«A nova especialidade de Medicina da Urgência e Emergência não irá trazer nada de novo»
Para Luís Duarte Costa, a criação da especialidade de Medicina de Urgência e Emergência não é a solução para os problemas que assolam os serviços de Urgência, nem se repercutirá numa maior vantagem ao tratamento dos doentes urgentes. Contudo, agora que a decisão foi tomada, sublinha que será necessário aproveitar as suas mais-valias e readaptar o modelo de organização dos SU, trazendo a Medicina Interna para a retaguarda, onde deverá gerir os doentes complexos e graves referenciados.
Luís Duarte Costa
"Sem vantagem no tratamento dos doentes urgentes”
“Neste momento, a SPMI e a Medicina Interna, de forma global, terão de saber adaptar-se aos próximos tempos e tirar o maior proveito da criação da especialidade de Medicina de Urgência e Emergência”, começa por afirmar Luís Duarte Costa, presidente da SPMI, Sociedade que sempre se insurgiu contra a proposta que foi aprovada no passado dia 23 de setembro pela Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos.
O internista, que dirige o Atendimento Urgente do Hospital da Luz Lisboa, esclarece não se tratar de “uma questão corporativa”, mas sim da crença que “esta nova especialidade não irá trazer nada de novo, nem qualquer vantagem no tratamento dos doentes urgentes”.
Na sua opinião, “o problema das Urgências em Portugal não assenta no funcionamento nem na organização dos serviços, mas sim no facto de mais de metade dos doentes não deverem lá estar, e esta dificuldade não será ultrapassada com a criação da especialidade de Medicina de Urgência e Emergência”.
Na verdade, o médico acredita que “esta mudança não só não irá resolver a crise das urgências como poderá agravá-la, ao passar para a população a ideia de que esta era a solução que se procurava, quando o prioritário é retirar dos SU os doentes não urgentes, que prejudicam o atendimento daqueles que são realmente graves”.
"Nunca haverá uma especialidade capaz de resolver tudo"
A solução, do seu ponto de vista, passa por envolver os Cuidados de Saúde Primários, dada a “mais-valia de poder haver um acompanhamento longitudinal pelo médico que já conhece o doente, ao invés da simples observação num certo episódio”.
Por outro lado, “nunca, em tempo algum, haverá uma especialidade capaz de resolver tudo, desde tratar uma apendicite a fazer um cateterismo, passando pelo tratamento de uma fratura ou de uma cetoacidose diabética”. Na realidade, “as várias especialidades médicas e cirúrgicas abordam patologias crónicas, agudas e urgentes, e são elas as mais bem preparadas para fazê-lo”.
Relativamente à organização dos SU, considera que esta nova especialidade “possibilitará a existência de uma equipa dedicada, que tenha frequentado formação obrigatória e tenha uma carreira, o que é uma mais-valia”. Lembra que, atualmente, tal trabalho está associado a “grande carga, pouco reconhecimento pelos pares e fraca remuneração, traduzindo-se numa elevada rotatividade”.
“Como é que nos vamos adaptar?”
O presidente da SPMI reconhece que é preciso refletir sobre “como é que nos vamos adaptar a esta nova realidade”, deixando algumas reflexões e sugestões. “A MI foi a única especialidade médica a manter-se nas urgências, o que representa um peso tremendo, ao dificultar o funcionamento dos serviços de MI e condicionar a falta de atratividade da especialidade nos últimos anos”.
Nesse sentido, defende que “esta oportunidade terá de ser aproveitada para mostrar que a primeira linha de contacto com os doentes deve ser feita pela Medicina de Urgência e Emergência, ficando a atuação da MI reservada aos casos graves e complexos que são referenciados”. Também a MI deve ficar responsável pela “chefia dos SU, uma vez que é a ela que cabem as principais decisões, como a de internamento”.
Avaliando o panorama nacional, Luís Duarte Costa comenta que este é já o modelo de organização encontrado nos hospitais privados, como o Hospital da Luz Lisboa: “A MI tem feito a chefia e o seguimento dos doentes que estão na Sala de Observação, enquanto há uma equipa multidisciplinar, sobretudo de MGF, e obviamente chefiada pela MI, a trabalhar nos balcões.”
O especialista em MI avança que nos próximos tempos será preciso debater outras questões, como a tutoria dos internos desta nova especialidade e a dupla titulação dos internistas.


