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«O médico de família é crucial no tratamento do doente com dor»




A Unidade Dor do Hospital Garcia de Orta (HGO), em Almada, está a organizar as suas 22.as Jornadas e a 13.ª edição do Convénio ASTOR (Associação para o Estudo e Desenvolvimento da Terapêutica da Dor), que decorre no próximo dia 30 de janeiro. A organização espera cerca de 500 participantes, entre médicos de várias especialidades e outros profissionais de saúde que trabalham em dor.

“É um encontro muito intensivo, que decorre em apenas um dia. Fidelizámos a data, sendo já uma tradição, com quase 22 anos, que se realiza todos os anos na última sexta-feira de janeiro”, conta Beatriz Craveiro Lopes, diretora da Unidade Dor do HGO e da comissão organizadora e científica do evento.

E desenvolve: “Cada vez é mais complicado os profissionais de saúde poderem sair para participarem em congressos. Por isso, fazemos algo intenso, em um só dia. Este é também um espaço de convívio e de partilha.”

Referindo que a Medicina da Dor é transversal a todas as especialidades médicas sem exceção, entre outros profissionais, Beatriz Craveiro Lopes explica que o convénio será divido em “Dor crónica”, que se realiza de manhã, e “Dor aguda”, que terá lugar durante a tarde.

No que respeita aos temas que serão abordados, a nossa interlocutora destaca a conferência “Dor crónica em português”, que será proferida pelo investigador Castro Lopes, e faz, ainda, referência aos temas “A acupuntura e a dor crónica” – nas vertentes “Acupuntura com competência da Ordem dos Médicos” e “Porque é que a Acupuntura não é placebo” – e ao tema “Interações medicamentosas no tratamento da dor crónica oncológica e não oncológica”.

Além disso, menciona também como muito relevante o painel dos “Psis” (Psicologia/Psiquiatria), aludindo ao tema “A dor: Do corpo traído ao corpo desejante”, assim como as comunicações livres e posters.

Na segunda parte do dia, Beatriz Craveiro Lopes sublinha a sessão em que se vai abordar a “Dor aguda no perioperatório”. “Vamos falar de um sistema de registos importante a nível europeu, denominado Pain Out, assim como do tratamento da dor para as pessoas do pós-operatório, nomeadamente os ‘Bloqueios nervosos periféricos para a cirurgia da cabeça e pescoço’”, cita.

Workshops: “Ecografia é uma ferramenta essencial”

Não menos importantes são os workshops. O Curso de Ecografia em Dor Aguda e Crónica inicia-se na tarde do dia anterior, destina-se a qualquer especialidade médica e tem um número limite de 30 inscrições.

“Antigamente, apenas o imagiologista fazia ecografia, porém, atualmente, é uma ferramenta essencial, ‘é o nosso estetoscópio’, utilizamo-la como auxiliar para técnicas invasivas, tanto do sistema nervoso, como do sistema musculoesquelético”, observa.

Além deste, que se prolonga pelo dia 30, serão organizadas outras ações de formação, que se realizam em paralelo com as sessões do auditório e, contrariamente às mesmas, durante a manhã, decorrem os que se referem à dor aguda e, à tarde, à crónica. Este ano, dá-se relevo à dor em pediatria, com um workshop intitulado “20 anos depois: como está a dor da criança em Portugal?”.

“Iniciámo-lo em anos anteriores e vamos continuar com o workshop ‘Saberes e sabores’ destinado à dor crónica, onde será focada a alimentação adequada para os doentes com determinadas patologias, em dor oncológica e não oncológica”, indica Beatriz Craveiro Lopes, acrescentando que estarão presentes um chef de cozinha, uma nutricionista e uma dietista.



Tratamento da dor em Portugal

Questionada quanto à sua opinião no que respeita ao tratamento da dor crónica em Portugal, Beatriz Craveiro Lopes responde que a melhoria que se tem vindo a verificar, ao longo dos anos, nesta área é para si motivo de agrado. Contudo, considera estar ainda muito longe do desejável.

“O tratamento da dor podia ser melhor. Para algumas coisas é preciso dinheiro, mas para outras é apenas uma questão de organização e sensibilidade”, refere, acrescentando que, apesar de tudo, está melhor. “Estamos a anos-luz do desejável, porém, e apesar de isto não servir de consolo, encontramo-nos ao mesmo nível que os outros países da Europa evoluídos nesta área.”

Todavia, no seu entender, continuamos a evoluir, verificando-se uma maior sensibilidade por parte dos profissionais, que se reflete, até mesmo, na formação médica. “A cultura da necessidade do tratamento da dor demora anos a crescer, mas começam a ser visíveis alguns sinais, tanto a nível médico, como de Enfermagem e de Psicologia.”

Beatriz Craveiro Lopes mostra-se preocupada com a “falta de empenho” por parte da Direção-Geral da Saúde nesta área. “Verificou-se, desde 1999, um grande interesse por parte do Ministério da Saúde, com especial repercussão entre 2001 e 2012, mas agora está estagnado”, salienta.

E sublinha: “Foi dada prioridade a outros programas. No entanto, sabemos qual o impacto social da dor crónica em Portugal: nomeadamente no PIB, pois, representa 1,7% relativo a custos diretos e indiretos.”

Por fim, a anestesiologista alude a um estudo efetuado por Castro Lopes, Luís Azevedo e colaboradores, que indica que apenas 82% dos doentes estão a ser tratados para a dor crónica, sendo que destes cerca de 32% não estão satisfeitos com o tratamento e afirmam que os medicamentos não são eficazes ou o médico não valoriza a sua dor.

Médico de família: “a pedra basilar da saúde”

“O médico de família é crucial, é a pedra basilar da saúde, logo é essencial no tratamento do doente com dor”, salienta Beatriz Craveiro Lopes, mencionando que o seguimento destes utentes deve ser feito pela MGF, que apenas deve referenciar quando o problema não é resolúvel no âmbito dos cuidados de saúde primários.

Segundo a anestesiologista, nem todos os doentes podem ser encaminhados para uma unidade de dor. “É perfeitamente plausível que 1% dos doentes com dor crónica, que estão sob tratamento, sejam referenciados, uma vez existir uma franja que é refratária às terapêuticas analgésicas convencionais”, indica.

Além disso, e sempre que houver dificuldades no diagnóstico, o doente poderá ser referenciado também para uma destas unidades. “Muitas vezes, já foram tentadas várias abordagens, o doente continua com dor e o médico precisa de ajuda no diagnóstico. Observamos, diagnosticamos, fazemos um plano terapêutico, que será executado, se as técnicas não estiverem ao alcance dos CSP, e quando possível ‘devolvemos’ o doente ao médico de família com um relatório circunstancial”, explica.

A entrevista está disponível em pdf AQUI.



Artigo publicado na edição de janeiro do Jornal Médico.

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