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Opinião

«Hospitalização Domiciliária: (naturalmente) responsabilidade da Medicina Interna»


José Pedro Tadeu

Coordenador médico da Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD) do CH de Entre o Douro e Vouga. Assistente hospitalar de Medicina Interna



A 3 de outubro de 2018 decorreu a apresentação da Estratégia Nacional para a Hospitalização Domiciliária, onde 23 hospitais assinaram o compromisso de iniciarem esta atividade num futuro próximo. Atendendo a que as unidades do Hospital Garcia de Orta e do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho já se encontravam em atividade nesta data, esta medida elevaria o número de hospitais com estes serviços para 25.

Enquadrado pelo Decreto-Lei 9323-A/2018 e pela NOC 020/2018, o CHEDV tornou-se no terceiro hospital do país a disponibilizar aos seus doentes a possibilidade de ficarem internados nas suas casas, desde o dia 2 de novembro de 2018.

Apesar da grande variabilidade entre dimensão, recursos humanos e materiais, bem como área de cobertura dos hospitais envolvidos, surge uma associação praticamente transversal destes projetos aos serviços de Medicina Interna.

Esta parece-me uma evolução natural, atendendo ao que já é observado a nível hospitalar – o doente polimórbido torna-se desafiante para qualquer clínico, obrigando a uma apreciação holística que se está a tornar progressivamente mais complexa.



Duas das grandes questões que coloco a mim próprio sempre que me é proposta a admissão de um doente para a UHD são se, genuinamente, conseguimos assegurar que não existirá uma redução do nível de cuidados e se seremos capazes de gerir a “imprevibilidade” associada a qualquer internamento.

É nestes dois pontos que sinto que a minha formação enquanto internista me permite ter a segurança para, de forma assertiva, fazer uma avaliação transversal ao meu doente, não só na sua vertente mórbida, mas também das suas dimensões social e psicológica, ambas fatores muito pesados a ter em conta.

Neste novo modelo de internamento surgem também oportunidades únicas para promover a educação para a saúde. Quem, para além do internista, estaria capacitado para avaliar a evolução clínica da pneumonia que leva à admissão do doente, explicar-lhe que “ter a tiroide” é, na realidade, um hipotiroidismo, ensiná-lo a manusear a sua nova caneta pré-cheia de insulina e a realizar um mapa glicémico, explorar a sua gaveta de medicação, eliminando redundâncias e minimizando a iatrogenia, ajudando ainda a ter uma alimentação mais adaptada à sua condição pluripatológica?

A abrangência da especialidade também permite que estes moldes de internamento cheguem ao máximo de pessoas interessadas. Se limitássemos a nossa atividade a doentes puramente cardiológicos, pneumológicos ou hematológicos, seria muito difícil justificar o investimento necessário para o desenvolvimento do projeto.

Contudo, nem tudo é fácil e natural neste tipo de iniciativas inovadoras. Com a Estratégia Nacional para a Hospitalização Domiciliária, a Medicina Interna e o seu ator principal, o internista, veem-se confrontados com a necessidade de se romperem com paradigmas:

– O médico hospitalar estático, devendo este tornar-se um membro de pleno direito da saúde comunitária e promotor genuíno de saúde na sua vertente holística, intervindo a um nível basal das famílias portuguesas – dentro de suas casas.

– O hospital enquanto local de prestação de cuidados, sendo que a mudança desta crença enraizada na população é extremamente difícil. É missão das equipas de Hospitalização Domiciliária garantirem que o doente se sente apoiado, que pode confiar o seu cuidado às pessoas envolvidas e que a mudança dos moldes de internamento é, de facto, promotor de melhor saúde e melhores outcomes clínicos.

Enquanto internista, sinto, mais uma vez, que a evolução da prestação de cuidados de saúde hospitalares em Portugal está dependente da minha atuação e dos meus colegas. Que temos que aceitar essa missão com humildade, responsabilidades científica e social, focados em cada vez mais “cuidarmos” ao invés de “tratarmos”.

Esse desígnio é mais facilitado quando podemos cuidar o nosso doente em sua casa, minimizando as agressões física e emocional com consequências, muitas vezes, nefastas, associadas ao internamento convencional.



Também a nossa satisfação enquanto profissionais de saúde é exponenciada – os nossos doentes acarinham-nos, os seus cuidadores procuram-nos para esclarecem dúvidas para as quais nunca acharam espaço para serem esclarecidas. Presenciamos o obstáculo que umas simples escadas representam, em como a medicação habitual é “um branco pequenino e um vermelho redondo” para quem nunca foi à escola, ajudamos o neto a fazer os trabalhos de casa porque o avô, nosso utente, não está a conseguir ajudá-lo – relembra-nos que o importante na vida não são as notas de alta e os horários das consultas.

É saber que tocar alguém, levemente, no rosto, é suficiente para aliviar a dor e fazer com que o seu dia seja melhor. Por outras palavras – humaniza-nos.



Artigo publicado na última LIVE Medicina Interna.

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