Cepheid Talks

«Malnutrição, sarcopenia e fragilidade – uma tríade a reverter»


Sofia Duque

Especialista de Medicina Interna, com competência em Geriatria. Coordenadora do NEGERMI



O envelhecimento do ser humano é um processo muito heterogéneo; enquanto alguns indivíduos seguem a trajetória do envelhecimento bem-sucedido, outros podem seguir a trajetória de um envelhecimento acelerado, culminando na fragilidade física, que determina um maior risco de desenvolver dependência.

Isto é manifesto na prática clínica, em que encontramos pessoas com a mesma idade cronológica, mas com diferentes graus de morbilidade, robustez física e autonomia funcional. E este é o desafio da Geriatria!

Duas condições muito relacionadas com o envelhecimento acelerado e a instalação de fragilidade física são a malnutrição e a sarcopenia. Se pensarmos na prática clínica em Geriatria, é difícil imaginar um indivíduo com dependência funcional que não tenha perda de massa muscular. Da mesma forma, nos doentes com malnutrição, mais cedo ou mais tarde, instalar-se-á a sarcopenia.

Em muitos doentes estabelece-se uma sequência de eventos, começando com a malnutrição, que origina sarcopenia e subsequente fragilidade... E, então, bastam pequenas intercorrências médicas, psicológicas ou sociais para precipitar o surgimento de dependência, com todo o impacto negativo na qualidade de vida das  pessoas. Estes fenómenos colocam em causa uma das principais prioridades das pessoas: preservar a autonomia e continuar a viver no seu meio.

Mas serão estas condições assim tão prevalentes no nosso país? Quantas vezes nos lembramos de as ver enumeradas nas listas de problemas dos diários clínicos ou nos diagnósticos finais das notas de alta?

Estudos feitos em território nacional mostram, na população idosa a viver na comunidade, que a malnutrição ou o risco de malnutrição podem atingir mais de 15% das pessoas; nesta mesma população, estima-se que mais de 10% tenha sarcopenia.

A prevalência destas condições é significativamente maior nos idosos institucionalizados – cerca de 25% têm malnutrição e sarcopenia e quase metade
podem ter risco de malnutrição. Podemos então assumir que o subdiagnóstico destas condições ocorre frequentemente. Contudo, falhando o diagnóstico falhará o seu tratamento e a sua prevenção!

Compreender a inter-relação entre a malnutrição, a sarcopenia e a fragilidade pode ser desafiante do ponto de vista fisiopatológico, mas o mau prognóstico associado é incontornável:

- perda de força muscular, diminuição da atividade física, aumento da dependência, quedas, fraturas, maior risco de infeção, redução da capacidade de cicatrização, surgimento de úlceras por pressão, aumento do tempo de recuperação, aumento do tempo de internamento e do risco de institucionalização, culminando numa maior mortalidade.

Sofia Duque

Embora se possa estabelecer rapidamente um ciclo vicioso difícil de reverter, o seu retrocesso não é impossível. A capacidade de revertermos a malnutrição, a sarcopenia e a fragilidade dependem da sensibilidade clínica para procurar estes problemas em estádios precoces da sua evolução, quando ainda são praticamente invisíveis, requerendo astúcia clínica e aplicação de instrumentos de avaliação que aumentam a acuidade diagnóstica.

É nas etapas precoces destas condições que as intervenções terapêuticas vão ser mais efetivas.

Depois do desafio diagnóstico, apresenta-se o desafio terapêutico! Não há fármacos que tratem eficientemente a malnutrição, a sarcopenia ou a fragilidade.

Os pilares terapêuticos são as intervenções físicas e nutricionais, que muitas vezes implicam desfazer mitos enraizados na nossa população, e aumentar a literacia para a saúde e a alteração de estilos de vida.



O artigo pode ser lido na edição de fevereiro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários, no âmbito de um Especial dedicado à .ª Reunião do Grupo de Estudos de Geriatria da SPMI.

Dirigido a profissionais de saúde e entregue nas unidades de saúde familiar (USF) de Portugal, esta publicação da Just News tem como missão a partilha de boas práticas, de boas ideias e de projetos de excelência desenvolvidos no âmbito do SNS.

 

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