«A dor tem sempre uma componente de saúde mental»

“Muitos colegas desvalorizam uma dor física e não se preocupam em ajudar o doente porque acham que é algo psicológico, no sentido negativo. Mas a realidade é que a dor, e a dor crónica em especial, tem sempre uma parte psicológica”, começa por evidenciar Elsa Verdasca, presidente da ASTOR - Associação para o Desenvolvimento da Terapia da Dor, para logo de seguida apresentar alguns exemplos:

“Grande parte dos doentes com depressão acaba por desenvolver quadros de dor relacionados, por exemplo, com a diminuição da imunidade, como as infeções herpéticas e a consequente nevralgia pós-herpética, ou síndromes miofasciais relacionadas com contraturas e tensão muscular."

Acrescenta ainda que, por outro lado, "a situação mais frequente é a do doente cuja dor constante, que o limita na sua atividade, o destabiliza e o desanima, gera doença psicológica, como depressão, ansiedade ou insónia. Portanto, a somatização do stress psicológico existe num quadro de dor crónica.”


Elsa Verdasca

"A dor não é psicológica no sentido de inventada"

Em declarações à Just News, a anestesiologista do Centro Multidisciplinar de Dor Beatriz Craveiro Lopes, do Hospital Garcia de Orta, ULS de Almada-Seixal, avança, por isso, que “a dor não é psicológica no sentido de inventada, mas tem sempre uma componente de saúde mental”. Por esse motivo, “a abordagem adequada da SM é muito importante numa Unidade de Dor”.

A presidente da ASTOR destaca como o doente com dor crónica continua a ser alvo de estigmatização social: “Em termos familiares, o processo é desgastante, porque o doente está constantemente a verbalizar a sua dor. A nível profissional, este trabalhador está ligado ao absentismo laboral e à incapacidade de fazer as tarefas que normalmente fazia ou que deveria fazer, porque tem dor.”

No âmbito clínico, pelo menos, a médica alerta que “é importante haver empatia e, desde uma fase muito precoce, intervir ou encaminhar adequadamente o doente, para ajudá-lo
a lidar do ponto de vista psicológico com a sua dor e a capacitar-se para aplicar técnicas de coping e de relaxamento”.

Nesse sentido, foi previsto espaço, no decorrer do último Congresso ASTOR, para a discussão de tópicos como psicomotricidade, musicoterapia, mindfulness e terapia cognitivo-comportamental, “abordagens psicológicas que são essenciais para auxiliar o doente a lidar com as suas limitações de forma mais construtiva”. Na realidade, “não se pode tratar só vertente física, é preciso olhar para a parte psíquica também”.

Sendo “a Psicologia fundamental, não é muitas vezes suficiente para o doente fazer psicoterapia”. Efetivamente, “precisamos muito da Psiquiatria para controlo da medicação da depressão, ansiedade e distúrbios de personalidade, e também para nos ajudar a distinguir o doente que tem dor não controlada daquele que hiperboliza a sua dor ligeira ou moderada por ter uma personalidade histriónica”.

“A abordagem dos doentes com dor deve ser individualizada”
 
Para Elsa Verdasca, não é difícil justificar a escolha da temática central da última edição do Congresso ARTOR − Medicina à Medida. “A individualidade de cada um leva a que pessoas com a mesma situação clínica tenham traduções de dor diferentes. Adicionalmente, a abordagem dos doentes com dor deve ser individualizada. Como costumo dizer, ‘nós tratamos o doente e não a doença’”, refere.

Por isso, é “fundamental conhecer todos os meios disponíveis em termos de intervenção, para ajustá-los a cada doente e, assim, garantir que o plano terapêutico seja individualizado”.

Neste âmbito, salienta como desejável “haver centros multidisciplinares de dor, onde se concentrem várias valências no mesmo espaço físico, para que, entre todos, se possa adequar o tratamento ao doente. Evita-se assim que este percorra vários consultórios na tentativa de ser acompanhado em diversas áreas, como a psicoterapia, a musicoterapia ou a acupuntura, e corra o risco de se ‘perder’”.

A especialista em Anestesiologia nota que, ainda que não haja centros multidisciplinares de dor constituídos, é possível trabalhar de forma multidisciplinar:

“Muitos médicos de especialidades como MGF, Anestesiologia, Fisiatria e Neurocirurgia acabam por referenciar o doente para colegas da sua rede de contactos, favorecendo a realização de intervenções diversas. Eu fico muito contente quando as consultas de dor funcionam em interligação com outras especialidades e áreas.”

Elsa Verdasca lamenta que o ensino pré-graduado de Medicina não contemple ainda formação em dor. “A cadeira opcional de Anestesia é a única a abordar a dor. Ao longo
do curso, os alunos recebem uma formação fragmentada, sem uma linha condutora, porque a Ortopedia vai centrar-se nos anti-inflamatórios, a Oncologia nos opioides, a Fisiologia nos mecanismos da dor, a Farmacologia nos fármacos...”, observa.

Mesmo a nível do internato de especialidade, trata-se de uma área que não é transversal a todos. “Um estágio numa unidade de dor não é parte obrigatória dos internatos de MGF nem de Medicina Interna, por exemplo. O que tem acontecido é os colegas que sentem necessidade de dominar melhor os conceitos de dor procurarem estágios numa dessas unidades, para aprenderem a tratar melhor os seus doentes e até para criarem uma ligação com essa estrutura”, revela.

Só já no ensino pós-graduado é que existem diversos cursos de dor, que “contemplam sempre as componentes teórica e prática”.


A notícia completa pode ser lida na edição de abril do Jornal Médico.

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