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Opinião

Zelar pela saúde dos profissionais: A importância da prevenção quinquenária


Cátia Gabriel

Médica interna da especialidade de Medicina Geral e Familiar na USF Locomotiva (Entroncamento)



Ao longo da sua carreira, qualquer médico contacta com vários níveis de prevenção. A prevenção primordial pretende estabelecer estilos de vida saudáveis mediante medidas políticas e programas de promoção de saúde na população ou em determinados grupos de risco.

A prevenção primária visa minorar fatores de risco que permitam o surgimento de doença, tanto a nível individual como a grupos selecionados ou a população geral (por exemplo o Programa Nacional de Vacinação).

A prevenção secundária consiste na deteção precoce de problemas de saúde em indivíduos assintomáticos, como é o caso dos rastreios oncológicos.

A prevenção terciária visa limitar a progressão da doença, evitar ou reduzir as suas complicações e promover a adaptação do doente às consequências inevitáveis decorrentes dessa mesma patologia, e por fim, prevenir a sua recorrência.

A prevenção quaternária tem como objetivo o controle do excesso de intervencionismo médico e suas consequências, identificando os indivíduos em risco de sobretratamento, reduzindo o excesso de meios complementares de diagnóstico, capacitando e envolvendo o utente na otimização do seu tratamento e aconselhando quanto à relação de risco-benefício de um consumo inadequado de fármacos.

Todos estes níveis de prevenção são implicados nas decisões clínicas sobre o utente e sobre a relação médico-doente, parecendo partir do princípio de que o médico é um alicerce estável na prática contínua dos princípios éticos que regem a profissão, com a melhor evidência científica.

Mas e se o médico falhar em cumprir este papel fundamental? Quem zela pela saúde dos profissionais de saúde de forma a prevenir o erro médico?


Cátia Gabriel

Conceito de Prevenção Quinquenária

Este conceito surgiu recentemente em Portugal, mais concretamente no ano de 2014, através de um artigo publicado na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, pelo Dr. José Agostinho Santos intitulado “Prevenção quinquenária: prevenir o dano para o paciente, atuando no médico” (1).

Este nível de prevenção coloca a qualidade de vida e de trabalho dos profissionais de saúde na perspetiva dos cuidados prestados ao utente. A sobrecarga da atividade médica devida ao número crescente de utentes e unidades ponderadas por lista, com consequente diminuição do tempo de consulta e trabalho em horas extraordinárias (geralmente não remuneradas), pode até ser considerado como rentável para as instituições, como indicador de maior acessibilidade dos utentes aos serviços de saúde.

No entanto, a qualidade dos cuidados prestados e a sua repercussão no estado de saúde dos utentes ficam para segundo plano.


Cátia Gabriel (à direita) com a sua orientadora na USF Locomotiva, Dora Tropotel

Estudos sobre burnout nos profissionais de saúde

Neste âmbito, têm surgido alguns estudos relacionados com o burnout nos prestadores de serviços de saúde, como por exemplo: “Burnout em Profissionais de Saúde Portugueses: Uma análise a Nível Nacional”, publicado na Acta Medica Portuguesa em 2016 (2).

Este artigo define burnout como uma “síndrome psicológica, caracterizada por elevada exaustão emocional, elevada despersonalização e baixa realização profissional, que conduz à erosão dos valores pessoais, profissionais e de saúde” e concluiu que a má qualidade das condições de trabalho foi o melhor preditor de burnout.

A melhoria das condições de trabalho e o incentivo à formação dos profissionais parecem permitir o seu bem-estar pessoal, tal como a qualidade do serviço prestado aos utentes.

Um outro estudo coordenado pela Unidade de Investigação em Epidemiologia do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e publicado na revista “Occupational Medicine”: “The effect of profession on burnout in hospital staff” estuda a síndrome de burnout, estendendo-a a todos os profissionais de saúde: médicos, enfermeiros e administrativos técnicos (3)


Conflitos, cansaço e fadiga, exaustão emocional, sobrecarga de trabalho, insegurança e ansiedade, dificuldades de conciliação entre o trabalho e as atividades do quotidiano, a desvalorização profissional e falta de reconhecimento no trabalho, falta de autonomia e controlo, problemas de relacionamento, falta de cooperação no trabalho em equipa, stress, insatisfação, baixa autoestima e falta de capacitação profissional, foram os fatores mais encontrados, nesta ordem de relevância.


Alguns elementos da equipa da USF Locomotiva (administrativas, enfermeiros e médicas) durante um período de pausa de 10 minutos para realizar alguns exercícios e alongamentos no corredor da unidade

Estratégias e importância da Prevenção Quinquenária

A prevenção quinquenária pretende promover a motivação dos profissionais de saúde maximizando o raciocínio clínico, a comunicação eficaz e atitudes médicas mais assertivas para redução do erro médico, atuando na proteção do utente e também na melhoria do bem-estar do prestador de serviços de saúde. O profissional de saúde é, acima de tudo, um ser humano com papel de cuidador.

As principais estratégias promovidas por este nível de prevenção, segundo o Dr. José Agostinho Santos, passam pela intervenção na esfera biopsicossocial dos profissionais; na comunidade; no local de trabalho e por parte do Governo/Administração.  Tendo por base estas estratégias pretendo refletir e convidar todos os leitores que são cuidadores e profissionais de saúde a parar por uns minutos, e pensar em si.

É importante capacitar os cuidadores para poderem cuidar de si próprios, antes de cuidarem de outros. Quantas vezes descuidamos as nossas necessidades básicas para cumprir os tempos que nos são exigidos?

A educação da comunidade para a utilização adequada dos cuidados de saúde é também imprescindível. Uma população esclarecida compreenderá que tem deveres, para além de direitos, e poderá enfrentar cada decisão clínica com responsabilidade partilhada. O utente não deverá ser envolvido nas decisões que o concernem?

É importante criar medidas promotoras
do espírito de equipa no local de trabalho


As condições no local de trabalho para o exercício digno de funções deveriam ser transversais a todas as instituições de saúde (recursos humanos, equipamentos, sistemas informáticos adequados, protocolos de referenciação e de atuação clínica).

Na minha opinião é importante criar medidas promotoras do espírito de equipa no local de trabalho, tais como a realização de pausas para convívio, ou até mesmo, para prática de exercício físico; comemoração de datas importantes, quer para a Unidade quer para a comunidade em que esta se insira; partilha de casos clínicos e de experiências entre todos os profissionais.  Que profissional de saúde não se sente bem ao ver-se apoiado e compreendido pelos outros colegas?



Por fim, o desenvolvimento de estratégias por parte das Administrações e do Governo enquanto entidade empregadora. A meu ver, e como interna de Medicina Geral e Familiar, este ponto deveria contemplar a redução de número de utentes por lista dos médicos de família, aumentar o tempo de consultas, desburocratizar a atividade diária e incluir o pagamento de horas extraordinárias.

Não deveríamos ser mais unidos na luta por estes direitos fundamentais? Por nós e pelos nossos utentes?

Como poderemos cuidar bem dos nossos utentes se continuamos a banalizar estes problemas e a descurar a prevenção quinquenária? Zelemos, por favor, pela nossa saúde, tão bem quanto nos esforçamos por zelar pela dos outros.


Bibliografia:

1. http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpmgf/v30n3/v30n3a03.pdf
2. http://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/5081
3. https://academic.oup.com/occmed/article/68/3/207/4931157?searchresult=1  




Jornal Médico dos cuidados de saúde primários - publicação para profissionais, distribuída todos os meses em todas as unidades de cuidados de saúde primários do SNS. 

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