«A Psiquiatria é fulcral também porque todas as doenças acabam por tocar a Saúde Mental»

A literacia em Saúde Mental é uma questão central para Gustavo Jesus, o psiquiatra que vai presidir à Comissão Organizadora do XVIII Congresso Nacional de Psiquiatria, por reconhecer que “a generalidade das pessoas, incluindo a população clínica não psiquiátrica, demonstra ter um grande desconhecimento relativamente à Saúde Mental (SM), em geral, e às doenças mentais, em particular”.

O profissional, que dirige o Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULS do Estuário do Tejo desde dezembro de 2023, lamenta que ainda exista “estigma em relação às doenças mentais e aos tratamentos de Psiquiatria” e assegura haver“ alguma iliteracia em SM no seio da comunidade médica”.

Gustavo Jesus destaca que “ainda se observa um desconhecimento dentro da Medicina quanto ao que é a Psiquiatria e ao que se faz nesta área”, o que acredita poder dever-se à sua história recente como especialidade.

"Durante muito tempo, não havia meios que permitissem entender o funcionamento do cérebro, ao contrário do que sucedia, por exemplo, com o coração ou o fígado. A neuroimagiologia e o conhecimento que havia sobre as redes neuronais eram insuficientes para perceber a atividade cerebral e como ela se traduzia em atitudes ou em sintomas de doença mental. Nesse contexto, as explicações psicológicas para o comportamento humano e para as doenças mentais eram as dominantes”, refere.


Gustavo Jesus

No entanto, “os modelos psicológicos não permitiam explicar muito do que se passa no cérebro e ao nível do comportamento” e, “não sendo uma ciência médica, isso contribuiu para que houvesse um grande distanciamento entre a Psiquiatria e as restantes especialidades. Só o avanço científico foi permitindo compreender melhor as doenças mentais e desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes”.

Pelo facto de este movimento ser relativamente recente, Gustavo Jesus sublinha que “ainda não há uma verdadeira consciência do papel que a Psiquiatria tem na saúde global, não só na perspetiva do bem-estar mental e do impacto das doenças psiquiátricas primárias mas também pelas interações da Psiquiatria com as restantes áreas médicas”.

A título de exemplo, refere o impacto psiquiátrico que um cancro ou uma doença autoimune pode ter num doente e lembra que “os mecanismos etiológicos das doenças mentais são frequentemente comuns aos de outras patologias, o que pode levar uma situação não psiquiátrica a afetar o funcionamento cerebral e a originar sintomas e doenças psiquiátricas secundárias”.

Outro aspeto destacado por Gustavo Jesus prende-se com a importância de promover o diagnóstico de doenças pouco reconhecidas, mas que devem estar na mente de todos os psiquiatras:

“É o caso das perturbações do neurodesenvolvimento, como o autismo ou a hiperatividade e défice de atenção, que até há pouco tempo eram vistas apenas como um problema da infância, mas que podem não só causar grande disfunção na idade adulta como influenciar grandemente o surgimento de outras doenças mentais, ou mesmo serem confundidas com a personalidade.”

Aliás, “é muito importante saber distinguir um comportamento que advém de um sintoma de doença de um que provém de um traço de personalidade”, realça, notando que tais conceitos são “confundíveis, o que torna esta especialidade de algum modo complexa do ponto de vista clínico”.

Um outro exemplo de quadros clínicos ainda pouco reconhecidos refere-se às múltiplas causas anteriormente desconhecidas de psicose, como é o caso das encefalites autoimunes. Todos estes tópicos vão ser, note-se, abordados no programa do XVIII Congresso Nacional de Psiquiatria.


“Fazer de um evento científico também um espaço de promoção da literacia”

A ocupar a função de vogal da Direção da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, Gustavo Jesus foi o elemento selecionado para presidir ao XVIII Congresso Nacional de Psiquiatria, agendado para os dias 16 a 19 de outubro, em Albufeira. O responsável afirma que o objetivo é “fazer de um evento científico centrado na atualização da evidência em Psiquiatria também um espaço de promoção da literacia sobre SM, com algumas portas abertas ao exterior”.

Sob o tema “Fronteiras da evidência em Psiquiatria: a tangibilidade do objetivo, subjetivo ou equívoco”, a Comissão Organizadora pretende mostrar “como a evidência científica tem progredido, possibilitando colocar já em prática, atualmente, medidas para melhorar os cuidados de saúde”.

Mas também “como há áreas em grande florescimento de investigação, de que é exemplo o impacto na doença mental das dietas e do exercício físico, ou dos fármacos psicadélicos”.

Outra das motivações para o desenvolvimento do tema da literacia foi “a importância de reconhecer que nas fronteiras da evidência pode haver a propagação de informação errada sobre temáticas em que a investigação não está suficientemente apurada para se poder afirmar que uma intervenção é ou não eficaz na prevenção ou no tratamento de determinada doença”.



Gustavo Jesus adianta que haverá dois momentos em que a ciência será aberta à comunidade. O primeiro será com a emissão do programa Prova Oral, com Fernando Alvim, em direto para a Antena 3, em que “serão debatidos muitos temas de fronteira”, logo após a Sessão de Abertura, no dia 17. O segundo acontecerá previamente à Sessão de Encerramento e consistirá num debate em torno da Saúde Mental e Sociedade/Media, moderado pela jornalista Sara Oliveira Antunes, do Observador.

Com um programa constituído por uma grande diversidade de temáticas, incluindo as que têm evidência muito consolidada, e um leque de palestrantes nacionais e estrangeiros de grande relevo, o presidente doa CO do Congresso salienta a contribuição, pelo segundo ano consecutivo, da comunidade científica para essa construção. Cerca de metade do programa resulta, assim, de sessões selecionadas a partir das propostas realizadas pela comunidade científica e clínica, “enriquecendo o conteúdo científico”.

O evento é precedido de sete cursos pré-congresso, seis dos quais inéditos, com “temas muito diversos e apelativos”.


A entrevista completa pode ser lida na edição de setembro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados.

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