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«Durante a covid-19 fomos também o elo de ligação entre família e doentes»


Leonor Costa

Auxiliar de Ação Médica, Serviço de Internamento 4.3 do Hospital Beatriz Ângelo

Vanda Monteiro

Auxiliar de Ação Médica, Serviço de Internamento 4.3 do Hospital Beatriz Ângelo



Dia 16-03-2020. Este é um dia que vai ficar para sempre na memória da equipa de auxiliares de ação médica (AAM) do Serviço de Internamento 4.3 do HBA. Era internado no Serviço o primeiro caso suspeito de covid-19.

Desde esse dia, foram inúmeras as alterações na dinâmica de trabalho experienciadas por esta equipa e foram também inúmeras as mudanças que trouxe para a relação com os doentes, entre pares e dentro da equipa multidisciplinar, não esquecendo as relações familiares.

Muitas mudanças, porque estávamos sempre na linha da frente

Para a chegada deste dia, a organização do espaço físico teve que ser revista, de forma a assegurar zonas bem definidas, como circuito limpo ou sujo, e a circulação dentro de cada um destes espaços passou a obedecer a regras apertadas e bem definidas, cujo cumprimento era rigorosamente respeitado.

Relativamente à organização do trabalho diário, a presença deste inimigo invisível e ainda pouco conhecido obrigou a rever vários aspetos.

Desde as coisas mais simples, como a impossibilidade de utilização do fardamento habitual, passando a utilizar-se fardamento fornecido pela instituição, que tinha que ser trocado sempre que se saía de zona suja, depois de tomar um banho completo. Este ritual era cumprido em vários momentos ao longo de cada turno.

Ainda que habituados a utilizar diversos EPI em diferentes tipos de isolamento, passámos a utilizar mais EPI, conferindo um elevado grau de proteção, que, além de desconfortáveis e limitadores dos movimentos, eram ainda uma barreira para o contacto com os doentes.

Muitos foram os aspetos que mudaram e obrigaram a equipa a adaptar-se para responder a este período de grande criticidade. Podemos salientar:

- Fardamento de uso único;
- Utilização de EPI de acordo com o risco de exposição;
- Circuitos limpo/sujo;
- Equipas de trabalho em espelho;
- Portas dos quartos sempre fechadas, deixando os doentes de poder sair dos respetivos quartos;
- Entregas à porta do serviço;
- O transporte de doentes para exames com logística complexa;
- Reforço da equipa de AAM;
- Contagem da roupa – fardas e toalhas;
- Adaptados espaços para banho dos profissionais e para fardamento;
- Sala de tratamentos usada para colocação de EPI;
- Higienização de socas e viseiras;
- Refeições realizadas sempre fora do Serviço.

Servimos também de elo de ligação entre família e doentes

Para além da reorganização do espaço físico do Serviço, também foi necessária a reorganização dos métodos de trabalho e até mesmo da mentalidade de grupo.

Manter qualidade e humanidade nos cuidados prestados foi uma preocupação, as dificuldades de comunicação foram muitas vezes superadas com recurso à comunicação não-verbal e à utilização de gestos motivacionais e de validação da informação transmitida.

Muitas vezes, servimos também de elo de ligação entre família e doentes, fosse através dos contactos telefónicos ou recebendo artigos entregues no Serviço para os doentes. Sempre que possível a presença de um familiar junto do doente, mantínhamos uma presença disponível e prestando todo o apoio necessário para que utilizassem os EPI de forma correta.


Leonor Costa e Vanda Monteiro

Como se sentiram os elementos da equipa?

Impotentes, muito cansados no final de cada turno; muitas vezes com fome, mas sem poder sair da zona suja; com calor e grande desconforto quando se utilizam EPI, sobretudo para contactos de alto risco; muitas vezes com medo, medo de estar e medo ao regressar a casa; ansiedade; tristeza por si próprios e pelos seus doentes e... revolta pelos incumprimentos de tantos.


O que nos trouxe este inimigo nosso e inimigo público? Inúmeras perdas, sem dúvida... Tivemos férias canceladas, limitação da vida familiar, isolamento social, desgaste físico e emocional, diminuição de rendimentos na família, medo de contrair ou de ser portador/transmissor da doença.

Mas também nos deu a conhecer algo diferente em nós e nos permitiu evoluir...

Aquisição de conhecimentos na gestão de pandemias, desenvolvimento da comunicação, união entre pares e interdisciplinar, auxiliares de ação médica como verdadeira linha da frente e crescimento pessoal.

Percebemos que realmente os olhos podem ser o espelho da alma e com eles podemos proporcionar conforto ou libertar um sorriso. Percebemos a importância do trabalho em equipa.

O sentimento de união que resultou deste período cresceu do respeito e admiração pelo outro, pelos seus medos e limitações e pela sua entrega.

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