CHLN: Aliviar a dor persistente com tratamentos farmacológicos, psicoterapia e hipnose

Aliviar a dor persistente que, em muitos casos, afeta a qualidade de vida das pessoas durante anos é o principal objetivo da Unidade Multidisciplinar de Dor (UMD) do CHLN.

Teresa Fontinhas, a coordenadora, trabalha há 20 anos com a dor e sabe como pode ser bastante penoso não ter a devida assistência. “Os doentes chegam cansados, angustiados, porque já tentaram de tudo para acabar com o sofrimento e sem sucesso”, sublinha.

Nesta Unidade, criada em 2008 e que envolve vários especialistas, trata-se da dor de “forma holística, tendo em conta as suas características fisiológicas, mas também o impacto da mesma na vida diária dos utentes e na sua saúde mental”. Utilizam-se assim tratamentos farmacológicos, de intervenção e a psicoterapia, que também pode ser complementada com hipnose.

Afinal, “a dor não se vê e a sua medição depende de vários critérios, quer seja a escala da dor (analógica, de números e de faces), as expressões faciais do utente, pareceres de colegas de diferentes especialidades, etc.”.

Entre as várias patologias que podem gerar quadros dolorosos crónicos, as musculoesqueléticas são as mais frequentes, além da lombalgia, gonalgia, dores articulares generalizadas e fibromialgia, entre outras.



A dor neuropática representa um desafio, ao ponto de haver consultas específicas para várias áreas. Predominam ainda a dor orofacial por nevralgia do trigémeo e outras patologias de cabeça e pescoço, “além da dor pélvica, com todas as suas repercussões na sexualidade dos doentes”. No caso da dor geriátrica, esta é dirigida a uma entidade específica, como a Geriatria.


“Também estamos a receber doentes oncológicos em fases precoces e de remissão, pois, a utilização de novas quimioterapias, mais dirigidas, prolongam a vida dos doentes, mas também são um desafio no tratamento de complicações a nível neuropático”, aponta a especialista.

O perfil da UMD não se adequa propriamente a doentes da área da Oncologia, a não ser nestas situações, pois, os casos mais avançados são encaminhados para os cuidados paliativos, segundo a médica.

Além da dor crónica, a UMD também dá apoio na dor aguda, trabalhando, inclusive, com as equipas do Internamento.




Psicoterapia e hipnose no controlo da dor

Nesta Unidade, quem faz hipnose é o enfermeiro Luís Abrantes, que está atualmente a dar tutoria ao estágio em hipnose de outro colega. “Esta Unidade é muito solicitada como campo de estágio, tendo já apoiado a formação de muitos profissionais”, refere.



O seu trabalho é desenvolvido em parceria com a psicóloga Cristina Caldeira, que está na UMD desde que esta iniciou funções, em 2008, sendo que se encontra ligada à área da dor há mais tempo. Juntamente com Luís Abrantes, está a desenvolver um trabalho de parceria para que determinados doentes possam ter psicoterapia e sessões de hipnose.

“Todas as semanas temos reuniões para debater os casos clínicos, além de falarmos antes e depois de cada sessão de hipnose, a fim de darmos uma resposta mais adequada às necessidades das pessoas”, explica.

E os resultados têm sido muito positivos: “Tal como refere a bibliografia internacional, temos notado melhorias significativas na junção dos dois tratamentos, verificando-se uma redução das sessões de psicoterapia e até na toma de medicamentos.”


Cristina Caldeira é psicóloga a tempo inteiro na UMD e recebe utentes que precisam de fazer psicoterapia. “Quando os médicos assistentes fazem a referenciação, aplico uma bateria de testes para determinar a intervenção mais adequada ao doente e perceber as dinâmicas internas do mesmo. Depois, com o enfermeiro, determinamos quem pode usufruir dos benefícios da hipnose”, explica.



Apesar de acreditar que o melhor seria rastrear todos os doentes com dor crónica, como forma de perceber doenças do foro psíquico associadas a dor, não há profissionais
suficientes. “Sou a única psicóloga, mas, mesmo assim, consegue-se dar uma boa resposta aos casos que nos surgem e que precisam mesmo desta intervenção, independentemente de se incluírem as sessões de hipnose”, refere.

Quanto às dificuldades sentidas no seu trabalho, realça a desconfiança das pessoas: “Muitas delas acham que a referenciação para a Psicologia é um sinal de que duvidam da dor que estão a sentir, atribuindo-lhe uma origem mental.”

Nesses casos, Cristina Caldeira diz que o seu trabalho começa, inevitavelmente, pela “desconstrução desta ideia”, explicando que “existe a dor física, mas que, psicologicamente, é possível evitar que a dor tome conta da vida da pessoa”.

Vários tratamentos, incluindo a Consulta do Doente Geriátrico


Os doentes quando chegam à UMD já passaram, na maioria das vezes, por diversos tratamentos. “Foram a vários médicos, tomaram muitos analgésicos – o que é contraindicado nestes quadros dolorosos –, estão física e psicologicamente cansados e angustiados e é preciso conjugar o conhecimento de toda a equipa para inverter esta situação”, explica Teresa Fontinhas, a coordenadora da UMD.

A médica aponta mesmo casos de enorme fragilidade. “Está-se a falar de uma dor que não passa o dia inteiro, dorme-se mal, perde-se apetite, deixa-se de ter vida social e nem se tem paciência para ouvir os outros. Isto acontece durante anos!”

E continua: “Estas pessoas apresentam, muitas vezes, sintomas de ansiedade e depressão graves, porque deixaram de acreditar que podem viver bem, mesmo com dor.”

Um problema que se deve, em grande parte, à fraca divulgação deste tipo de apoio. “Já se fala mais de unidades de dor, mas quer os doentes como os médicos de Medicina Geral e Familiar ainda não estão muito informados, o que atrasa a referenciação”, diz.



Quanto aos tratamentos disponíveis na UMD, tanto se aposta nos farmacológicos como nos outros que não envolvem medicação. “Depende, inevitavelmente, do quadro clínico e do estádio da doença”, afirma Teresa Fontinhas.

No caso do tratamento farmacológico, os doentes da UMD do Hospital de Santa Maria têm acesso aos não invasivos (via oral, transdérmica e tópica), assim como aos invasivos,
como endovenosos, ozonoterapia, bloqueio dos nervos periféricos e bloqueio epidural. A destacar ainda a estimulação elétrica transcutânea (TENS) e a neuroestimulação medular, além das intervenções no bloco operatório, como radiofrequência (térmica ou pulsada), em que a passagem de corrente elétrica perineural vai dessensibilizar ou mesmo eletrocoagular o nervo “doloroso”.

Existe ainda a neuroestimulação medular, que consiste na colocação de elétrodos no espaço epidural, conectados a um neuroestimulador (tipo pacemaker), o qual será programado para modular a informação álgica das vias aferentes da dor.

Na área não farmacológica, além da psicoterapia e da hipnose, também se recorre à acupuntura.



Para os mais idosos – acima dos 75 anos, ou seja, a 4.ª idade – existe a Consulta do Doente Geriátrico. “Atualmente, 30% dos novos pedidos de consulta de dor crónica são para pessoas de maior idade”, refere Teresa Fontinhas. Nestes casos, são realizados ensinos específicos para este grupo de pessoas, que têm um período de 3 meses.

“Além de técnicas de relaxamento, da hipnose, da nutrição, da acupuntura, também apoiamos os mais idosos que necessitam de hidroginástica, para encontrarem piscinas onde a prática, nestes casos, é gratuita”, acrescenta.

Enfermeiros ensinam estratégias para adesão à terapêutica

Amélia Matos é a enfermeira-chefe. Há 8 anos que está na UMD e a dor é uma área em que gosta de apostar. “Um dos primeiros contactos que se tem na UMD acontece na consulta de triagem da Enfermagem, onde se faz uma avaliação global, incluindo o contexto sociofamiliar, para se estabelecer, com a equipa médica, um plano de intervenção para cada doente.”

Além desta avaliação inicial, Amélia Matos aponta a importância do enfermeiro no ensino: “Fazemos muita educação para a saúde, porque é fundamental existir adesão à terapêutica, caso contrário não se consegue ter sucesso.” Para a enfermeira, a adesão terapêutica é um dos pontos que mais se tem de trabalhar.

“Neste contexto de doença crónica, há uma modificação dos hábitos de vida do doente e da sua família e a introdução de muitas medidas terapêuticas para gestão do processo de dor e, por vezes, é-lhes difícil integrar todas estas alterações e cumprir as recomendações dos profissionais de saúde”, refere.

Os fármacos usados, por vezes opioides, exigem também, segundo a enfermeira, que o doente tenha a informação adequada sobre o efeito pretendido e sobre todo o plano terapêutico. “É preciso alertar, por um lado, para os efeitos secundários que podem surgir, por outro, para as estratégias para lidar com essa sintomatologia, que pode acontecer principalmente nos primeiros dias e que pode, por vezes, levar ao abandono da medicação.”

Amélia Matos realça que “há muita preocupação na adequação da linguagem e das estratégias para melhorar a adesão às características de cada doente e em validar com o próprio os conhecimentos sobre o plano instituído, sendo esta informação completada com a entrega de folhetos informativos.”


Amélia Matos.

A responsável sublinha que os doentes vêm muitas vezes com a expectativa de que, finalmente, vão conseguir viver sem dores, logo, “se não explicarmos que é um trabalho de adaptação, até nas suas atividades do dia-a-dia, de continuidade, de parceria em que o doente é o elemento principal, feito degrau a degrau e que, nos primeiros dias, é preciso tomar outros medicamentos para controlar os efeitos secundários, facilmente desanimam e perpetuam o ciclo de desconforto e mal-estar”.

Para que possa haver continuidade de cuidados e um acompanhamento mais próximo, principalmente nas fases iniciais da terapêutica farmacológica e não convencional, a enfermeira esclarece que a UMD tem uma linha telefónica direta para esclarecimento de dúvidas. “Além disso, os enfermeiros telefonam aos doentes de forma programada para avaliar a evolução da situação clínica, após determinada intervenção, para se saber como a pessoa está a recuperar.”

Paralelamente a este apoio, os enfermeiros também intervêm no Internamento e, desde final de 2016, na dor aguda após intervenção cirúrgica.

Resposta à dor pensada desde 1980

Antes da Unidade, os doentes apenas tinham acesso a uma Consulta da Dor, que esteve a cargo da médica Delfina Fernandes, entretanto aposentada. “A Unidade também se iniciou com esta médica, depois passei a ser a coordenadora em 2011”, indica Teresa Fontinhas.

A primeira proposta para a criação de uma estrutura que permitisse diminuir o sofrimento das pessoas com dor, sobretudo crónica, aconteceu em 1980, com o falecido médico João Santos Pereira. Foi nesse ano que também se iniciou a Consulta da Dor, tendo sido um ano mais tarde aprovada a inclusão de terapêutica da dor no Hospital de Dia Polivalente do Hospital de Santa Maria, por despacho ministerial.


Em 1984, os médicos viram então reconhecido, a nível hospitalar, a necessidade de organização de uma unidade que “aliviasse a dor persistente”. Mas apenas em 2008 foi criada a UMD, para substituir a Consulta de Dor Crónica, tendo iniciado as suas funções em 3 de março desse ano.



Para Teresa Fontinhas, a UMD “foi um passo muito importante, porque todos trabalhamos em equipa, multidisciplinar, oferecendo os tratamentos mais inovadores aos doentes”.

Contudo, como faz questão de salientar, “não se cura a dor, mas alivia-se a sua sintomatologia, para que a pessoa possa viver, mesmo que seja com dor crónica, de uma forma mais saudável e com maior bem-estar”.

E acrescenta: “Felizmente, tem-se observado um aumento deste tipo de cuidados nos hospitais, porque uma única consulta não permite ter uma visão e intervenção mais abrangente do problema da dor.”

As patologias mais comuns são as musculoesqueléticas, sendo a lombalgia “a mãe de todas”, segundo Teresa Fontinhas. “Este problema de saúde pode afetar várias pessoas e a sua causa por ser variada, como hérnia discal, compressão do nervo ou neuropatia pós-herpética após um quadro clínico de zona”, diz.

Quanto aos desafios futuros da UMD, Teresa Fontinhas espera que se possa ter mais recursos humanos. No entanto, garante, “temos uma ótima equipa, que tem permitido o nosso grande objetivo: aliviar a dor persistente e dar maior qualidade de vida às pessoas”.

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