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«Todo o cardiologista que não tiver em atenção a prevenção estará a ser um mau cardiologista»

Carlos Aguiar fala com claro entusiasmo da paixão que garante ter por aquilo que faz. E logo esclarece que faz muitas coisas diferentes dentro da área da medicina ou com ela relacionadas. “Mas aquilo de que eu gosto mais é mesmo do contacto com o doente”, afirma o cardiologista do Hospital de Santa Cruz.

Esta entrevista surge precisamente a propósito de mais uma tarefa a que se entregou, a de presidir ao 30.º Congresso Português de Aterosclerose, que decorre ao longo desta sexta-feira e sábado, na cidade de Évora, e cujo programa científico desenhou subordinado ao tema que elegeu: “Da ciência à prática clínica e às políticas de saúde”.

“Eu vim para a Cardiologia porque as doenças do coração têm aquele sentido de urgência, de emergência, do salvar vidas”, explica Carlos Aguiar. “É uma especialidade que nos permite, no imediato, sentir o retorno das nossas intervenções, que acaba por ser o alimento para satisfazer a nossa realização profissional, que eu procuro muito”, reconhece.

“Gosto de sentir que faço as coisas com alguma diferença, e que as faço bem, obviamente, mas também que isso tem implicações positivas para outros. Nesta especialidade, é muito fácil nós vermos rapidamente o impacto do que fazermos, e até foi a área dos cuidados intensivos cardíacos aquela que eu abracei mais precocemente”, salienta.

Carlos Aguiar admite que foi essa sua vivência que acabou por o fazer perceber muito cedo que o melhor mesmo seria nunca ninguém chegar a precisar de ser assistido numa UCI, acabando por reconhecer a importância de se promover a prevenção das doenças cardíacas.

“Eu diria que há uns 20 ou 30 anos a cardiologia preventiva era vista como algo muito menos interessante do que intervir nas artérias do coração ou tratar as arritmias, por exemplo. Hoje em dia, todo o cardiologista que não tiver em atenção o que deve fazer em termos de prevenção estará a ser um mau cardiologista, com reflexos na qualidade do seu próprio trabalho”, assegura.

Em todo o caso, o nosso entrevistado faz questão de reconhecer que, “em boa verdade, não havia tanta capacidade de prevenir como atualmente”. E cita o exemplo da insuficiência cardíaca como uma das doenças que “nós achávamos que não seriam preveníveis”.


Carlos Aguiar: “Muito do nosso trabalho na consulta, no ambulatório, também passa por otimizar as estratégias de prevenção a longo prazo, de preservar tempo de vida sem patologia cardiovascular.”

Mas, afinal, o que explica essa valorização da prevenção na área da Cardiologia? O médico considera que tal tem vindo a suceder, em parte, porque também tem havido desenvolvimentos farmacológicos que a permitem e, nalguns casos, “propositadamente pensados para isso mesmo”. E destaca os avanços verificados em matéria de novos medicamentos para tratar a hipertensão, para a dislipidemia, ou no controlo do colesterol.

Paralelamente, “também se descobriram armas fenomenais no tratamento da diabetes, da insuficiência cardíaca e da doença renal crónica, três áreas que, de repente, se veem unidas por um conjunto de fármacos, sendo que outros mais estão a caminho, já com resultados preliminares muito bons”. Carlos Aguiar sublinha que, “tal como devemos olhar para o colesterol antes deste dar problemas, também temos que pensar nos rins antes de eles envelhecerem”.

“A partir do momento em que os rins começam a falhar, toda a componente circulatória do organismo pode vir a ficar afetada por problemas ateroscleróticos, perdendo-se benefícios de prevenção cerebrocardiovasculares se nós não pensarmos que temos que prevenir igualmente o declínio da função renal que acompanha o avançar da idade”, afirma Carlos Aguiar, assegurando: “Não tenho dúvidas de que os próprios nefrologistas vão ter um papel preventivo ativo, não se limitando a aguardar serem chamados quando o doente tem que entrar num programa de diálise ou de transplante renal.”

Interdisciplinaridade, políticas de saúde e inovação

Convidado a presidir à Comissão Organizadora do 30.º Congresso pela Direção da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, Carlos Aguiar não hesitou em aceitar o desafio, até porque há muito tempo que se interessa – tanto na perspetiva clínica como de políticas de saúde -- pelas doenças ateroscleróticas, que constituem, aliás, a maioria das patologias cardiovasculares.

Desde 2005 que o especialista tem estado envolvido na orientação técnica desta área, colaborando com o entretanto designado Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares da Direção-Geral da Saúde. E salienta que, “pontualmente, esta assessoria tem dado frutos importantes, embora dali não saiam, obviamente, decisões políticas, procurando-se, sim, dar apoio à tomada dessas mesmas decisões”.

Carlos Aguiar fala com convicção quando diz que “as doenças cardiovasculares são passíveis de prevenção com elevadíssima eficácia”. E continua: “Essa prevenção passa pouco pela prescrição de medicamentos e muito mais por criar condições para que se possa ter um estilo de vida saudável, seja em termos de desenvolvimento económico e social, ou na criação de formas de estar na atividade profissional, ou até mesmo de políticas relacionadas com o combate à poluição.”

“Sabemos que a prática de um estilo de vida saudável vai ser um forte facilitador do sucesso das terapêuticas farmacológicas, mesmo numa situação de prevenção secundária”, sublinha o cardiologista.

Um dos aspetos que o 30.º Congresso Português de Aterosclerose procura relevar prende-se com a importância da interdisciplinaridade. E porquê? “A aterosclerose não é uma patologia específica de um órgão ou de um sistema. Trata-se de uma doença sistémica e, como tal, há inúmeras especialidades médicas e cirúrgicas que lidam diretamente com ela e com as intervenções que são necessárias para aliviar algumas das complicações.” O seu presidente refere imediatamente a Medicina Geral e Familiar, a Medicina Interna e a Cardiologia, mas também a Endocrinologia, a Oncologia, a Nefrologia, a Neurologia ou a Cirurgia Vascular.

O programa da reunião contempla igualmente a discussão das questões da aterosclerose na vertente das políticas de saúde e, nesta matéria, ganha realce o papel que o médico de família deverá ter na avaliação do risco cardiovascular dos seus utentes. Carlos Aguiar frisa: “É muito ao nível dos Cuidados de Saúde Primários que nós temos que desenvolver ainda um trabalho bastante grande no sentido da implementação do acesso à avaliação do risco cardiovascular e às próprias terapêuticas disponíveis.”

Discutir as inovações e os avanços no respeitante às doenças ateroscleróticas é, digamos assim, a terceira vertente do Congresso de 2022 da SPA, explica o seu presidente: “É um evento no qual participam médicos de diferentes especialidades, mas que têm em comum um particular interesse pelas doenças ateroscleróticas e, como tal, este é exatamente o ambiente em que se devem discutir as inovações e avanços que vamos testemunhando. Felizmente, esta área tem sido, nesse aspeto, bastante rica, embora ainda nem saibamos como encaixar algumas das novidades em termos de recomendações.”



A importância da imagem para uma “mais assertiva decisão clínica”

Adicionalmente, uma atenção especial é dada à imagem, “que cada vez mais parece ser muito útil para ajudar à decisão clínica e na própria avaliação do risco cardiovascular, desde a utilização do ecodoppler na observação das artérias carótidas e das artérias dos membros inferiores à realização do exame que permite obter o score de cálcio das coronárias”.

“Os dias vão passando e há cada vez mais evidência a mostrar que a informação que obtemos é importantíssima na complementação daquilo que nós já usamos para a avaliação do risco cardiovascular, como a tensão arterial, o colesterol, o peso e o IMC. Melhoramos a nossa capacidade de prever quem vai ter complicações e quem pode não vir a tê-las e, eventualmente, não justificar determinadas intervenções farmacológicas demasiado agressivas, como administrar uma estatina em prevenção primária, algo a que uma percentagem da população ainda é bastante resistente”, afirma Carlos Aguiar, alertando, contudo, que tal resulta da “muita desinformação que circula, com inúmeras notícias na comunicação social a referir os efeitos adversos das estatinas e a questionar os seus benefícios”.

E prossegue: “Nós já estamos convencidos das mais-valias destas terapêuticas, mas não há dúvida que com o apoio daqueles exames, demonstrando, por exemplo, que as suas artérias estão com problemas, o doente fica mais disponível para acatar as recomendações do médico, sendo certo que os mesmos também aumentam a acuidade da predição do risco, tornando mais assertiva a decisão clínica.”

Carlos Aguiar adianta que “o score de cálcio parece também agora ser útil para dizer quem poderá beneficiar com a toma diária de aspirina, ou de uma estatina, para o resto da vida, se o seu valor for superior a 100 pontos, segundo uma recomendação da National Lipid Association”.

“A utilização das técnicas de imagem na área da aterosclerose aumenta a precisão de prever quem necessita de uma intervenção terapêutica, promovendo uma medicina mais personalizada”, afirma o cardiologista.


Carlos Aguiar: “Sabemos que a prática de um estilo de vida saudável vai ser um forte facilitador do sucesso das terapêuticas farmacológicas, mesmo numa situação de prevenção secundária.”

A ligação à Sociedade Europeia de Cardiologia

Carlos Aguiar, 53 anos, escolheu o Hospital de Santa Cruz, que integra o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, para fazer o seu internato de formação específica em Cardiologia e nunca mais de lá saiu. Coordena a Unidade de Insuficiência Cardíaca Avançada, a que dedica muita da sua atenção, mas também assegura a coordenação médica da Unidade de Transplantação Cardíaca Prof. Queiroz e Melo.


Curiosamente, apesar do seu envolvimento nessas duas áreas, a que acrescenta a das cardiopatias e a da cardio-oncologia, faz questão em manter uma consulta de cardiologia geral. E explica porquê: “Acho que é importante manter uma visão abrangente dentro da especialidade e o facto é que não há apenas doentes específicos, também há quem precise de um cardiologista geral, que não seja propriamente subespecializado.”

Foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Cardiologia durante um mandato e ainda vice-presidente no seguinte. No segundo ano deste último, em 2013, teve uma tarefa extra: foi presidente do 34.º Congresso Português de Cardiologia.

Carlos Aguiar começou a trabalhar como voluntário (sem remuneração) para a Sociedade Europeia de Cardiologia (SEC) em agosto de 2014, com responsabilidades na área das Comunicações. Candidatou-se e foi eleito, integrando a Direção de Fausto Pinto.

A ligação à instituição manteve-se desde então, tendo o cardiologista assegurado também, entretanto, as Relações Internacionais e chegando, inclusive, a ser nomeado embaixador para toda a América do Sul e América Latina. Continuando agora durante mais um mandato de dois anos e novamente com a pasta das Comunicações.

Considerando que “a área da comunicação é crítica para qualquer organização que deseja marcar a sua posição de liderança, absolutamente crucial mesmo”, Carlos Aguiar anuncia que, na sequência do período de pandemia que se viveu, “vamos mudar a nossa estratégia de comunicação a partir de agora”.



Esta entrevista pode ser lida na próxima edição do jornal Hospital Público.
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