«A chegada de medicamentos inovadores permite revolucionar o tratamento da enxaqueca»
Para Filipe Palavra, que preside à Sociedade Portuguesa de Cefaleias (SPC) desde maio, está a viver-se um momento importante na história da terapêutica das cefaleias, nomeadamente da enxaqueca, com o surgimento de medicamentos capazes de atuar em mecanismos específicos da sua fisiopatologia.
Além da maior tolerabilidade e da redução substancial do número de dias com dor de cabeça sentidos pelos doentes, esta inovação terapêutica tem estimulado a atividade científica da SPC.
Filipe Palavra
Em entrevista à Just News, o médico recorda que, "após a introdução dos triptanos, na década de 90 do século XX, tivemos um largo período sem inovação terapêutica nas cefaleias", acrescentando:
"Felizmente, com as descobertas mais recentes relacionadas com alguns dos mecanismos fisiopatológicos da doença, estamos a assistir agora à entrada no mercado de um conjunto de medicamento inovadores, capazes de revolucionar o tratamento de uma doença que é muito frequente na nossa população e que se chama enxaqueca."
O neurologista realça que, pela falta de inovação terapêutica durante vários anos, a comunidade médica acabava por ter de recorrer a “fármacos que tinham outras indicações, como antidepressivos, anti-hipertensores e anticrises epiléticas, mas, em termos práticos, traziam também benefício na prevenção das crises de enxaqueca”.
Contudo, tais medicamentos “estavam associados à ocorrência de alguns efeitos adversos, pelo que a seleção do fármaco mais adequado tinha de ser feita em função dos potenciais efeitos que pudessem ter, considerando o perfil de cada doente".
A título de exemplo, refere que alguns dos efeitos adversos frequentes de certos fármacos anticrises epiléticas são dificuldades cognitivas ou sensação de formigueiro nas extremidades, o que “para muitas pessoas pode ser incapacitante”.
"Os efeitos secundários são menos significativos"
Com o surgimento de novos medicamentos desenhados especificamente para atuar em mecanismos agora conhecidos da fisiopatologia da enxaqueca, “a quantidade de dias por mês com dor de cabeça reduz-se de forma substancial e os efeitos secundários são menos significativos”.
Considera, por isso, que este “é um momento interessante da história da terapêutica das cefaleias, nomeadamente da enxaqueca”. Concretizando, refere tratar-se essencialmente de quatro anticorpos monoclonais de dispensação hospitalar obrigatória e dois fármacos orais já disponíveis nas farmácias de ambulatório para prevenção e tratamento agudo de crises, havendo mais medicamentos orais em desenvolvimento.
Salvaguarda que também a toxina botulínica tem vindo a ser utilizada, há alguns anos, no tratamento da enxaqueca crónica.
Filipe Palavra salienta como “esta inovação terapêutica fez rejuvenescer a SPC e impulsionar a sua atividade científica, com a afiliação de muitos internos e jovens especialistas e a apresentação de múltiplos trabalhos nos eventos científicos, ao longo dos últimos anos”.
O presidente da SPC realça como “a Neurologia tem mudado muito o seu paradigma de atuação em relação a doenças que eram intocáveis, intratáveis e muito dificilmente geríveis, graças à inovação terapêutica, o que faz dela, atualmente, uma das especialidades mais dinâmicas”.
“Dizer que a enxaqueca não existe na criança é falso”
Estimando-se que um milhão e meio de portugueses tenham enxaqueca, Filipe Palavra adianta que esta poderá atingir uma em cada cinco mulheres, um em cada 16 homens e uma em cada 11 crianças e adolescentes.
“Apesar de, muitas vezes, ser diagnosticada em idade adulta, a enxaqueca pode surgir mais cedo, sendo até mais frequente na criança e no adolescente do que no homem adulto, pelo que dizer que a enxaqueca não existe na criança é falso”, alerta.
O neurologista, que é também neuropediatra, admite ter de haver “mais diagnósticos diferenciais na idade pediátrica, porque há muitos aspetos emocionais e cognitivos da realidade escolar que têm de ser considerados”.
Na verdade, “as queixas de cefaleia podem relacionar-se com uma dislexia ou perturbações da escrita, fala e linguagem, sendo a dor de cabeça a manifestação visível dessa situação”.
Por esse motivo, “recorremos com alguma frequência à ajuda de outros técnicos, como psicólogos e terapeutas da fala, para facilitar o desafiante e difícil processo de diagnóstico”. O médico adianta existirem “alguns equivalentes migranosos de manifestação muito precoce, como a síndrome de vómitos cíclicos, o torcicolo e a vertigem paroxísticos e alguns quadros de dor abdominal recorrente, que fazem prever que mais tarde poderá haver um diagnóstico de enxaqueca”.
"A maioria das pessoas com diagnóstico de enxaqueca está nos Cuidados de Saúde Primários"
Contudo, reconhece que “a falta de sensibilização dos profissionais de saúde para o facto de tais episódios poderem ser manifestações equiparadas a crises de enxaqueca pode atrasar o diagnóstico”.
Para contrariar essa dificuldade, “a SPC tem apostado na realização de formações dirigidas à MGF, para que os médicos de família possam reconhecer, diagnosticar e fazer uma gestão adequada da doença, uma vez que a maioria das pessoas com diagnóstico de enxaqueca está nos Cuidados de Saúde Primários”..jpg)
A entrevista completa pode ser lida na edição de setembro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados.


