Opinião
Hospitalização Domiciliária: «Evidência de eficácia, eficiência e efetividade»
Delfim Rodrigues
Responsável pela implementação das UHD nos estabelecimentos hospitalares do SNS
Temos que assumir que sendo a saúde um serviço dispõe de uma lógica estratégica, bem como operacional, bem distinta dos processos industriais, ainda que alguns desses processos possam coexistir, mormente em ambiente hospitalar.
O serviço é um momento único e irrepetível de interação de um prestador, ou grupo, com um cliente ou um agregado de beneficiários dessa prestação, por conseguinte, não é indiferente o local de disponibilidade e o tempo e, portanto, as questões relacionadas com:
• Acesso
• Qualidade/Segurança
• Equidade
são determinantes para a eficácia, eficiência e efetividade da prestação.
Ainda dentro deste tema, é de realçar que, em relação às três variáveis supra enunciadas, é relativamente fácil os sistemas de saúde oferecerem em conjunto duas das três, acabando por sacrificar uma das outras.
Podem oferecer acesso ilimitado dentro de parâmetros de qualidade/segurança, fazendo falir a vertente equidade, em particular na sua componente financeira, o que, por conseguinte, e por falta de meios, terá “ricochete” no acesso e, em última análise, na qualidade prestada e percebida pelos cidadãos, particularmente dos mais desfavorecidos económica e socialmente.
Poder-se-á preservar a comportabilidade financeira, colidindo com acesso, e a qualidade do mesmo, e assim por diante. Temos exemplos das várias conjugações possíveis nos diversos governos da nossa República.
Interessantemente, Adalberto Campos Fernandes considerou a Hospitalização Domiciliária como uma das maiores reformas do SNS, de par com a generalização das ULS, almejando a integração de cuidados.
A Hospitalização Domiciliária tem o perfil que o multibanco tem para os clientes e respetivas instituições. Em termos de saúde, consegue conjugar, à uma, as três variáveis enunciadas anteriormente.
• Incrementa o acesso. Em auge de pandemia, foi a única oferta hospitalar que cresceu: 875%. Ao ocupar camas em casa libertou camas hospitalares e mesmo em relação aos doentes covid, e de acordo com normas de orientação técnica da DGS, 97% foram seguidos no domicílio.
• Promove, de forma continuada, a qualidade/segurança dos doentes tratados, reduzindo as taxas de mortalidade, morbilidade, infeção, reinternamento, doença mental e dependência funcional, entre outras.
• Impacta na eficiência. Os doentes internados em casa representam, para o SNS e, por conseguinte, para o tecido social no seu todo, uma eficiência de 48,75%.
Assim sendo, resulta evidência de eficácia, eficiência e efetividade deste modelode prestação de serviço, face ao modelo mais “conservador”.
Em termos de síntese, apresentamos os resultados acumulados da HD, no final do mês de agosto, por comparação com período homólogo do ano passado.
Importa deixar expresso o mais elevado apreço e reconhecimento pelo desempenho das nossas equipas.
Nos principais indicadores temos:
– Um hospital de 350 camas, diariamente, em casa dos doentes e suas famílias;
– Os doentes tratados desde o início do programa ultrapassam os 35.000;
– O número de doentes avaliados teve uma subida de 27,7%;
– Os doentes tratados foram 6642, ou seja, mais 18,4%;
– A eficiência em termos de taxa de utilização subiu para 80,32%;
– O tempo médio de internamento foi de 9,2 dias, talvez muito devido ao aumento da admissão de doentes diretamente da Urgência (18,9%) e às admissões diretas, que cresceram 50%;
– As visitas a casa dos doentes representaram 89.136, o que traduz um incremento de 21,7%;
– Dias de internamento poupados aos hospitais: 64.068;
– A taxa de mortalidade foi de 1,8%, cerca de três vezes menos que em ambiente hospitalar;
– Eventos adversos em termos de infeções hospitalar: 0% contra, tendencialmente, 10% em ambiente institucional;
– É também de realçar o aumento de acompanhamento dos profissionais da Nutrição em 438%, garantindo a avaliação nutricional nas primeiras 24 horas;
– Custos diretos de 10.568.284.000 €.
– Receita estimada: 20.723.000€.
– Diferença em termos de eficiência relativamente a estas duas variáveis: 49%.
O artigo pode ser lido na edição de outubro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários, no âmbito de um Especial dedicado à Hospitalização Domiciliária, concebido em parceria com o Núcleo de Estudos de Hospitalização Domiciliária da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.