«A Medicina Interna e a Medicina Geral e Familiar devem estar muito próximas»
É sem qualquer hesitação que Fernando Salvador, presidente da Comissão Organizadora do 30.º Congresso Nacional de Medicina Interna, afirma, em entrevista à Just News, que “o modelo organizativo das ULS é conceptualmente interessante porque pressupõe tratar a pessoa na sua individualidade, independentemente do local da prestação dos cuidados”. Atendendo a essa centralização no doente, “faz todo o sentido, por isso, haver uma maior integração de cuidados de saúde primários e hospitalares”.
Apesar das mais-valias que a generalização do modelo ULS pode representar, o diretor do Serviço de Medicina Interna da Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro, cargo que assumiu em 2019, observa: “Previamente ao arranque de uma reforma tão importante no SNS, deveria ter havido uma ampla discussão, com um maior envolvimento de profissionais de saúde, autarquias e populações.”
No caso da ULSTMAD, que resultou da fusão do CHTMAD com o ACES Trás-os-Montes - Alto Tâmega e Barroso, o ACES Douro I - Marão e Douro Norte e o ACES Douro II - Douro Sul, Fernando Salvador realça que a visão é de que “a MI e a MGF devem estar muito próximas, porque são as duas especialidades mais generalistas do SNS e grande parte dos doentes são partilhados”.
Como tal, ao longo dos anos, foram sendo criadas dinâmicas entre os dois níveis de prestação de cuidados. “Progressivamente, as diversas unidades do Serviço foram sendo apresentadas aos colegas dos CSP, que sabem que elas existem e como funcionam, e têm um contacto estreito com os internistas, de forma a facilitar a referenciação dos doentes, se assim o entenderem”, refere.
Fernando Salvador: “É preciso definir estratégias de seguimento conjunto dos doentes”
Adicionalmente, foram elaborados projetos especificamente para os CSP, nomeadamente, unidades de investigação rápida, como a Unidade Clínica de Ambulatório Médico, que “pretende retirar doentes da Urgência, ao prever a observação de casos referenciados pelos CSP, em meio hospitalar, no espaço de sete dias, sendo a média de três”. Periodicamente, são ainda realizadas reuniões conjuntas com internistas e médicos de família, “visando a partilha de informação e o conhecimento mútuo dos interlocutores”.
Os desafios subjacentes à integração de cuidados e as formas de a implementar na prática
Avaliando o panorama atual, o internista reconhece que “ainda há muito por fazer quanto à integração de cuidados, inclusivamente a nível informático”. Neste âmbito, considera que “a internalização dos exames pode ser vantajosa para o SNS, quer em termos económicos, quer clínicos, a nível de seguimento dos doentes”.
Fernando Salvador compreende os receios sentidos pelos colegas dos CSP quanto à possibilidade de “o modelo hospitalocêntrico que existe em Portugal ficar ainda mais extremado”, com esta integração de cuidados, pelo que considera que “devem ser implementadas estratégias que minimizem essa possibilidade”.
No seu entender, “o sistema devia contemplar, desde logo, melhores estratégias de colaboração com os CSP, que garantissem a observação pelos colegas de MGF dos doentes triados na Urgência com as cores brancas, azuis e verdes”. Porventura, “essas soluções podiam ser encontradas por cada ULS,
de forma a assegurar essa interajuda”.
Mas também em termos de consulta “é preciso definir estratégias de seguimento conjunto dos doentes”. Como defende, “é óbvio que há doentes graves que têm de ser observados
em meio hospitalar, mas, quando estão mais estabilizados, podiam ter uma observação intermédia pelo seu médico de família”. Contudo, alerta que, para tal, “é preciso haver uma partilha de informação bidirecional, sendo que o aprimoramento da integração de sistemas informáticos poderia melhorar essa gestão”.
Quanto ao internamento, nota que, à semelhança do que sucede com a maioria das unidades de hospitalização domiciliária, “é preciso que os doentes tenham uma observação mais próxima pelo médico de família após a alta hospitalar”.
Apesar de considerar que “os colegas de MGF estão preparados para assumir essas funções, graças também à formação de
quatro anos muito bem protocolada” alerta que “não é possível dar-lhes todas essas responsabilidades quando já estão assoberbados com um número imenso de tarefas e representam um número inferior ao adequado”.
Por forma a atrair médicos de diversas especialidades a estarem presentes na próxima edição do Congresso Nacional de Medicina Interna, agendada para os dias 23 a 26 de maio, em Vilamoura, a Comissão Organizadora construiu “um programa repleto de temas pertinentes também para a MGF”.
No caso das doenças autoimunes, por exemplo, a sua área de maior interesse no seio da Medicina Interna, o nosso interlocutor refere tratar-se de uma “esfera muito específica e
diferenciada, a cuja formação, ainda assim, os médicos de família são recetivos”. No seu entender, “as ações de formação são fundamentais, uma vez que a patologia autoimune é de difícil diagnóstico”.
Como explica, “muitas vezes, os doentes apresentam sintomas comuns a várias doenças e um conjunto de alterações analíticas difíceis de interpretar, daí a importância de haver uma grande proximidade junto dos médicos de família, a fim de os colegas melhor identificarem e seguirem e mais rapidamente referenciarem os doentes”.