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Opinião

«Os verdadeiros ventiladores do SNS»


Miguel Guimarães

Bastonário da Ordem dos Médicos



Mal tínhamos entrado em 2020 quando percebemos que nada seria como esperávamos. A emergência de saúde pública criada pela covid-19 mudou-nos como sociedade, criando uma pressão sobre a economia e os serviços de saúde para a qual ninguém estava preparado.

A normalidade que queremos recuperar dificilmente será a mesma – perdemos vidas humanas e isso é algo que nunca se pode recuperar, sem esquecermos efeitos sociais, físicos, psicológicos, culturais, económicos...

No meio de tantas dúvidas, encontremos em Charles Darwin alguma inspiração: Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.

Cabe-nos a todos – do poder político aos profissionais de saúde e à sociedade civil – minimizar o impacto imediato e futuro do surto, e não me refiro apenas aos doentes infetados pelo novo coronavírus. O impacto nos outros doentes pode ser mais difícil de mensurar, pelo que as correções podem chegar tarde.

Adaptarmo-nos às mudanças implica mudar o sistema para responder à pandemia – mas sem deixar outras doenças graves de fora, aumentando as desigualdades sociais, a morbilidade e a mortalidade. E num SNS fragilizado isso é tarefa difícil.

Esta crise chegou-nos numa altura em que gastávamos, na saúde, menos de metade da média da União Europeia per capita, numa diferença de 1297 euros para 2609 euros, em paridade de poder de compra.

Esta crise chegou-nos numa altura em que os médicos já faziam mais de 6 milhões de horas extraordinárias por ano e em que, mesmo assim, as pessoas a aguardar cirurgia tinham passado de perto de 192 mil, em 2016, para mais de 245 mil, em 2019, com 30% das consultas a serem feitas fora do prazo, mesmo em situações prioritárias ou muito prioritárias.

Esta crise chegou-nos quando as mãos não chegavam para tudo e quando poucos ouviam os nossos gritos de alerta. O SNS, apesar de debilitado, soube adaptar-se à pandemia, independentemente de falhas como a falta de equipamentos de proteção individual adequados para proteger a vida dos doentes, evitando que quem cuida deles adoeça.


Miguel Guimarães


Mas ficou à vista de todos que o grande ventilador do nosso SNS e do país são, como sempre foram, os médicos, os enfermeiros, os farmacêuticos, os assistentes operacionais, os técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, os secretários clínicos, entre muitos outros profissionais de saúde. São eles que têm estado na linha da frente – mesmo estando há várias semanas longe de casa para protegerem as famílias.

Este esforço está a permitir responder aos nossos doentes em condições extraordinariamente difíceis. Mas o foco político na covid-19 e o facto de não se ter seguido a recomendação da Ordem dos Médicos de ter hospitais e/ou áreas bem definidas dedicados à pandemia também trouxe outros problemas.

Muitos cidadãos com doenças graves ou urgentes, que não deviam ver a sua ida à urgência adiada, ou os exames, consultas e cirurgias desmarcados, não estão, em muitos casos, a ter a resposta adequada. Ninguém pode ficar para trás. É urgente criar uma task-force para preparar o sistema para continuar a responder-lhes, é preciso ter uma visão global e integrada que não ignore o setor privado e social.

Precisamos de todos. O Milagre de Portugal nesta pandemia são e vão continuar a ser os profissionais de saúde e todos aqueles que cuidam de nós, bombeiros, forças de segurança, autoridades judiciárias, militares, cuidadores...

Mas o Milagre de Portugal são também os portugueses, a sociedade civil, que souberam interpretar a gravidade da situação. Que souberam adaptar-se.



O artigo pode ser lido na edição de maio/junho 2020 do Hospital Público - jornal para profissionais de saúde, distribuído em serviços e departamentos de todas as unidades hospitalares do SNS. 
Partilhar projetos e boas práticas, ´aproximar` profissionais, valorizar equipas e o SNS.

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