organizativos, demonstra que, efetivamente, a ligação entre os cuidados hospitalares e os CSP não só é possível como desejável”.

Necessidades “estão a ser melhor identificadas e referenciadas”

“Nenhum de nós trabalha a tempo inteiro na Unidade. Mas, com as necessidades que existem ao nível dos cuidados domiciliários paliativos, haveremos de lá chegar", afirma Jorge Espírito Santo. As previsões realizadas pela “Humanizar”, em termos de utilização de recursos, apontam que entre 500 a 600 doentes da área de abrangência do ACES poderão ter necessidade deste tipo de cuidados.

Um estudo realizado pela equipa concluiu que, com cuidados paliativos no domicílio, “não só o conforto para o doente é muito maior, como o número de vindas à urgência e os recursos envolvidos diminuem bastante”. Aliás, outros estudos internacionais estimam uma redução da ida às urgências de entre 40 a 50%.



Com a participação de profissionais dos CSP no projeto, “o número de doentes admitidos tem vindo a aumentar progressivamente porque as necessidades neste momento estão a ser melhor identificadas e mais referenciadas. Portanto, a nossa previsão é que a Unidade cresça muito e muito depressa”.

A grande maioria “são doentes oncológicos, mas não só. As doenças neurodegenerativas vêm em segundo lugar”. Do mesmo modo, “predomina a faixa etária situada acima dos 65 anos, mas também temos doentes mais jovens”.

“O que verificamos é que as carências são enormes, quer em termos de habitação, quer de conforto e de suporte. O contacto com os doentes e as famílias, no terreno, dá-nos outra imagem da realidade”, conclui.


Inicialmente denominada "Acompanhar", o nome da UDCP foi alterado, em março de 2018, para "Humanizar"

Integração potencia a partilha de conhecimentos e de informação

A médica de família Raquel Bettencourt, da USF Afonso Eiró, no Montijo, aponta nesse mesmo sentido. A área de influência do ACES é muito extensa e com grandes dificuldades socioeconómicas. Daí também a importância desta interligação entre ambos os níveis de cuidados.

“Os doentes e as famílias precisam desse tipo de abordagem para terem os cuidados adequados”, argumenta, acrescenta: “Conhecemos o meio, os doentes, as famílias e o facto de sermos uma equipa tão alargada, com profissionais do centro hospitalar e do ACES, faz com que a partilha de informação e de conhecimentos seja muito maior, além de podermos beneficiar da experiência e dos meios dos colegas hospitalares em benefício dos nossos doentes.”



Em termos operacionais, a extensão da área geográfica abrangida pela Unidade Domiciliária de Cuidados Paliativos implicou a divisão dos profissionais dos CSP em várias zonas. “Os doentes são de toda a equipa”, esclarece a médica de família.

“Mas, tendencialmente, cada grupo acompanha os doentes da sua área. Eu, por exemplo, tenho o Montijo e Alcochete e a minha colega Ana Teles, da USF Santo António, a zona do Barreiro e da Moita. O mesmo sucede com os oito enfermeiros das quatro UCC do nosso agrupamento de centros de saúde, localizadas no Barreiro, Moita, Montijo e Baixa da Banheira/Vale da Amoreira”, frisa.

O enfermeiro José Carlos Bernardes, da UCC “Saúde na Rua”, que cobre a Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, e que na manhã da reportagem acompanhou a deslocação da Unidade Domiciliária de Cuidados Paliativos na visita a doentes da sua zona, refere que este projeto veio preencher a lacuna que existia ao nível dos cuidados continuados paliativos:



“Dantes, não havia nada. Agora, a colaboração entre ambos os níveis de cuidados permite um acompanhamento muito próximo e continuado dos doentes e a possibilidade de permanecerem em casa, que é onde preferencialmente devem estar. Os utentes ou os seus cuidadores têm os nossos contactos e, como estamos muito próximos, podemos deslocar-nos rapidamente aos seus domicílios, praticamente na hora.”

A nível hospitalar, as visitas da equipa “Humanizar” são efetuadas duas vezes por semana “e nós vamos dando feedback da evolução dos doentes porque podemos estar junto deles as vezes que forem necessárias”.

Para José Carlos Bernardes, “é importante que as equipas estejam no terreno, em proximidade, porque senão as únicas respostas possíveis são a nível hospitalar ou institucional”.



Outro aspeto importante diz respeito à aprendizagem: “A equipa da ‘Humanizar’ tem todo um histórico de trabalho em cuidados paliativos, o que não acontece com as UCC. A nossa integração no projeto tem repercussões muito relevantes ao nível do próprio processo de aprendizagem e de formação, até na perspetiva de uma futura autonomização das unidades de cuidados continuados na área paliativa”.

A mais-valia da integração de cuidados

A integração entre ambos os níveis de cuidados representa também uma mais-valia para a equipa, na medida em que conta com o apoio de um psiquiatra do CHBM, um psicólogo, um nutricionista e uma assistente social. Dois médicos são do centro hospitalar e outros tantos de unidades de saúde familiar do ACES Arco Ribeirinho.  No total, dos nove enfermeiros, oito pertencem às unidades de cuidados na comunidade (UCC) da área de influência do ACES.



A reportagem pode ser lida no Hospital Público 14 (outubro), onde são igualmente dadas a conhecer as mais valias da Unidade de Cuidados Paliativos do CHBM e da equipa dos cuidados paliativos pediátricos.

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