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A alimentação nos primeiros 1000 dias de vida: «O objetivo é capacitar a comunidade científica»

"A promoção de um estilo de vida saudável é a primeira linha de tratamento da maior parte das doenças crónicas não transmissíveis", sublinha Maria Ana Kadosh, uma das três docentes da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) que, juntamente com Sara Madeira e Joana Sousa, estão a dirigir o curso "Estilo de Vida Saudável nos Primeiros 1000 dias de Vida – Formação em 1000 minutos", que se realiza esta semana.

O objetivo é "capacitar a comunidade científica para a promoção de hábitos que contribuam para gerações futuras mais saudáveis" e, dessa forma, o curso está aberto a médicos, enfermeiros, nutricionistas, estudantes de pré e de pós-graduação e outros profissionais de saúde com interesse na área. 


Maria Ana Kadosh, Joana Sousa e Sara Madeira

"Tudo aquilo que comemos desde in utero tem um efeito de programação metabólica"

Em entrevista à Just News, Maria Ana Kadosh, médica interna do 3.º ano da especialidade de Medicina Geral e Familiar na USF Valflores e doutorada em Nutrição pela FMUL, entende que, “perante um diagnóstico de patologias como doença cardiovascular, diabetes, obesidade ou dislipidemia, é preciso, em primeiro lugar, promover os hábitos alimentares saudáveis e uma vida ativa”.

A futura médica de família evidencia que “a diminuição de peso tem impacto na melhoria do controlo metabólico, da tensão arterial, da glicemia, do colesterol sérico, da saúde mental e da sensação de bem-estar”.

E acrescenta que, “mais importante do que olhar para um nutriente de forma isolada e promover o seu consumo, importa promover padrões alimentares saudáveis, dos quais se destaca a dieta mediterrânica, um modelo alimentar de referência a nível mundial, caracterizado por um consumo abundante de alimentos de origem vegetal, como os hortícolas, os cereais integrais, os frutos oleaginosos, a fruta fresca e as leguminosas, a utilização de azeite como principal fonte de gordura, a ingestão moderada de peixe, carnes brancas, ovos e produtos lácteos magros, e o consumo esporádico de carnes vermelhas e de produtos açucarados”.

Com a abertura, em 2018, da licenciatura em Ciências da Nutrição na FMUL, Maria Ana Kadosh foi convidada a fazer parte do corpo docente e, simultaneamente, passou a integrar projetos de investigação liderados pelo Laboratório de Nutrição da instituição. Nesse âmbito, acabou por se dedicar à investigação na área dos primeiros mil dias de vida, “desde a gravidez, passando pela amamentação e diversificação alimentar, até aos dois primeiros anos de vida da criança”, uma vez que desde 2009 se dedica à investigação na área da saúde maternoinfantil, tendo colaborado em diversos projetos nacionais e  internacionais nesta área.



Maria Ana Kadosh evidencia ainda que “tudo aquilo que comemos desde in utero tem um efeito de programação metabólica, ou seja, determina o desenvolvimento, o metabolismo e a saúde de cada indivíduo na idade adulta”. De facto, a profissional nota que “tudo aquilo que a mãe come durante a gravidez vai determinar as preferências alimentares do bebé”.

E explica: “Através da deglutição do líquido amniótico, o feto desenvolve as suas capacidades sensoriais, olfativas e gustativas, com base nos sabores e odores da alimentação materna. Estas experiências sensoriais precoces contribuem para uma melhor aceitação da introdução dos primeiros alimentos durante o período da diversificação alimentar e facilita a experimentação de novos alimentos mais tarde”.


Incidir sobre hábitos de vida que possam criar gerações saudáveis

No seguimento da publicação de uma coleção de cinco livros sobre ciência alimentar, em maio, um projeto conjunto do Laboratório de Nutrição da FMUL e da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que Maria Ana Kadosh foi autora de um desses livros, abordando precisamente a alimentação e a nutrição nos primeiros 1000 dias de vida, surgiu a ideia de organizar um curso sobre a área, que se estendesse ao estilo de vida saudável.

Como explica, “pretendemos capacitar todos os profissionais de saúde que trabalhem com grávidas, lactantes e crianças para a promoção de um estilo de vida que contribua para gerações futuras mais saudáveis”.



“Qualquer 
especialidade deve ter interesse na Medicina do Estilo de Vida (MEV)”

Sara Madeira é atualmente especialista de MGF na UCSP Azeitão, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina do Estilo de Vida (SPMEV ) desde 2021 e professora auxiliar da Clínica Universitária de MGF da FMUL. Autointitulando-se como “uma curiosa da Nutrição”, explica que a sua dedicação ao tema surgiu de um interesse mais abrangente, pelo estilo de vida e o “seu papel na prevenção, no tratamento e até na reversão de doenças crónicas não transmissíveis”.

O facto de sofrer de asma levou-a a ter “um carinho especial pela área do exercício, manifestado clinicamente como ferramenta terapêutica”. No seu dia-a-dia, adianta ser frequente sensibilizar os doentes para a importância do exercício físico, pois, “apesar de atualmente haver uma panóplia de medicamentos muito bons que tratam as mais diversas doenças, a prática de exercício semanal vai não só tratar as patologias dos doentes como protegê-los de outras e trazer-lhes mais qualidade de vida”.

Ao incidir o seu trabalho final de mestrado sobre o tabagismo, Sara Madeira começou depois a desenvolver algum trabalho na área da prevenção junto das crianças, pois, “considerando que 95% dos fumadores iniciam o consumo em idade pediátrica, se for possível evitar que a doença se instale ou intervir no seu início, melhor”.


Nesse sentido, além de realizar consultas de cessação tabágica e integrar a equipa da ARSLVT do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo  do Tabagismo da DGS, foi uma das fundadoras do grupo de trabalho para o controlo da exposição ao tabaco em idade pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria. No seguimento do internato em MGF, na USF Mactamã, em Massamá, a médica avançou para o doutoramento nas áreas do risco cardiovascular e da cronobiologia, que completou em 2022.

Na opinião de Sara Madeira, “qualquer especialidade deve ter interesse na Medicina do Estilo de Vida, no sentido em que cada uma aborda especificamente e de forma mais profunda cada uma das etapas de vida do indivíduo”.

E desenvolve que, “enquanto a Obstetrícia intervém mais na gravidez, a Pediatria acompanha a família desde o nascimento do bebé e a MGF acaba por estar presente em todo o percurso”. Além desta articulação na Medicina, a médica fala também numa “multidisciplinaridade entre médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e profissionais do exercício”.

E considera que “esta janela de oportunidade associada aos 1000 dias tem sido muito bem trabalhada pela Nutrição”, pois, “se faz sentido e deve ser expandida às outras áreas da Medicina do Estilo de Vida que a grávida coma de forma adequada, também é relevante que durma bem e se mantenha fisicamente ativa”.



A SPMEV surge, assim, como parceira deste curso, numa lógica de maior abrangência, tendo como pilares a alimentação, a saúde do sono, a atividade física, a limitação à exposição a substâncias nocivas, a gestão do stress e as relações sociais.

A médica denota que o intuito deste curso é “apoiar os profissionais de saúde que acompanham o indivíduo ao longo das várias fases, tendo a responsabilidade de transmitir-lhe uma mensagem de esperança e de empoderamento e impactar a próxima geração”.

“90% dos alunos de Medicina nunca ouviram falar em nutrição durante a sua formação básica”


Joana Sousa é especialista em Nutrição Comunitária e Saúde Pública, com particular interesse nas vertentes Pediátrica e Comunitária. Doutorada em Saúde Pública, no ramo de Nutrição, é atualmente uma das docentes do Laboratório de Nutrição da FMUL – uma das unidades estruturais da instituição – e leciona na licenciatura em Ciências da Nutrição, no mestrado integrado em Medicina e em vários cursos de 2.º ciclo de formação avançada da FMUL.

O Centro de Nutrição Avançada (CNA), cujas instalações físicas se encontram no 4.º piso do Edifício Reynaldo dos Santos, foi criado com o objetivo de “destacar a missão do laboratório para além da analogia ‘a trabalho de bancada”’, centrando o seu papel na investigação, consultoria e abertura à comunidade nas suas várias vertentes”.

Com uma equipa de 10 nutricionistas, o CNA oferece “um espaço  físico com equipamento gold standard de avaliação do estado nutricional e de identificação das necessidades energéticas basais, que é muito raro em Portugal”.


A este primeiro eixo de atuação juntam-se dois outros – o CNA é um centro de prestação de serviços de saúde, registado na Entidade Reguladora da Saúde, que disponibiliza à comunidade em geral o serviço de Consulta de Nutrição dentro de um conjunto de 10 nutricionistas especializados em áreas de intervenção nutricional distintas; por outro lado, oferece consultadoria à comunidade, em função do potencial interesse do cliente, seja a nível formativo, através de workshops, por exemplo, ou de projetos de intervenção comunitária.

Neste espaço, existem, assim, três gabinetes de avaliação do estado nutricional, um gabinete de cálculo nutricional e um laboratório técnico alimentar, muito utilizado no âmbito da formação académica, principalmente na unidade curricular de Gastrotecnia.

“Aí, conseguimos que os alunos aprendam técnicas e formas de transformação dos alimentos e conheçam alternativas alimentares, que têm em conta também a sustentabilidade alimentar e a saúde planetária. Ao mesmo tempo, ficam a saber que estratégias gastronómicas e culinárias podem ser consideradas para fins de intervenção nutricional com efeito terapêutico (redução do aporte proteico da refeição ou alteração da sua consistência, entre outras)”, explica.


Sara Madeira, Maria Ana Kadosh e Joana Sousa

Sendo vários os profissionais do Laboratório de Nutrição com interesse na vertente pediátrica, “a organização de um curso centrado na intervenção ao nível dos primeiros mil dias de vida era algo já muito ansiado” e o facto de os workshops já se encontrarem esgotados é, para Joana Sousa, um indício de que “é realmente preciso formação prática de hands-on, que mostrem como é possível transpor esta matéria para o dia-a-dia clínico no contexto dos cuidados de saúde primários e hospitalares”. 

Joana Sousa será uma das palestrantes do Curso e irá desenvolver o tema “Alimentação e suplementação na grávida: qual a evidência?”, onde irá abordar as recomendações mais recentes sobre alimentação e suplementação durante a gravidez, capacitando os profissionais a “tomar decisões ajustadas no seu dia-a-dia, em termos de aconselhamento alimentar e suplementação”.

Joana Sousa avança que médicos, enfermeiros e nutricionistas correspondem às classes profissionais que mais têm procurado este curso e realça a escassez de formação na área da Nutrição aos profissionais de saúde de 1.ª linha, nomeadamente os médicos.

Partindo do exemplo da instituição onde trabalha, destaca que, “até à data, apenas existe uma unidade curricular optativa de Nutrição no 4.º ano do mestrado integrado em Medicina, e esta realidade é extensível à maior parte das faculdades de Medicina do país. Desta forma, mesmo que 10% dos alunos frequentem esta disciplina optativa, 90% nunca ouviram falar em nutrição durante a sua formação básica e chegam ao contexto clínico sem essa competência”.



Da gravidez aos primeiros dois anos de vida da criança

Organizado pelo Laboratório de Nutrição e do Centro de Nutrição Avançada da FMUL, em colaboração com a Sociedade Portuguesa de Medicina do Estilo de Vida, o Curso pretende formar os participantes com base na evidência científica atual das melhores práticas para a promoção de um estilo de vida saudável nos primeiros 1000 dias de vida, discutir hot-topics e desenvolver competências de boas práticas em mindfulness, alimentação e nutrição, sono e promoção da atividade física adaptadas a cada fase.


O primeiro dia será composto por diversas sessões teóricas dedicadas a várias temáticas relacionadas com a gravidez, a amamentação, o primeiro e o segundo ano de vida, e está aberto a 300 participantes. 

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