Opinião
Diagnóstico da demência: «O que fazer e o que não fazer»
Sofia Duque
Especialista de MI com Competência em Geriatria. Coordenadora da Unidade de Ortogeriatria do Serviço de MI do H. São Francisco Xavier, CHLO. Secretária do NEGERMI
Todos os profissionais de saúde que lidam com pessoas idosas sabem que a demência é um problema muito frequente e com impacto negativo na qualidade de vida dos doentes e seus cuidadores.
Contudo, na prática clínica, é frequente encontrar doentes com défice cognitivo importante, mas sem diagnóstico explícito de demência nos seus registos clínicos. Uma proporção destes doentes até já apresenta défice cognitivo grave e alterações comportamentais justificando a prescrição crónica de psicofármacos… Por que falha então o diagnóstico da demência?
Um dos motivos será a ideia errada instalada nos profissionais de saúde (mas também na sociedade) de que ser velho é sinónimo de ser demente. Aceita-se que a idade traz, inevitavelmente, compromisso da memória e, frequentemente, os familiares referem-se ao seu ente querido de forma estigmatizante: “Para a idade, a memória até está bem!”
É necessário ultrapassar este mito e valorizar as alterações cognitivas das pessoas idosas como algo anormal! Só esta perspetiva, clínica e social, conduzirá ao adequado e atempado rastreio cognitivo e diagnóstico precoce da demência, por forma a excluir e tratar causas médicas, défices nutricionais, problemas psicológicos e sociais que possam contribuir para o defeito cognitivo, a par das doenças neurodegenerativas e da doença vascular cerebral.
Quando indicada terapêutica farmacológica, o seu início também deve ser precoce (e não na fase avançada de demência); se não diagnosticarmos a demência, nunca a iremos tratar. Mais relevante que a terapêutica farmacológica é a implementação de estratégias que minimizem a perda cognitiva e otimizem as faculdades cognitivas.
O estabelecimento do diagnóstico de demência, mais que um rótulo ou um estigma, deve ser o motor para incentivar as pessoas à prática de exercício físico e à estimulação cognitiva, formal ou informal, através da participação em atividades lúdicas e sociais. Admitir o diagnóstico de demência permite antever problemas comuns e proteger a pessoa doente, quem a rodeia e seus cuidadores.
Quantas vezes ouvimos relatos de pessoas com demência que se perderam? Ou que colocaram em risco a sua segurança financeira ao gastarem as suas economias, sem qualquer perceção do valor do dinheiro? Ou até mesmo que colocaram em risco a segurança pessoal ao deixar o lume aceso?
Por fim, mas não menos importante, importa frisar que estabelecer o diagnóstico de demência é também a oportunidade de planear o futuro, de forma refletida e respeitando os desejos e vontades da pessoa que está doente.
Sofia Duque
À pergunta desafiante sobre o diagnóstico da demência “O que fazer e o que não fazer?”, a resposta imediata é que devemos diagnosticar o problema e não escondê-lo ou secundarizá-lo numa lista de doenças médicas, como frequentemente acontece na prática clínica. Para uma pessoa idosa, dificilmente haverá diagnóstico mais grave e incapacitante que a demência!
Para não falhar o diagnóstico da demência, é necessária a aquisição de competências na sua semiologia. Este será, provavelmente, outro motivo responsável pela falha do diagnóstico da demência.
Grande parte dos médicos generalistas que lida com doentes idosos, internistas e médicos de família não teve formação pós-graduada nesta área, por forma a identificar a demência numa fase precoce e a possibilitar a referenciação atempada a consultas de Geriatria, Neurologia ou Gerontopsiquiatria.
Artigo publicado no Jornal da 3.ª Reunião do Núcleo de Estudos de Geriatria.