Odette Ferreira, a 1.ª sócia honorária não médica da APECS
Odette Ferreira foi pioneira na investigação e na luta contra o VIH/SIDA em Portugal, tendo sido responsável pela realização dos primeiros estudos seroepidemiológicos e pela identificação do vírus da imunodeficiência humana tipo 2 (VIH 2). O caminho da farmacêutica, investigadora e professora universitária cruzou-se com o da APECS, sobretudo enquanto desempenhava a função de coordenadora da Comissão Nacional da Luta Contra a SIDA, entre 1992 e 2000.
Em entrevista, Odette Ferreira, que foi durante um ano e meio a única pessoa em Portugal a realizar estudos seroepidemiológicos, recorda o trabalho realizado pela Comissão Nacional da Luta Contra a SIDA na época em que coordenou este organismo. Segundo conta, quando assumiu esta função começou por verificar no “terreno” (primeiro nos hospitais centrais e depois nos distritais) o que era necessário para que existissem as melhores condições para tratar os doentes com VIH.
Após a avaliação que efetuou, concluiu que eram necessárias obras nos departamentos de Infeciologia e de Medicina Interna em todos os hospitais centrais e nalguns distritais. Com o objetivo de acabar com as listas de espera, foram feitos hospitais de dia que “evitavam que os doentes fossem internados e libertavam camas”.
Posteriormente, quando começaram a aparecer estirpes de tuberculose multirresistente nos doentes infetados por VIH, construíram-se quartos de pressão negativa para evitar a sua disseminação e que médicos, enfermeiros ou mesmo os outros doentes se pudessem infetar com essas estirpes. Foram também dotados os laboratórios com os equipamentos necessários.
Na sua opinião, “o trabalho desenvolvido pela APECS foi muito importante nos primeiros anos da infeção VIH/SIDA, realizando cursos, reuniões, congressos, a divulgação e atualização do que se ia conhecendo dos resultados da investigação quer da patogénese do vírus, quer das novas terapêuticas”.
No que respeita à APECS, a professora e investigadora lembra que uma das lutas que travou foi que a Associação se pudesse abrir a outros profissionais de saúde que lidam com os doentes com VIH/SIDA, até porque a própria era farmacêutica e sócia honorária. A proposta foi apresentada numa reunião da APECS, tendo sido aprovada pelos presentes.
Odette Ferreira, que fez a sua carreira na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL), à qual continua ligada, lamenta que não se tivesse conseguido elaborar a primeira publicação sobre a história natural do VIH 2, com base no historial clínico de todos os doentes com este vírus em Portugal. Conforme relata, “o projeto foi inicialmente aceite, mas, por falta de disponibilidade por parte de alguns clínicos para colaborar, não foi concretizado”.
No seu entender, nessa altura, o projeto fazia todo o sentido, tendo em conta que o VIH 2 existia principalmente nos países de Língua Portuguesa e, consequentemente, os médicos nacionais eram os que tinham maior experiência.
Embora considere o trabalho desenvolvido pela APECS muito importante, defende que poderia ser “mais agressivo”.
A investigação continua
Questionada sobre o ponto de situação da investigação na área do VIH/SIDA, a Odette Ferreira menciona que, apesar de ainda não se ter conseguido encontrar um medicamento para eliminar o VIH, conseguiu-se que este parasse de se replicar.
“Inicialmente, a investigação era mais sobre o vírus e as consequências da infeção. Hoje em dia, centra-se em encontrar um medicamento que elimine o vírus, que não produza efeitos secundários e a um preço que permita a sustentabilidade terapêutica em todos os países. Este é o objetivo principal da Indústria Farmacêutica”, refere.
Relativamente à possibilidade de descoberta de uma vacina, afirma não acreditar que isso venha a acontecer, uma vez que “o vírus apresenta uma grande variabilidade e formas de atacar originando diversidade de subtipos e recombinantes dominantes diferentes em vários continentes e os anticorpos serem pouco ou nada neutralizantes, o que tem tido como consequência a não obtenção de uma vacina após 30 anos de investigação com uma tecnologia de ponta”.
Odette Ferreira defende que, atualmente, a única arma que pode eliminar a infeção é a prevenção, sendo, por isso, necessário apostar mais na informação à população, principalmente na juventude.
E alerta que “só com a prevenção é que se conseguirá que a SIDA desapareça. Já demos uns passos de gigante, mas continuamos a ter recidivas, porque há indivíduos que pensam que, por se tratar de uma doença crónica, basta um só comprimido para estarem protegidos”.
Artigo publicado na edição de LIVE Especial 25 anos APECS.