USF Serpa Pinto focada em ter profissionais satisfeitos. «Desempenham muito melhor o seu trabalho»
Julho de 2019 marcou o regresso de Nuno Capela à USF Serpa Pinto, onde havia realizado o internato, entre 2008 e 2011, sob a orientação de Bernardo Vilas Boas, justamente para herdar a sua lista de utentes, na sequência da sua aposentação. Na altura, reencontrou muitos dos profissionais com quem já tinha trabalhado e que advinham já do modelo de Regime Remuneratório Experimental (RRE), iniciado em outubro de 2000, e da posterior transição da USF para modelo B, em março de 2007.
Entretanto, tal como sucedeu consigo, entre 2019 e 2023, quatro dos oito médicos foram substituídos por antigos internos da Unidade, o que “trouxe algum rejuvenescimento, mas também um certo impacto”.
Nuno Capela
De facto, “o período inicial é sempre exigente, porque implica um trabalho de aprendizagem sobre a própria lista e a sua otimização, de forma a garantir um planeamento e um desempenho adequados. No nosso caso, esse período coincidiu com o surgimento da pandemia de covid-19 e, posteriormente, com o processo de acreditação. Além disso, a MGF tem a particularidade de medir e analisar resultados, uma abordagem crítica que não pode ser plenamente aplicada desde o início. Só conseguimos refletir sobre o que está a ser feito e identificar pontos de melhoria após um conhecimento aprofundado da nossa lista, um processo que é, por natureza, exigente e consumidor de tempo e de recursos”.
Ainda assim, o processo foi facilitado por alguns fatores − a maior parte dos elementos tinham saído da Unidade há muito poucos anos e, pelo menos no caso de Nuno Capela, este assumiu a lista que já tinha trabalhado quando era interno, pelo que muitos dos utentes já tinham sido consultados por si nalgum momento.
Na fase atual, tendo assumido a coordenação da USF em abril de 2024, considera que a equipa já está “em velocidade de cruzeiro, o que permite repensar e melhorar a prática diária”. E acredita que essa reflexão é fundamental:
“Nós dependemos muito de nós para prosseguir o caminho. Não podemos estar sempre sujeitos a uma visão superior que nos indique para onde queremos ir. Devemos ser nós os primeiros a identificar o que não está bem no caminho que fazemos e onde podemos implementar melhorias. Felizmente, ainda está ao alcance de uma USF fazer algumas dessas mudanças.”
Foi com base nesta convicção que a equipa decidiu intervir na melhoria da comunicação digital com os utentes, que foi potenciada pela mais recente pandemia. “Com a covid-19, deu-se uma transição radical para a utilização quase exclusiva de canais não presenciais, via e-mail e telefone, que se manteve posteriormente, alterando o paradigma das práticas de comunicação e trazendo desafios”, refere.
O médico de família não tem dúvidas de que a preocupação com esta questão não se restringe à USF Serpa Pinto, mas “é transversal a todas as unidades funcionais, por se tratar de um mecanismo de comunicação que não está devidamente regulado, nem do ponto de vista dos utentes nem dos profissionais, mas que é utilizado em larga escala, sem custos”.
Tal leva a que haja “um avolumar de solicitações, com todo o tipo de informação a circular por e-mail de forma fácil, que exige uma resposta, gerando uma sobrecarga sobre os profissionais”.
Efetivamente, “é preciso acrescentar essa solicitação a um conjunto de outras que já existiam e que têm de continuar a ser respondidas. É esse desafio relacionado com a gestão da agenda que nos obriga a refletir sobre a forma como podemos regular este canal de comunicação, que é útil, prático e fundamental, ao permitir aos utentes, através de um contacto de e-mail com a informação adequada, resolver algumas situações”.
O coordenador reconhece que este assunto “não tem sido devidamente debatido pelas entidades superiores”, mas logo afirma que “uma das mais-valias que as USF ainda conseguem preservar é a capacidade de fazer um diagnóstico de situação e, em certas alturas, introduzir modificações”. Por isso mesmo, esta equipa implementou já algumas normas e deverá avançar com outras ainda este ano.
No caso do e-mail, todos os contactos que não se limitem a uma renovação de medicação habitual ou de pedido de fisioterapia são alocados a slots específicas de agendas médicas. Adicionalmente, todos os utentes que remetem um e-mail têm uma resposta do secretariado com o respetivo agendamento, o que lhes permite “perceber que há um delay controlado, de quanto tempo, e manifestar-se caso esse tempo não vá ao encontro das suas necessidades, sendo ativados outros mecanismos”.
No decorrer deste ano, a equipa vai implementar uma comunicação digital proativa junto dos utentes, que, “até agora, tem sido muito reativa”.
Nuno Capela adianta que pretendem, desde logo, “partilhar com os utentes as regras de utilização do e-mail, nomeadamente a forma como se devem identificar e as possibilidades de uso”. Na realidade, “as pessoas utilizam o e-mail de forma muito díspar e os utentes não têm a obrigação de saber como hão de comunicar connosco se nunca tomámos a iniciativa de lhes explicar como deviam utilizar essa ferramenta”.
Ao mesmo tempo, os profissionais pretendem “ter a iniciativa de contactar com os utentes em muitas ocasiões, com conteúdos úteis, no sentido de promover a saúde e prevenir a doença, pois, o canal digital pode ser mesmo uma maneira de chegar a mais gente”. E esta forma de atuação “vai regular a forma de comunicação, ajustar expectativas e diminuir o erro”
A prática de hábitos que promovam o bem-estar no trabalho
Nuno Capela afirma que a equipa tem “uma grande preocupação em desempenhar um bom trabalho e em prestar um serviço de qualidade aos utentes”. Para tal, acreditam que “todos os profissionais precisam de estar bem, o que se consegue também com o desenvolvimento de iniciativas que preservem a noção de bem-estar”. Nesse sentido, têm procurado “criar vários momentos que revigorem e preservem o bom humor e a boa disposição”.
O coordenador admite tratar-se de “uma equipa que valoriza os utentes, mas também os próprios profissionais enquanto pessoas, e procura estabelecer um conjunto de rotinas ou hábitos que promovam o bem-estar no trabalho”. Afinal, “profissionais que estejam satisfeitos desempenham muito melhor as suas tarefas e são bastante mais produtivos”.
“Nós somos bons no que fazemos, temos uma identidade muito própria e acreditamos no nosso valor e esta mensagem deve ser veiculada, porque nós somos um elemento estrutural do SNS, e se nos promovermos estaremos a promover o SNS e, de alguma forma, o património que é de todos os portugueses”, sublinha.
Contudo, tem consciência de que “há muita dificuldade em partilhar mensagens positivas, mesmo entre os pares, porque a sentimento comum é de descontentamento e sobrecarga, e essa comunicação pessimista pode ser prejudicial”.

A reportagem completa pode ser lida no Jornal Médico de março.


