Opinião

«Prevenção no VSR: um velho conhecido com novas soluções»


Bernardo Gomes

Médico de Saúde Pública



Sobejamente conhecido, o vírus sincicial respiratório (VSR) é um dos principais responsáveis pelas infeções do trato respiratório inferior em crianças nos primeiros anos de vida1,2, com apenas uma proporção reduzida de crianças com doença prévia entre as que necessitam de internamento, variável que incentiva a um pensamento populacional de abordagem preventiva.

Nos últimos anos, o interesse pelo impacto deste vírus no adulto tem ganho maior destaque: dados epidemiológicos recentes revelaram que a incidência de infeção por VSR pode chegar aos 7% em idosos saudáveis, e ascender aos 10% em adultos de alto risco3.

Sabe-se, também, que a partir dos 60 anos, para além da associação a infeções como a pneumonia, o VSR pode provocar a exacerbação e o descontrolo de doenças crónicas existentes4, com morbimortalidade recentemente revista em alta face a valores anteriores5.

Em Espanha, entre 2012 e 2020, a taxa de letalidade intra-hospitalar dos doentes com mais de 60 anos, com infeções diagnosticadas de VSR foi superior à dos internados com infeções por vírus influenza, em linha com resultados na Coreia do Sul, ainda que enviesados pela proporção elevada de vacinação e com algumas cautelas de interpretação6,7.

De acordo com os estudos previamente citados, a taxa de letalidade entre os internados por VSR aumenta de forma expressiva com a idade dos pacientes, confirmando a associação com probabilidade de doença grave. 


Bernardo Gomes

Sazonalidade e transmissão 

Apesar de circulação durante todo o ano, a maior parte dos casos de infeção por VSR tem agregação sazonal, com particular incidência entre o inverno e a primavera. Mais transmissível que o vírus influenza, com um número básico de reprodução8 em torno de três, com componente assintomático inclusive, o VSR pode pertencer a um de dois subgrupos, A ou B, e apresentar um período de incubação de até oito dias.

Dissemina-se através de gotículas ou do contacto com superfícies infetadas e pode sobreviver várias horas nas mãos ou em objetos contaminados. Espaços que envolvam as populações mais vulneráveis, crianças e idosos, são naturalmente locais de maior preocupação na transmissão.

Sintomas e doença associada

Os sintomas de infeção por VSR amiúde são sobreponíveis, pelo menos inicialmente, com outras infeções menos preocupantes do trato respiratório superior. No entanto, o tropismo pela árvore respiratória inferior, sobretudo em crianças com vias respiratórias de menor calibre e em indivíduos mais idosos, pode causar morbimortalidade considerável.

A imunidade não é perene, o que está associado a reinfeções ao longo da vida, embora com tendência de diminuição de gravidade até idades avançadas, em que o risco de complicações volta a ser superior, com maior probabilidade de ocorrência de pneumonias e descompensação de doenças crónicas9,10.

Formas de prevenção: do conhecido à novidade

Bastante semelhante à de vírus como o influenza, a prevenção da transmissão de VSR passa pela lavagem frequente das mãos, pela adoção de boas práticas de etiqueta respiratória, pela utilização de máscara e pela devida ventilação de espaços.

Para evitar complicações em crianças recém-nascidas pode recorrer-se a um novo anticorpo monoclonal, denominado de nirvesimab. Apesar da longa história do uso do palivizumab, a sua menor semi-vida não permite as mesmas vantagens populacionais e é de uso mais limitado. A possibilidade de vacinação inclui pessoas a partir dos 60 anos e, agora, mulheres grávidas entre as 24 e 36 semanas de gestação11, com o intuito de aproveitamento da transmissão vertical de imunidade.

O problema coloca-se atualmente nas decisões populacionais de que soluções adotar para a prevenção de doença. Para além das soluções descritas, existe um pipeline12 rico de abordagens farmacológicas do VSR, o que irá previsivelmente acrescentar complexidade e diversidade a decisões populacionais neste campo, ainda que, por competição, se prevejam custo-benefício e custo-utilidade mais favoráveis no médio prazo.

A recomendação do Center for Disease Control and Prevention é que se opte por uma de duas soluções:

a) imunização por nirvesimab, o anticorpo monoclonal, para todas as crianças com menos de oito meses, nascidos durante ou a entrar na primeira época de VSR, se a mãe grávida não recebeu uma vacina;
b) vacinação da grávida entre a 32ª e 36ª semana de gestação, se esse período for entre setembro e janeiro nos EUA13

Isto explica-se pela duração de imunidade conferida que, para fins de recomendações, se considera situar nos cinco meses, ainda que exista manutenção de títulos de anticorpos potencialmente protetores para além desse ponto temporal14.

A escolha entre um programa populacional baseado na vacina maternal e/ou na aplicação de um anticorpo depende de várias variáveis, que incluem necessariamente a efetividade, preço, acesso e condições logísticas de cada sistema de saúde15. Questões como a sazonalidade, a variação de épocas de VSR e a acumulação de novas soluções (com necessidades de avaliações comparativas de incremento) criam situações particularmente complexas de avaliação, nomeadamente a comparação entre intervenções e combinação de intervenções com carácter sazonal16,17.

Adicionalmente, a abrangência da população-alvo ditará variação do preço por unidade, o que influencia necessariamente a avaliação económica.

De acordo com a análise e recomendações18 do Joint Committee on Vaccination and Immunisation (JCVI), não é surpreendente que aplicações sazonais de uma das duas soluções (vacinação das grávidas ou anticorpo) tenham o melhor custo-efetividade.

No entanto, existem considerações não só de logística (que são difíceis de incluir em algumas avaliações) como também do ponto de vista de equidade que se podem colocar nestas considerações. O próprio JCVI expressa preferência por programas anuais por entender que facilitam a adesão à intervenção, seja ela através de vacina maternal ou anticorpo.

No que toca aos idosos, o JCVI, apesar de reconhecer o maior impacto na carga de doença em programas que abrangem indivíduos com mais de 65 anos, alega que o maior custo-efetividade é, de forma não surpreendente, em programas que abrangem indivíduos com mais de 75 anos. Adicionalmente, sabe-se que tanto o VSR como o vírus gripe provocam morbimortalidade significativa e que a sazonalidade destas infeções se sobrepõe. De acordo com estudos recentes, a coadministração destas vacinas é segura e pode trazer vantagens para a saúde pública19,20

Vigilância, comunicação e desafios

É expectável que venha a ser generalizada a adoção em vários países de programas sazonais/sazonais com recuperação de coorte/ anuais de vacina maternal e/ou anticorpo em crianças. A carga epidemiológica do VSR irá incentivar uma escolha de intervenção baseada na melhor evidência possível. No entanto, a ponderação das múltiplas possibilidades vai exigir mais em termos de monitorização e avaliação de resultados destas intervenções, enquanto é expectável a entrada de novas moléculas no mercado.

O sucesso da inovação traz estes desafios de avaliação e implementação, mas também exige eticamente novos esforços na comunicação por parte de instituições e profissionais de saúde. Problemas já existentes com a adoção de outras vacinas poder-se-ão agravar com a sugestão de novas possibilidades disponíveis para crianças, grávidas e idosos. A aposta no combate à hesitação vacinal deve ter um carácter perene e estrutural.

Medidas não farmacológicas como a ventilação adequada de espaços e o uso sazonal de máscaras têm efeitos transversais na transmissão de infeções respiratórias e, face ao investimento elevado em soluções de modulação imunológica, devem ser recordadas como basilares e menos dispendiosas.

A inovação na área da prevenção farmacológica da doença infeciosa tem no VSR um dos exemplos mais avassaladores da atualidade. Com o regozijo da existência de novas possibilidades, deveremos também relembrar as responsabilidades e necessidades de um sistema de saúde na prevenção de doença de forma abrangente, na monitorização e avaliação de intervenções assim como na plena capacitação das decisões sobre as mesmas.


Referências bibliográficas:

1 - Li, Y. et al. Global, regional, and national disease burden estimates of acute lower respiratory infections due to respiratory syncytial virus in children younger than 5 years in 2019: a systematic analysis. Lancet 399, 2047–2064 (2022).
2 - Bandeira et al. Burden and severity of children’s hospitalizations by respiratory syncytial virus in Portugal, 2015–2018; Influenza Other Respi Viruses. 2023;17:e13066. https://doi.org/10.1111/irv.13066.
3 - Falsey AR, Hennessey PA, Formica MA, Cox C, Walsh EE. Respiratory syncytial virus infection in elderly and high-risk adults. N Engl J Med. 2005 Apr 28;352(17):1749-59.
4 - Carvajal JJ, Avellaneda AM, Salazar-Ardiles C, Maya JE, Kalergis AM, Lay MK. Host components contributing to respiratory syncytial virus pathogenesis. Front Immunol. 2019;10:2152.
5 - Savic M, Penders Y, Shi T, Branche A, Pirçon JY. Respiratory syncytial virus disease burden in adults aged 60 years and older in high-income countries: A systematic literature review and meta-analysis. Influenza Other Respir Viruses. 2023;17(1):e13031. doi:10.1111/irv.13031
6 - Heppe-Montero, M.; Gil-Prieto, R.; del Diego Salas, J.; Hernández-Barrera, V.; Gil-de-Miguel, Á. Impact of Respiratory Syncytial Virus and Influenza Virus Infection in the Adult Population in Spain between 2012 and 2020. Int. J. Environ. Res. Public Health 2022, 19, 14680
7 - Kwon YS, Park SH, Kim MA, Kim HJ, Park JS, Lee MY, Lee CW, Dauti S, Choi WI. Risk of mortality associated with respiratory syncytial virus and influenza infection in adults. BMC Infect Dis. 2017 Dec 20;17(1):785. doi: 10.1186/s12879-017-2897-4. PMID: 29262784; PMCID: PMC5738863.
8 - Reis, J., & Shaman, J. (2018). Simulation of four respiratory viruses and inference of epidemiological parameters. Infectious Disease Modelling, 3, 23-34.
9- Borchers, A. T., Chang, C., Gershwin, M. E., & Gershwin, L. J. (2013). Respiratory syncytial virus—a comprehensive review. Clinical reviews in allergy & immunology, 45, 331-379.
10 - Carvajal JJ, Avellaneda AM, Salazar-Ardiles C, Maya JE, Kalergis AM, Lay MK. Host components contributing to respiratory syncytial virus pathogenesis. Front Immunol. 2019;10:2152.
11 - https://www.sns24.gov.pt/tema/doencas-infecciosas/virus-sincicial-respiratorio/#quais-os-sintomas-que-este-virus-provoca
12 - https://www.path.org/our-impact/resources/rsv-vaccine-and-mab-snapshot/
13 - https://www.cdc.gov/media/releases/2024/s0307-rsv-immunization.html?ACSTrackingID=USCDC_1_3-DM124170&ACSTrackingLabel=CDC%20Newsroom%3A%20Week%20In%20Review%20-%2003%2F08%2F2024&deliveryName=USCDC_1_3-DM124170
14 - Wilkins D, Yuan Y, Chang Y, Aksyuk AA, Núñez BS, Wählby-Hamrén U, Zhang T, Abram ME, Leach A, Villafana T, Esser MT. Durability of neutralizing RSV antibodies following nirsevimab administration and elicitation of the natural immune response to RSV infection in infants. Nat Med. 2023 May;29(5):1172-1179. doi: 10.1038/s41591-023-02316-5. Epub 2023 Apr 24. PMID: 37095249; PMCID: PMC10202809.

15 - Getaneh AM, Li X, Mao Z, Johannesen CK, Barbieri E, van Summeren J, Wang X, Tong S, Baraldi E, Phijffer E, Rizzo C, van Wijhe M, Heikkinen T, Bont L, Willem L, Jit M, Beutels P, Bilcke J; for Respiratory Syncytial Virus Consortium in Europe (RESCEU) investigators. Cost-effectiveness of monoclonal antibody and maternal immunization against respiratory syncytial virus (RSV) in infants: Evaluation for six European countries. Vaccine. 2023 Feb 24;41(9):1623-1631. doi: 10.1016/j.vaccine.2023.01.058. Epub 2023 Feb 1. PMID: 36737318.
16 - Li, X., Bilcke, J., & Beutels, P. (2024). Pricey or priceless: cost-effectiveness of respiratory syncytial virus (RSV) prevention in infants. The Lancet Regional Health–Americas, 29.
17 - Hodgson, D., Wilkins, N., van Leeuwen, E., Watson, C. H., Crofts, J., Flasche, S., ... & Atkins, K. E. (2024). Protecting infants against RSV disease: an impact and cost-effectiveness comparison of long-acting monoclonal antibodies and maternal vaccination. The Lancet Regional Health–Europe.
18 - https://www.gov.uk/government/publications/rsv-immunisation-programme-jcvi-advice-7-june-2023/respiratory-syncytial-virus-rsv-immunisation-programme-for-infants-and-older-adults-jcvi-full-statement-11-september-2023#programme-to-protect-neonates-and-infants
19 - Widagdo W, Bastian AR, Jastorff AM, et al. Concomitant administration of Ad26.RSV.pref/RSV pref Protein vaccine and high-dose influenza vaccine in adults 65 years and older: a noninferiority trial. J Infect Dis. 2023;jiad594. doi:10.1093/infdis/jiad594

20 - Chandler R, Montenegro N, Llorach C, et al. Immunogenicity, reactogenicity, and safety of ASO1E-adjuvanted RSV prefusion F protein-based candidate vaccine (RSVPreF3 OA) when co-administered with a seasonal quadrivalent influenza vaccine in older adults: results of a phase 3, open-label, randomized controlled trial. Clin Infect Dis. Published online January 8, 2024. doi:10.1093/cid/ciad786

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