«A tosse crónica requer uma abordagem diagnóstica e terapêutica cuidadosa»

Assim definida quando persiste por mais de oito semanas, a tosse crónica é uma condição comum que pode afetar significativamente a qualidade de vida de quem dela padece. A prática clínica de Manuel Viana, que exerce na USF São João do Porto, fê-lo perceber, há muito tempo, que a mesma “pode constituir um desafio para o especialista em Medicina Geral e Familiar”. E tem uma certeza: “Compreender as causas subjacentes, os métodos diagnósticos e as opções de tratamento é essencial para a gestão eficaz da tosse crónica.”

Podendo ser originada por uma grande variedade de situações clínicas, vale a pena começar por apresentar, com a ajuda de Manuel Viana, as mais comuns:

1. Gotejamento pós-nasal ou rinorreia posterior (síndrome da tosse das vias aéreas superiores) -- Esta é a causa mais frequente de tosse crónica.

O gotejamento pós-nasal ocorre quando o muco das cavidades nasais e dos seios paranasais escorre pela parte de trás da garganta, estimulando os reflexos da tosse.

2. Asma -- Pode-se manifestar predominantemente como tosse, especialmente em casos de asma variante da tosse. Pode ser desencadeada por fatores como o exercício, o ar frio ou a exposição a alérgenos.

3. Doença do refluxo gastresofágico (DRGE) -- O refluxo de ácido gástrico para o esófago pode irritar a garganta e as vias aéreas, resultando em tosse crónica, sendo a DRGE uma causa frequentemente subdiagnosticada.

4. Bronquite crónica / doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) -- Associadas maioritariamente ao tabagismo, são caracterizadas pela presença de tosse produtiva persistente. A inflamação das vias aéreas e a produção excessiva de muco são características destas patologias. Mais raramente pode ser causada por doença do interstício pulmonar ou por malignidade.

5. Medicamentos – Os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) são conhecidos por causar tosse crónica em alguns pacientes. A substituição por outra classe de anti-hipertensivos pode resolver o problema.

A tosse induzida por iDDP-4 é um efeito adverso relativamente raro, mas não deve ser esquecido.

Tratamento direcionado à causa subjacente

“A abordagem diagnóstica e a avaliação de uma pessoa com tosse crónica devem ser sistemáticas, sequenciais e abrangentes, sendo fundamentais a história clínica detalhada e o exame físico. Perguntas sobre a duração da tosse, características (seca ou produtiva), fatores desencadeantes e sintomas associados, como dispneia, pirose ou rinorreia, fornecem, por vezes, pistas importantes”, esclarece Manuel Viana, acrescentando:

“A realização de exames complementares pode incluir a radiografia ao tórax, a qual é útil para excluir causas pulmonares graves, como neoplasias ou infeções. As provas de função pulmonar estão indicadas se houver suspeita de asma ou de DPOC. A endoscopia digestiva alta pode ser necessária quando se suspeita de DRGE não respondedora ao tratamento empírico. Os testes de alergia tornam-se úteis quando houver suspeita de asma ou de rinite alérgica.”


“O MF tem um papel essencial na identif icação das causas subjacentes da tosse crónica e na implementação de um plano de tratamento eficaz”, considera Manuel Viana

É ponto assente que o tratamento da tosse crónica deve ser direcionado à causa subjacente. Perante gotejamento pós-nasal ou rinorreia posterior, pode ser eficaz o uso de anti-histamínicos e descongestionantes. Em caso de rinossinusite crónica, será eventualmente útil a utilização de um corticosteroide nasal. Na asma, o tratamento assenta em broncodilatadores e corticosteroides inalados, “sendo fundamental a educação do doente sobre o uso correto dos inaladores”, sublinha Manuel Viana.

“Os inibidores da bomba de protões são frequentemente usados para combater o refluxo gastresofágico, embora também sejam recomendadas medidas dietéticas e comportamentais, como evitar refeições volumosas antes do deitar”, refere, prosseguindo:

“Em caso de bronquite crónica ou de DPOC, o deixar de fumar é a intervenção mais importante nos fumadores, sendo a broncodilatação de longa duração de ação inalada essencial, podendo ser necessária a associação a corticosteroides inalados em situações mais graves, nomeadamente em doentes agudizadores com eosinofilia periférica. Também a substituição de um IECA por outro anti-hipertensivo, como um bloqueador do recetor da angiotensina, pode resolver a tosse.”

Manuel Viana lembra que a tosse crónica “é uma condição multifatorial que requer uma abordagem diagnóstica e terapêutica cuidadosa, desempenhando o médico de família um papel essencial na identificação
das causas subjacentes e na implementação de um plano de tratamento eficaz”. Perante casos complexos, “pode ser necessária a colaboração com outros especialistas, como pneumologistas, imunoalergologistas, otorrinos e gastrenterologistas”.

Finalmente, na tosse crónica refratária ou inexplicada, “poderá estar indicada a terapêutica neuromoduladora de ação central ou periférica, como é o caso dos neuromoduladores centrais e dos novos antagonistas
dos recetores P2X3. Sendo certo que “a educação do doente sobre a natureza da sua patologia e o seguimento regular são componentes essenciais para o sucesso do tratamento”.


Quimioterapia e hematologia

Nas VIII Jornadas Multidisciplinares de MGF, para além de moderar a sessão sobre tosse crónica, em que serão protagonistas o médico de família Rui Costa e o imunoalergologista Mário Morais de Almeida, Manuel Viana vai desempenhar papel idêntico em outros dois momentos do evento, um dos quais dedicado aos efeitos secundários da quimioterapia e às interações medicamentosas.

Compreende-se a abordagem deste assunto: em Portugal, o cancro mantém-se como uma das principais causas de morte e a incidência tem vindo a crescer, com a agravante de ser diagnosticado em idades cada vez mais jovens, especialmente nos casos dos cancros do cólon, da mama, da tiroide, do rim e do pâncreas.

Segundo Manuel Viana, “isso deve-se, desde logo, a um diagnóstico mais precoce, refletindo o bom trabalho da MGF, mas também a outros fatores relacionados com o estilo de vida (álcool, tabaco, sedentarismo, obesidade, dieta), à exposição ambiental e até a razões de ordem genética”.

“Os doentes oncológicos continuarão a ser seguidos pelo seu médico de família, pelo que este tem que estar a par dos efeitos secundários mais comuns, tais como náuseas e vómitos, alopecia, fadiga, diarreia e obstipação, mucosite oral, neuropatia periférica e aumento do risco de infeções, entre outros. Muitos citostáticos são metabolizados pelo fígado (CYP 450), outros prolongam o intervalo QT, daí o risco, por exemplo, de interações medicamentosas e de complicações cardiovasculares”, refere.


Relativamente ao tema “Hematologia: como abordar e orientar as alterações da série branca (leucócitos)”, e com base na apresentação de casos clínicos, falar-se-á de neutrofilia, neutropenia, linfocitose, linfopenia,
eosinofilia, alterações dos basófilos e dos monócitos.

“Abordaremos as causas mais comuns, como orientar e quando referenciar, atendendo à existência ou não de sinais de alarme, tais como: o grau de alteração, se há febre persistente, infeções recorrentes ou graves, perda de peso, hemorragias, adenopatias ou esplenomegalia, etc.

E proporcionando algoritmos de atuação de interesse para a prática clínica diária do médico de família”, indica Manuel Viana.


Nota: Esta entrevista foi publicada na edição de novembro 2025 do Jornal Médico.

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