«A sobrelotação das urgências exige uma atuação a montante e a jusante»
Apesar de já poder deixar de fazer urgência, por ter mais de 55 anos, Maria da Luz Brazão continua a manter essa atividade, no Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal, que caracteriza como uma das razões que a fizeram escolher a especialidade de Medicina Interna.
Ao ser questionada sobre o que fazer relativamente à sobrelotação dos serviços de Urgência hospitalares (SUH), Maria da Luz Brazão salienta que “esse fenómeno é, de facto, um dos maiores problemas, sendo que, atualmente, 40 a 50% dos doentes que recorrem a uma Urgência são triados como verdes e azuis”. A questão não é nova: “Já existe desde o século passado e as suas causas são multifatoriais.”
Maria da Luz Brazão
A coordenadora do Núcleo de Estudos de Urgência e do Doente Agudo (NEUrgMI) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) afirma que a questão já podia ter sido resolvida, uma vez que “já foram propostas à Tutela várias soluções, mas, até ao momento, muito pouco foi feito para a solucionar”. E realça que esta dificuldade “tem de ser ultrapassada atuando nos determinantes que a montante e a jusante condicionam a acessibilidade”.
Na sua opinião, “a visão de futuro para os SU deve deixar de estar centrada na hipertrofia dos SUH para se focar na otimização da gestão e na natural redução da procura de cuidados no SU”. Para tal, “é importante reduzir a procura, melhorar o acesso e a oferta de serviços, rever procedimentos implementados e avaliar a sua eficiência, bem como investir na adequação dos serviços oferecidos, numa perspetiva que se traduza na melhoria efetiva da sua qualidade”.
De uma forma global, entende ser “crucial uma reestruturação dos serviços de saúde dos cuidados de saúde hospitalares e primários, que permita oferecer alternativas válidas ao recurso indiscriminado à Urgência”.
Considerando que “uma parte significativa dos atendimentos aos doentes agudos ou crónicos agudizados podiam ser transferidos para outros níveis de cuidados”, admite que tal está pendente de “meios técnicos e recursos humanos adequados e da melhoria efetiva da qualidade dos serviços oferecidos”.
Maria da Luz Brazão alerta que “o SU continua a ser a porta de entrada do hospital, quando não devia sê-lo”, notando que “as motivações de muitos dos seus utilizadores não são
prioritárias, prendendo-se com características da sua doença e da organização dos serviços, ou com aspetos de literacia, autogestão, fatores financeiros e sociais, e falta de estruturas de retaguarda”.
Nesse sentido, destaca como prioritário “criar mais portas alternativas à Urgência, nomeadamente, hospitais de dia, unidades de cuidados intermédios, unidades de diagnóstico rápido, de internamento curto e de hospitalização domiciliária, tal como já existem noutros países”. Paralelamente, “adequar os recursos físicos, humanos e meios técnicos ao conjunto de tarefas dos médicos de MGF, de forma a estes poderem também colaborar nesta abordagem do doente agudo nas urgências dos centros de saúde”.
De facto, “os CSP, como primeira porta de entrada do utente no SNS, devem estar preparados para o atendimento das situações de doença aguda ou agudizada”.
Sob este ponto de vista, sublinha como “a MGF e a Medicina Interna são duas especialidades nucleares para a abordagem do doente agudo em Portugal”. A este propósito, refere que, no ano passado, foi feito “um trabalho muito meritório, de forma conjunta, entre os colégios das especialidades de MI e de MGF, do qual resultou um documento de consenso com várias soluções para o SU, que foi enviado à Tutela.
9.º Congresso Nacional da Urgência procurará “Remar ao Futuro”
Ao longo destes 10 anos de vida do NEUrgMI, têm sido realizados anualmente dois momentos formativos – o curso “O Internista e a Urgência” e o Congresso Nacional da Urgência, apenas interrompidos durante a pandemia, em 2020 e 2021. O Congresso, que em cada edição tem um presidente convidado, uma organização hospitalar local e se realiza numa região diferente do país, é reconhecido por Maria da Luz Brazão como um “veículo formativo importante”.
Sob a presidência de Pedro Guimarães Cunha, que esteve à frente do Colégio da Especialidade de MI da OM e que atualmente preside ao Conselho de Administração da ULS do Alto Ave, e com Sónia Campelo, internista da ULS do Baixo Mondego, como secretária-geral, o 9.º Congresso Nacional da Urgência irá realizar-se entre 4 e 6 de outubro, na Figueira da Foz, sob o lema “Remar ao Futuro”.
A conferência de abertura, intitulada “SU sob pressão: há solução?”, será proferida por Pedro Guimarães Cunha, enquanto a conferência de encerramento, que se centrará na temática da inteligência artificial, ficará a cabo de Daniela Seixas. Do programa fazem ainda parte cursos pré-congresso, relativos às urgências obstétricas e a aspetos básicos da Medicina Intensiva.
A entrevista completa pode ser lida na edição de setembro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados.