«A cirurgia oncológica é, por natureza, uma especialidade que exige integração»

O cirurgião Rui Maio garante que, “hoje em dia, não se pode tratar a doença oncológica sem ser num ambiente multidisciplinar”. Demonstrar isso mesmo tem sido, aliás, um dos grandes objetivos do Congresso Nacional de Cirurgia do Hospital da Luz, cuja 4.ª edição se realizou há dias em Lisboa.



Rui Maio foi muito claro quando afirmou, ao intervir na sessão de abertura do evento, que “vivemos numa era em que a complexidade da Oncologia já não permite soluções isoladas”. Dirigindo-se à assistência na qualidade de diretor clínico do Hospital da Luz Lisboa (HLL), mas também de presidente da Comissão Organizadora do evento, sublinhou que “o sucesso do tratamento dos nossos doentes depende, cada vez mais, da articulação entre diferentes especialidades, saberes e perspetivas”, frisando que a cirurgia oncológica, pela sua natureza, “exige integração”.

“Hoje, nenhum de nós trabalha sozinho. Precisamos da contribuição do radiologista, que nos mostra com detalhe a extensão da doença; do patologista, que confirma o diagnóstico e nos esclarece sobre a biologia tumoral; do oncologista e do radioterapeuta, que nos apresentam terapêuticas alternativas e/ou complementares; dos cuidados paliativos, que nos recordam a importância de cuidar para além de tratar; bem como dos cuidados inestimáveis da enfermagem”, afirmou.

Aquele responsável sabe bem do que fala porque coordena o Centro Oncológico Digestivo do Hospital da Luz Lisboa e, tal como referiu, entretanto, em declarações à Just News, “não se pode tratar a doença oncológica sem ser num ambiente multidisciplinar”.

Não admira, pois, que o próprio Congresso Nacional de Cirurgia do Hospital da Luz se centre na discussão multidisciplinar de casos clínicos. Para Rui Maio, “são esses momentos que melhor ilustram os dilemas reais da prática clínica e nos permitem aprender com as decisões conjuntas”. Até porque se discutem “as situações mais complexas, aquelas que a literatura muitas vezes não resolve e em que a experiência coletiva da equipa faz a diferença”.


Rui Maio, João Moreira Pinto (Oncologia, HLL) Francisco Mascarenhas (Radioncologia, HLL) Alexandre Ferreira (Gastrenterologia, HLL)

A enfermeira diretora do HLL, Anisabel Soares, também integrava a mesa de abertura do Congresso e acabou por reforçar as palavras de Rui Maio, deixando um conselho especialmente dirigido aos participantes mais jovens presentes no auditório:

“Nunca se esqueçam de que a multidisciplinaridade é fundamental para o trabalho que desenvolvemos com os doentes num hospital. Este modelo assistencial promove, de facto, uma abordagem integrada e centrada no doente. Ele tem que ser sempre o centro da nossa atenção e nós temos que garantir que todas as necessidades sejam atendidas de forma coordenada e eficiente.”


Anisabel Soares

Coube a Isabel Vaz, presidente do Conselho de Administração do HLL e CEO da Luz Saúde, encerrar a sessão, afirmando que, “atualmente, não há qualquer hipótese de a medicina mais complexa não ser feita em equipa, de forma inter e multidisciplinar”. E referiu a preocupação que houve, logo na fase de conceção do espaço interior do HLL, em criar locais destinados precisamente a permitir que, com todas as condições, médicos, enfermeiros e técnicos pudessem decidir em conjunto aquilo que fosse melhor para o doente.

Deixou ainda uma advertência especialmente dirigida aos internos e alunos presentes que a ouviam: “Para se conseguir praticar uma medicina de elite, verdadeiramente com bons resultados, não se pode escolher o caminho mais fácil, porque esse só conduz a médicos medianos fazendo medicina mediana.”


Isabel Vaz

A discussão multidisciplinar de todos os casos


Nota-se na voz de Rui Maio o seu entusiasmo quando descreve as condições da sala onde se realiza a reunião multidisciplinar semanal para discussão de casos clínicos do Centro Oncológico Digestivo do HLL. Reunião essa “que respeitamos religiosamente” e que acontece todas as quartas-feiras, com início pelas 14 horas.

“Trata-se de uma sala desenhada especificamente para esse fim, com três grandes ecrãs, o que permite, em simultâneo, consultar o processo clínico do doente e observar as imagens dos exames entretanto realizados, e com uma disposição do espaço físico que facilita a discussão. Para além de possuir todas as ferramentas tecnológicas que possibilitam, se for caso disso, a interação online com os nossos colegas da Luz Oeiras, da Luz Coimbra ou da Luz Arrábida”, esclarece Rui Maio.


Os números são bem reveladores da utilização que é dada a esta sala quando se verifica que nos últimos 9 anos foram discutidos em reunião multidisciplinar para cima de 23 mil casos de patologia oncológica, mais de seis mil dos quais do foro digestivo. “Começámos a fazê-lo de forma sistemática em 2016 e esse número tem vindo a subir de uma forma sustentada. São discutidos todos os doentes e pelo menos em duas ocasiões, antes e depois do tratamento”, explica o médico.


Rui Maio

Sendo a intervenção multidisciplinar nesta área um dado adquirido, torna-se relevante partilhar esta convicção de Rui Maio: “Quando o cirurgião se dedica a uma determinada patologia não pode ser um mero operador.” E defende haver uma marcada diferença entre uma coisa e outra: “Operador é aquele que ‘tira umas peças’. Cirurgião é o que compreende a doença que está a tratar!”

Nessa medida, “atualmente, o cirurgião tem que se dedicar especificamente a determinadas áreas, em relação às quais tem que ter o conhecimento suficiente para poder discutir o caso com o radiologista, o oncologista, o radioterapeuta ou o patologista. Tem que entender a doença porque a intervenção que vai ter é, obviamente, muitas vezes complementar da dos outros profissionais”.



Programa com especialistas de várias áreas

Compreende-se, portanto, que o programa do 4.º Congresso Nacional de Cirurgia do Hospital da Luz, inteiramente dedicado à patologia oncológica digestiva, tenha incluído internos e especialistas de Cirurgia Geral mas também de Oncologia, Radiologia, Anatomia Patológica e Gastrenterologia.

Foram vários os convidados estrangeiros que participaram como conferencistas: Florian Lordick, professor de Oncologia Médica na Universidade de Leipzig (Alemanha); Maria Bencivenga, do Departamento de Cirurgia da Universidade de Verona (Itália); Ioannis Rouvelas, professor de Cirurgia no Instituto Karolinska (Suécia); Thilo Hackert, cirurgião oncológico no Centro Médico Universitário Hamburg-Eppendorf (Alemanha); e Safi Dokmak, cirurgião no Hospital Beaujon (França).

Ao longo dos dias 12 e 13 de setembro, para além da discussão de casos clínicos, foram abordados no Congresso algumas das mais recentes inovações com impacto direto na prática clínica – a investigação translacional, as novas tecnologias cirúrgicas, os avanços em terapias dirigidas e imunoterapia, e a integração crescente da inteligência artificial.

“Importa lembrar que a inovação só ganha verdadeiro sentido quando chega à prática clínica e melhora resultados concretos”, sublinha o cirurgião geral Rui Maio, que, embora desempenhe o cargo de diretor clínico do HLL, mantém uma intensa atividade clínica, muito dedicada ao esófago, ao estômago e ao pâncreas.


Comissão Organizadora: João Correia, Constança Marques, Catarina Palma, Carlota Branco, Miguel Allen, Rui Maio e (ausentes na foto) José Reis e Rodrigo Oom

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