«A gestão de um doente com multipatologia não é a soma da gestão de cada doença»
"O futuro deve passar pela centralização de cuidados no doente e não na doença", afirma Manuel Viana, médico de família na USF São João. Uma necessidade que considera ser cada vez mais premente, dado o contexto em que "temos cada vez mais doentes idosos e que apresentam múltiplas patologias crónicas complexas”.
Nesse sentido, o médico, que tem a competência em Geriatria atribuída pela Ordem dos Médicos, adverte que “a gestão de um doente com multipatologia não é a soma da gestão de cada doença per si", desde logo, porque "há interações medicamentosas e interferências das várias patologias e de alguns dos seus tratamentos nas terapêuticas de outras”.
Ou seja, a realidade leva a que “a gestão do doente crónico complexo deva ser integrada com as várias especialidades hospitalares”.
Dificuldades na "gestão integrada do doente"
De acordo com Manuel Viana, este entendimento tem vindo a refletir-se de uma forma transversal no programa das várias edições das Jornadas Multidisciplinares de Medicina Geral e Familiar (MGF), evento a que preside e que se realiza no próximo mês.
Conforme explica, para as diversas mesas desta reunião “são convidados, simultaneamente, médicos de MGF e colegas dos hospitais, com vista a quebrar distâncias e criar canais de comunicação entre as duas áreas”.
Apesar dos esforços no sentido de aproximar as duas estruturas, o médico de família da USF São João, no Porto, alerta que “ainda há uma organização de cuidados por patologias e serviços, o que dificulta a gestão integrada do doente”.
Considerando que a falta de comunicação é a principal barreira, o médico adianta mesmo que, “por vezes, para tirar uma simples dúvida relativa a um doente que é seguido nos dois níveis de cuidados, a opção passa por encaminhá-lo para o Serviço de Urgência”.
Se é verdade que as novas tecnologias poderiam vir ajudar a ultrapassar estas dificuldades, Manuel Viana reconhece que tal “implicaria alterar a organização dos serviços para se criarem novas modalidades de prestação de cuidados, obrigando a um investimento em mais profissionais de saúde e à modificação de modelos organizativos já estabelecidos e enraizados”.
Manuel Viana
Demência: a prevenção implica a "mudança de atitudes e comportamentos"
A demência é uma das doenças crónicas mais prevalentes nos idosos, sendo um dos temas em discussão numa mesa-redonda das IV Jornadas Multidisciplinares de MGF. Manuel Viana será um dos moderadores e avança que, “apesar da investigação, esta patologia − que se subdivide em vários tipos, entre eles a demência de Alzheimer, a vascular ou a mista −, ainda não tem uma cura, existindo apenas tratamentos capazes de, eventualmente, aliviar os sintomas de forma temporária”.
Nesse sentido, defende, “é preciso atuar na prevenção, nomeadamente na educação para a saúde, com vista à mudança de estilos de vida, a fim de evitar ou atrasar o seu aparecimento”.
Como sublinha, “trata-se de uma doença com múltiplos fatores etiopatogénicos, sendo a abordagem preventiva e terapêutica um sistema multicomponentes, com efeito multiplicativo ou sinergístico”.
Apesar de saber, à partida, que “a prevenção é a chave do problema”, reconhece tratar-se de “uma ação difícil, porque implica a mudança de atitudes e comportamentos e mexe com as emoções”. Na sua ótica, “o médico de família, enquanto conhecedor do doente e do seu contexto ao longo da sua vida, é a pessoa mais capacitada para fazer este processo educativo”.
Por isso mesmo, “é preciso formar os médicos de família no sentido de terem uma relação empática com os doentes e apostar numa comunicação assertiva, para que estes últimos vejam o seu médico de família como a pessoa em quem mais confiam”.
Os três presidentes e impulsionadores do projeto: Rui Costa, Manuel Viana e Paulo Pessanha
Isolamento dos idosos
Tendo em conta que a prevalência da demência aumenta com o avançar da idade, Manuel Viana, que tem competência em Geriatria atribuída pela Ordem dos Médicos, sublinha que entre 40 a 50% da população acima dos 90 anos tem esta patologia.
Existindo vários fatores de risco que contribuem para o aparecimento da síndrome demencial, o médico destaca o isolamento, a perda de contactos sociais, a diminuição da capacidade auditiva e a depressão, vertentes que acabam por estar interligadas.
“O exercício físico, a estimulação cognitiva, a alimentação correta e o convívio social são atividades que os idosos deixaram de conseguir fazer porque ficaram isolados”, realça.
E identifica que, “enquanto noutros países esta realidade é diferente, porque as pessoas mais velhas têm consciência de que precisam de continuar a investir nestas áreas para seu próprio bem e as autoridades governativas criam incentivos, os idosos portugueses não têm ainda esta cultura muito enraizada”.
Declínio cognitivo, alterações de comportamento, falta de adesão à medicação, não comparecimento nas consultas ou deterioração observável nos autocuidados e na apresentação são sinais que, para si, "prenunciam um défice cognitivo ligeiro ou até mesmo demência". Uma vez que o próprio doente tende a não percecionar esta realidade, “torna-se fundamental ter
sempre na consulta a presença de um seu familiar ou cuidador”.
Numa fase inicial, “percebendo que está a perder capacidades, a pessoa pode ficar deprimida, daí que, no início, são frequentemente prescritos antidepressivos, pelo menos para ajudar a ultrapassar esse quadro reativo à consciência da perda de algumas aptidões”.
Neurologia e MGF
As 4.as Jornadas Multidisciplinares de MGF realizam-se, de forma híbrida, entre 19 e 21 de maio, no Sheraton Porto. Na sessão dedicada às demências, baseada em casos clínicos, destaca-se a participação da neurologista Inês Laranjinha, do CHUPorto, procurando discutir-se “a forma como as duas especialidades se devem relacionar no que respeita à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento correto do doente”.
O programa pode ser consultado AQUI.
A inscrição pode ser efetuada aqui.