Incontinência urinária e fecal no idoso: «Continua a ter um grande estigma associado»


Heidi Gruner

Internista. Responsável pela Consulta Multidisciplinar de Geriatria do CHULC - Hospital Curry Cabral. Membro do Secretariado do NEGERMI



A incontinência urinária (IU) é prevalente e está associada à síndrome de fragilidade no idoso, pelo que integra a avaliação geriátrica global nas consultas de Geriatria. Tem um impacto significativo nas atividades de vida diárias no exercício e também no âmbito psicológico e social.

Não faz parte do envelhecimento “normal”, mas está associada, entre outros, à idade, compromisso funcional, multiparidade, osteoartropatia degenerativa, acidente vascular cerebral e uso de laxantes. Parece ser mais prevalente e severo, de acordo com a gravidade da fragilidade, e na maioria dos estudos 80% tem etiologia mista (IU de urgência e de esforço).

Foram publicadas guidelines, em 2020, pela Associação Europeia de Urologia, que já incluem um subcapítulo dedicado à Geriatria e que complementam os elaborados pela EUGMS (European Union Geriatric Medical Societies) em 2017.

Continua a ter um grande estigma associado e continua a ser escondida pelos doentes, mas também pelos médicos.

A triagem eficaz, que, afinal, se limita a questionar sobre a existência de perda involuntária de urina no último ano (definição de IU), pode levar a um tratamento mais precoce, incluindo intervenções comportamentais, médicas e cirúrgicas, dependendo da idade e vontade do doente, do tipo e gravidade dos sintomas.


Heidi Gruner

Existem múltiplas escalas, algumas validadas para português, que ajudam na determinação da gravidade do tipo e do impacto da IU. A elaboração de diários continua a ser importante e a avaliação inclui urina e a ecografia vesical com avaliação do volume pós-miccional antes mesmo da referenciação do doente para estudos urodinâmicos, entre outros.

No CHULC contamos com o apoio da Consulta de Urologia e da Consulta de Medicina Física e de Reabilitação Pelviperineal.

De qualquer modo, a implementação de regras alimentares (como o uso regrado de cafeína e chocolate ou até a eventual perda de peso) e horários de micção adaptados às atividades do doente – ou até o uso de pensos – pode ser iniciado já na Consulta Multidisciplinar de Geriatria, bem como a correção de doenças de base relacionadas (a realçar a obstipação) e ajuste de medicação, como, por exemplo, os diuréticos.

A terapêutica antimuscarínica disponível parece eficaz, sendo que o impacto nas funções cognitivas é cumulativo e dependente do tempo de exposição. A destacar aqui, além do tróspio, o mirabegron e a oxibutinina. Na IU de urgência nas mulheres, quando pertinente, a duloxetina é recomendada.

Se a incontinência urinária incomoda então a incontinência fecal muito mais, apesar de ser mais rara. Define-se pela existência de pelo menos um episódio involuntário e pode ser de urgência ou passiva. As causas secundárias devem ser corrigidas, o que inclui correção de hábitos alimentares, alterações metabólicas e iatrogenia de fármacos.

Deve ser caracterizada em termos de consistência e frequência e impacto nas atividades de vida diárias, com base nos scores disponíveis (por exemplo, de Wexner ou de Williams), antes de se enviar o doente para a Consulta de Proctologia e Consulta de Medicina Física e de Reabilitação.

Na incontinência ligeira, podemos iniciar, na Consulta Multidisciplinar de Geriatria, ajustes na dieta, insistindo em refeições pequenas, perda de peso e ajuste das doses de fibras e redução de alimentos, nomeadamente, lactose nos intolerantes, picantes, gomas, gorduras, cafeína e álcool. Não descurar, além dos exercícios, a terapêutica com loperamida, de acordo com as necessidades.

No fim do dia, o reconhecimento e o diagnóstico da incontinência – uma das síndromes geriátricas –, além do empoderamento do doente idoso, é o elemento mais importante e decisivo na adaptação a esta síndrome e na escolha da terapêutica, que deve ser sempre adaptada a cada um e que possivelmente vai variar no tempo.



Artigo publicado na edição de outubro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários, no âmbito de um Especial dedicado à 4.ª Reunião do Grupo de Estudos de Geriatria.
Jornal distribuído em todas as unidades de cuidados primários do SNS. 
Porque as boas práticas merecem uma ampla partilha entre profissionais!

Imprimir


Próximos eventos

Ver Agenda