Opinião

LUZIA: Oftalmologistas vão aos cuidados primários e «reduzem em 75% as visitas hospitalares»


Sérgio Azevedo

Diretor do Serviço de Oftalmologia da ULS do Alto Minho



Fazer a diferença na vida das pessoas. Esta deve ser a missão das organizações de saúde. Todos os profissionais, todos os serviços, todos os processos destas instituições devem organizar-se para servir este propósito.

Em muitas regiões do país os doentes continuam sem acesso a cuidados de saúde hospitalares. As razões são várias e conhecidas. Algumas estão relacionadas com as realidades sociais e geográficas dessas regiões, há muito identificadas como determinantes de saúde e que condicionam os resultados em saúde dessas populações e a equidade no acesso a cuidados.

As regiões onde as assimetrias são mais evidentes correspondem às populações mais vulneráveis e desprotegidas. Habitualmente associadas a populações rurais, com elevado índice de envelhecimento, altas taxas de iliteracia, economicamente carenciadas, sem acessos ou transportes públicos. Isoladas.

Essa é também a realidade nalgumas regiões no nosso distrito. Situado numa das suas extremidades, o Hospital de Santa Luzia serve uma população de 245.000 habitantes, dispersos por uma área de 2255 Km2. Isso significa que uma viagem ao nosso hospital pode representar 4 horas, 300 km e mais de 100 euros de despesa.

Alguns doentes simplesmente não vêm. Ou vêm tarde demais. O resultado é simples: os doentes cegam.

O Serviço de Oftalmologia da ULSAM desenvolveu o projeto LUZIA, uma plataforma de cuidados visuais no Centro de Saúde (CS) de Valença que serve toda a zona norte do distrito. Duas vezes por semana, uma equipa multidisciplinar de profissionais do serviço desloca-se ao CS, situado a 50 km do hospital.


Sérgio Azevedo

A plataforma tem 3 linhas de atividade:

1. Realização de consultas de Oftalmologia presenciais: foi redefinido o algoritmo de referenciação para identificar os utentes que podem ser observados no CS e aqueles que deveriam ser encaminhados para o hospital. Os casos foram classificados como Eficiência se não necessitarem de completar o seu estudo no hospital, ou como Entropia se precisarem.

2. Rastreio de patologia oftalmológica: as doenças rastreadas são o glaucoma e a degeneração macular relacionada à idade (DMI) nos utentes com 60 anos. Os exames são realizados por ortoptistas e analisados remotamente por oftalmologistas. Os utentes com alterações são orientados para consulta presencial.

3. Vigilância remota de doenças crónicas: prestes a ser implementada, abrange atualmente doentes com DMI e retinopatia diabética. Os exames serão realizados no CS por ortoptistas e analisados remotamente pelos seus oftalmologistas, que definirão o plano terapêutico.

A plataforma iniciou a sua atividade em janeiro de 2023, sendo atualmente o único CS com consultas de Oftalmologia em Portugal.

No primeiro ano de atividade foram triados 1122 utentes: 91% tiveram consulta no CS, 9% no hospital. Foram realizadas 1021 primeiras consultas: 96% classificadas como Eficiência, 4% como Entropia. Foram realizados 120 inquéritos de satisfação: 97% dos utentes Muito Satisfeito, 3% Satisfeito.

Em relação ao impacto para os utentes, registámos uma redução de 75% nas visitas hospitalares e nos custos associados, por doente, na nossa principal causa de referenciação à consulta: a catarata. As segundas e terceiras causas mais frequentes já não se deslocam ao hospital, recebem o seu tratamento no CS.

O rastreio de patologia oftalmológica começou em maio de 2023 e todos os pacientes elegíveis foram convidados para triagem até ao final do ano. Dos 174 doentes rastreados, 6,5% foram referenciados para consulta presencial.

A vigilância remota de doenças crónicas está em fase de implementação, com 34 pacientes referenciados para o programa.

Este projeto abre a porta à esperança para todas as populações isoladas em que o acesso ao hospital é problemático, para que estas possam, ainda assim, receber cuidados diferenciados.

As organizações de saúde têm a responsabilidade de mostrar a estas pessoas que, apesar de estarem isoladas, não estão esquecidas.

E, com isso, fazer a diferença na vida das pessoas.

 

Constituição da equipa
Oftalmologistas: Sérgio Azevedo e Carlos Menezes
Técnicas: Patrícia Pires e Daniela Barros
Enfermeiros: Ana Catarina Pais, Avelino Soares, Jorge Araújo, Lara Caldas, Marco Silva e Patrícia Felgueiras
Assistentes técnicas: Andreia Ablú e Ana Paula Costa

LUZIA vence prémio de integração de cuidados

O grande vencedor da edição do Integrated Care Award (ICA) de 2024, anunciado no 4.º Encontro Nacional de Integração de Cuidados, foi o Projeto LUZIA, que se destacou pela sua abordagem inovadora na integração de cuidados, proporcionando um modelo assistencial centrado nas necessidades das pessoas. 



O artigo pode ser lido na edição de novembro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados, resultando de uma parceria com a PAFIC - The Portuguese Association for Integrated Care.

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