«Cada vez mais a infertilidade é mista e com uma maior preponderância do fator masculino»
O aumento da infertilidade masculina é, para Luís Ferreira Vicente, uma realidade que merece atenção. A presidir à Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR) desde há cerca de um ano, o médico considera que “não basta melhorar o acesso a tratamentos de infertilidade, sendo necessário também investir num diagnóstico mais precoce, abrir mais centros e até ir mais a montante, procurando perceber porque estamos a assistir a um crescendo da infertilidade”.
Estas serão algumas das questões em debate nas XXXIX Jornadas de Estudos da Reprodução, que se vão realizar a 9 e 10 de maio, em Vila Nova de Gaia.
Luís Ferreira Vicente
"Cada vez mais a infertilidade é mista"
“Enquanto antigamente 30% dos casos de infertilidade eram de causa masculina, neste momento, essa percentagem já será de 50%”, afirma Luís Ferreira Vicente. E acrescenta que, “muitas vezes, os profissionais e os casais tendem a desconsiderar essa possibilidade, quando, cada vez mais a infertilidade é mista e com uma maior preponderância do fator masculino”.
O médico diz ser frequente “a procura das mulheres pela Medicina da Reprodução por considerarem que podem ter endometriose, verificando-se depois que o parceiro também tem uma alteração da fertilidade importante”.
Foi, aliás, pensando nessa possibilidade que, há uns anos – quando integrou o grupo que elaborou o Consenso sobre Endometriose, na qualidade de presidente da Secção de Endoscopia Ginecológica
da Sociedade Portuguesa de Ginecologia –, Luís Ferreira Vicente fez questão de incluir o espermograma no leque de exames pré-operatórios da cirurgia da endometriose no contexto de infertilidade.
O especialista, que coordena o Centro de Procriação Medicamente Assistida do Hospital Lusíadas Lisboa desde fevereiro de 2022, não desvaloriza, contudo, o peso do fator ovulatório, diretamente ligado à reserva ovárica, que começa a diminuir com o avançar da idade, comprometendo a fertilidade das mulheres.
Esta é uma questão para a qual se tem vindo a chamar a atenção, defendendo o ginecologista e obstetra que “é preciso desmistificar a ideia errada de que o limite para a gravidez corresponde à menopausa”.
Num contexto em que “os casais tendem a pensar na questão reprodutiva apenas depois de terem algumas condições reunidas, nomeadamente, em termos de carreira profissional e de aquisição da casa e do carro, por vezes, já é tarde demais”.
Luís Ferreira Vicente admite que “os próprios profissionais podem contribuir para essa tendência, ao oferecerem a possibilidade da doação de ovócitos”, pois, “ao haver mulheres a engravidar perto dos 50 anos graças a essa solução, podemos transmitir a ideia de que a gravidez é possível espontaneamente nessas idades”.
O presidente da SPMR, que é também um dos vice-presidentes da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, esclarece que o ideal seria que a gravidez ocorresse até aos 35 anos, colocando como alerta os 40 anos. A partir dessa idade “a fertilidade começa realmente a reduzir bastante, sendo que, depois dos 43, a percentagem de alterações cromossómicas nos ovócitos é mesmo muito elevada”.
“Embora possa ocorrer fertilização, se o ovócito tiver um erro cromossómico, o embrião terá um problema que a própria natureza poderá identificar e não deixar evoluir”, esclarece.
No âmbito da preocupação manifestada pelo poder político francês relativamente a este tema, Luís Ferreira Vicente participou, juntamente com representantes das sociedades congéneres italiana, espanhola e francesa, numa reunião em França, em 2024, cuja discussão incidia sobre o combate à infertilidade. Daí resultou um manifesto com vários campos de ação, no sentido de tornar a saúde reprodutiva uma prioridade europeia e nacional para preencher a lacuna da fertilidade, tendo sido emitido um relatório que o presidente Emmanuel Macron pedira aos especialistas.
As três principais prioridades identificadas foram melhorar a informação, a educação e a prevenção da infertilidade, incluindo através de programas de educação sexual e reprodutiva, promover uma sociedade e um ambiente de trabalho livres de discriminação e favoráveis à família e à fertilidade e, por fim, melhorar o diagnóstico e o tratamento da infertilidade.
“Não estamos a registar níveis de natalidade que permitam a renovação das gerações, o que pode ser um problema. E não basta melhorar o acesso a tratamentos de infertilidade, sendo necessário também investir num diagnóstico mais precoce, abrir mais centros, principalmente públicos, até porque todo o sul do país abaixo do Hospital Garcia de Horta está desprovido de centros públicos de MR. Mas também é necessário melhorar a capacidade instalada dos atuais, e até ir mais a montante, procurando perceber porque estamos a assistir a um crescendo da infertilidade”, refere o nosso entrevistado.
Procurando responder a esta questão, o presidente da SPMR identifica de imediato duas principais causas e possíveis soluções. Uma delas prende-se com a tentativa de engravidar em idades mais tardias, considerando, por isso, essencial “aumentar a sensibilização da população para a saúde reprodutiva e transmitir maior informação aos jovens sobre a infertilidade”. Afinal, “não importa apenas falar de contraceção, é igualmente importante alertar para o limite etário da gravidez, que não está na menopausa! Estes aspetos podem começar a ser explorados nos livros de Ciências do 9.º ano”.
Outra das causas que atribui ao aumento da infertilidade tem que ver com a questão ambiental, alertando para o contacto muito frequente da população com substâncias como o bisfenol, que são “importantes disruptores endócrinos, por aumentarem os estrogénios, e que estão presentes em materiais como plásticos, talões de multibanco e senhas para atendimento”.
O médico adianta haver um estudo da Universidade de Granada que demonstra que, “em Portugal, em Espanha e no Brasil, 90% dos papéis têm 50 a 100 vezes os níveis considerados
tóxicos pela Comunidade Europeia, papéis esses que já estão banidos no Japão desde 2010”.
A SPMR tem estado, entretanto, a trabalhar juntamente com a Associação Portuguesa de Fertilidade e com o Colégio da Subespecialidade de Medicina da Reprodução da OM na tradução e adaptação do manifesto à realidade portuguesa, tendo em vista a sua entrega na Assembleia da República, e o lançamento da campanha “Mais Fertilidade” junto da população, dos empresários e dos decisores políticos.
Corpos Sociais (2024-2027)
Direção
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