«O papel do enfermeiro na segurança da terapêutica farmacológica»


André Ferreira

Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária Autor do livro Preparação de Terapêutica Farmacológica - Manual Prático para Enfermeiros (LIDEL)



A terapêutica medicamentosa continua suscetível a “erros evitáveis” que podem ter consequências graves para os utentes. A administração de fármacos não é apenas uma responsabilidade inegociável, mas também um desafio constante na prática de enfermagem, exigindo uma abordagem focada na segurança para garantir eficácia em todo o processo. O conhecimento sólido, o pensamento crítico e a atitude proativa do enfermeiro na prevenção de erros são pilares essenciais para uma prática medicamentosa segura.

Como agente frontal na administração de fármacos, o enfermeiro assume um papel de compromisso alargado, sendo muitas vezes o último profissional a verificar a medicação antes da sua administração. Este papel vai muito além de uma função técnica e automatizada.

Embora a aplicação rigorosa dos “9 certos” da administração de fármacos continue a ser uma estratégia fundamental, a ausência de uma cultura de segurança que permita a dupla verificação ou a falta de um ambiente de trabalho adequado podem comprometer essa abordagem. Por essa razão, é essencial adotar uma visão abrangente que contemple não apenas as responsabilidades individuais do enfermeiro, mas também os fatores institucionais e administrativos que influenciam o sucesso e a segurança da terapêutica medicamentosa.

Entre os aspetos que exigem maior atenção, a pressão assistencial destaca-se como um dos mais comprometedores para a dinâmica terapêutica. A elevada carga de trabalho afeta diretamente a atenção aos detalhes no momento da administração, aumentando a margem de erro e colocando em risco a segurança do utente.


André Ferreira

Estratégias como a implementação de sistemas eletrónicos de prescrição, a utilização de códigos de barras para identificação de utentes e a padronização dos processos têm demonstrado uma redução significativa nos erros de medicação. No entanto, estas medidas, embora fundamentais, não são suficientes. É necessário reconhecer a importância de prevenir a fadiga, reduzir a sobrecarga de trabalho e compreender que a complexidade das terapêuticas deve ser abordada como uma questão prioritária.

Garantir a segurança terapêutica passa também pela formação contínua dos profissionais. Diretrizes clínicas e protocolos são constantemente atualizados, exigindo que os enfermeiros se mantenham informados para evitar práticas desatualizadas ou inadequadas. O aprimoramento do conhecimento é crucial na administração de terapêutica crónica e em utentes polimedicados.

Além disso, a subvalorização do papel do enfermeiro torna ainda mais relevante a necessidade de estudar e refletir sobre a administração correta dos fármacos. Esta atualização não deve depender apenas de formações institucionais ou exigências regulamentares, mas deve partir do próprio profissional, que tem a responsabilidade de garantir a sua qualificação e competência na preparação e administração terapêutica.

O aprofundamento do conhecimento técnico é outro fator determinante para a segurança medicamentosa. A compreensão da farmacocinética e farmacodinâmica, das interações medicamentosas e das particularidades da administração em diferentes faixas etárias — nomeadamente em pediatria e geriatria — contribui para uma prestação de cuidados de excelência. Para além disso, fortalece o desenvolvimento profissional do enfermeiro e impacta positivamente a qualidade do autocuidado e dos serviços de saúde.

Aprimorar as práticas medicamentosas significa não se limitar ao básico, mas sim estabelecer um equilíbrio entre um ambiente de trabalho seguro e a posse de conhecimentos técnicos adequados. Como destacado no guia “Preparação Terapêutica Farmacológica - um manual prático elementar para Enfermeiros”, a qualificação contínua é um pilar essencial para garantir um exercício profissional seguro e eficaz.



A administração segura de fármacos não é uma responsabilidade exclusiva do enfermeiro, mas este profissional desempenha um papel insubstituível nos cuidados aos utentes. Além de detetar erros e implementar boas práticas, a sua consciência sobre a importância do seu próprio protagonismo não deve depender apenas de incentivos institucionais. O reconhecimento da função, a disponibilização de formações contínuas, a atualização de materiais de referência e a melhoria das condições de trabalho são medidas fundamentais para reduzir erros e manter a estabilidade do serviço de saúde.

No entanto, é necessário reconhecer um desafio comum à classe: a mentalidade de autossuficiência que pode afastar o enfermeiro do seu próprio desenvolvimento. Muitas vezes, a atenção excessiva às insatisfações com o trabalho desvia o foco de questões fundamentais para a segurança da terapêutica medicamentosa. Embora os desafios institucionais sejam reais, a consciência do impacto do papel do enfermeiro na cultura de segurança pode fazer a diferença. A enfermagem não se limita à administração de fármacos; ela é um meio de transformação.

A atualização contínua de conhecimentos e das práticas reflete diretamente na segurança dos cuidados e na propagação de uma cultura de segurança na administração medicamentosa. O enfermeiro, mais do que um guardião da terapêutica, é um agente ativo na construção dessa cultura e a sua autoperceção e clareza de propósito terão sempre um impacto significativo na qualidade dos cuidados prestados.

 

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