«É muito difícil prestarmos os devidos cuidados nutricionais aos doentes internados»

O cumprimento do rácio adequado de nutricionistas, acompanhado pela especialização da profissão, permitiria atender às necessidades particulares da população de forma mais célere, afirma a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, nesta entrevista à Just News.


Alexandra Bento

Alexandra Bento tem vindo a alertar para a necessidade de integração de um maior número de nutricionistas no SNS, a fim de aproximar o atual rácio de 1 profissional por 90 camas do valor definido pela Ordem dos Nutricionistas em fevereiro deste ano: 1 por 40. Avaliando a sua distribuição em termos geográficos, as regiões Norte, Centro e de Lisboa e Vale do Tejo são as que apresentam uma maior carência, com rácios de 1 por 99, 1 por 89 e 1 por 87, respetivamente, segundo dados de novembro de 2022 avançados pela Ordem.

“É muito difícil prestarmos os devidos cuidados nutricionais aos doentes internados com um rácio de nutricionistas que está muito distante daquilo que é desejável, quando ainda temos outras atividades”, aponta.

Como explica, “além da gestão da alimentação hospitalar, que serve não só o princípio de sustento, mas também o terapêutico – ao nutrir adequadamente o indivíduo face à doença que motivou a sua hospitalização –, é preciso realizar uma intervenção nutricional individualizada em muitos doentes internados”.

Ora, isso implica “proceder à avaliação do seu estado nutricional, estabelecer o diagnóstico, fazer a prescrição nutricional e a respetiva monitorização”. Mas também “seguir os doentes em consulta, fazer domicílios, investigar e dedicar tempo à autoformação e à formação dos mais novos, pelo que só com muita dedicação e alguma exaustão é que os colegas conseguem perpetuar a sua atividade”.



A bastonária da Ordem dos Nutricionistas reconhece a importância de algumas medidas que têm vindo a ser tomadas, como a que tornou obrigatório, a partir de 2018, o rastreio do estado nutricional dos doentes à entrada do hospital, permitindo “uma rápida intervenção com o suporte nutricional adequado, seja através de alterações na alimentação ou da introdução de nutrição entérica ou parentérica”.


No entanto, salienta que “o elevado número de indivíduos identificados com risco nutricional, que devem ser sinalizados para o Serviço de Nutrição, gera um volume de trabalho imenso, notando-se mais a falta de profissionais”.

Na sua opinião, esta carência em nada se deve à falta de nutricionistas qualificados. Para além de que “todos reconhecemos o valor do SNS em termos de organização e de prestação de cuidados de saúde, pelo que não seria difícil cativar aqueles que trabalham noutros setores de atividade, seja na hospitalização privada, em empresas de prestação de serviços de saúde ou de restauração coletiva, ou em clubes desportivos, por exemplo, a abraçar o projeto.”

Medicina Interna e Endocrinologia: "Os que mais pedem apoio"

De referir que, na sequência do protocolo celebrado recentemente entre a Ordem e a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, uma das primeiras ações a tomar será fazer o levantamento dos nutricionistas que exercem em instituições hospitalares privadas, aferir da existência ou não de um Serviço de Nutrição, verificando a forma como se faz a articulação com as administrações, e apurar como se processa a identificação dos doentes em risco nutricional aquando da admissão hospitalar”.

Além dos serviços de Medicina Interna e de Endocrinologia, que “serão dos que mais solicitam o apoio a este nível, pela diversidade de patologias com que lidam, muitas das quais se relacionam com erros alimentares cometidos ao longo da vida, com a necessidade de adequação nutricional à doença”, Alexandra Bento realça que muitas outras áreas ativam esta colaboração – como a Nefrologia, a Pediatria, a Cirurgia ou a Gastrenterologia –, “resultante da necessidade de prescrição nutricional”.

Neste âmbito, realça a importância de os serviços de Nutrição serem compostos por um leque de elementos cujo percurso académico e profissional tenha sido trilhado em virtude da apetência e empenho para determinada área.

“É natural e desejável que vão trilhando o seu caminho de acordo com os seus gostos, sendo que, para conjugar essa especialização com as necessidades do Serviço, existe a figura do diretor, que determina como deve alocar os seus recursos”, refere a nossa entrevistada. Esse corresponde a um dos seus desejos para o futuro da profissão:

“Gostaria que evoluíssemos para um número suficiente de nutricionistas e de nutricionistas especialistas, que permitisse oferecer uma resposta atempada e de excelência.”



Nutricionistas no Serviço de Urgência seria “muito interessante”

Alexandra Bento acredita que “já ficou para trás o tempo das dúvidas quanto à necessidade e à importância da atuação dos nutricionistas em ambiente hospitalar”, atrevendo-se a afirmar que “todos os conselhos de administração, bem como os diretores dos serviços, quereriam dispor de um maior número destes profissionais”.

Sublinha o facto de “as equipas de saúde deverem ser diversas” e realça o papel do nutricionista “no seio das mesmas, desempenhando todas as funções relacionadas com a alimentação e a nutrição”.

Entende, inclusivamente, que a sua integração no Serviço de Urgência seria “muito interessante”, no entanto, reconhece que “é necessário respeitar uma hierarquia em termos de necessidades e prioridades, para um eficiente aproveitamento dos recursos”. Caberá assim aos diretores de Nutrição, em articulação com os CA, “fazer a alocação destes elementos às várias áreas, mas também procurar contrariar a sua insuficiência, construindo serviços mais robustos”.


Investir na relação com o psiquiatra e o psicólogo

O trabalho de grupo, em articulação com a equipa multidisciplinar, é considerado essencial por Alexandra Bento, não se limitando sequer à interação com as equipas médicas e de enfermagem:

“Consoante as áreas, é natural que o colega que trabalha a vertente do comportamento alimentar se relacione mais com o psiquiatra e o psicólogo, ao passo que quem se dedica ao doente crítico estabeleça um maior contacto com o intensivista e o enfermeiro, devido à possível necessidade de nutrição parentérica.”

“Já no caso da Medicina Interna, em que se pode lidar com doentes de uma faixa etária mais elevada, deve existir necessariamente uma ligação mais estreita com o assistente social, para assegurar a existência de retaguarda familiar ou o encaminhamento para uma instituição, de forma a garantir que a dieta da alta que o nutricionista prescreveu seja efetiva”.

Esta dinâmica colaborativa é algo que diz ser inerente à formação académica e profissional do nutricionista: “Foi assim que fomos formados e não temos dúvidas de que para se alcançarem melhores resultados é preciso haver uma articulação entre os elementos da equipa, pois só dessa forma conseguiremos atingir o objetivo comum de restabelecer o melhor possível a saúde do doente.”




A entrevista completa pode ser lida na última edição do jornal Hospital Público.

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