Clínica de Insuficiência Cardíaca da ULSM quer garantir um continuum de cuidados
Sabendo que cerca de 60% dos diagnósticos de Insuficiência Cardíaca são realizados no Serviço de Urgência ou no Internamento, a equipa da Clínica de Insuficiência Cardíaca da ULS de Matosinhos pretende desenvolver um trabalho integrado automatizado com os médicos de família, para promover o diagnóstico precoce, antes da hospitalização, otimizar o tratamento e fomentar o seguimento de proximidade.
Após a constituição de uma equipa multidisciplinar que abrange valências como a Cardiologia, a Medicina Interna, a Nefrologia e a Medicina Física e de Reabilitação, e o empoderamento do doente e cuidador, outro dos desejos deste grupo é poder ter um espaço dedicado, que congregue o acesso a avaliação médica e de enfermagem, bem como a meios auxiliares de diagnóstico e de terapêutica.
Ana Sofia Correia
Inaugurada em dezembro de 2019, a Clínica de Insuficiência Cardíaca (CLIC) da ULS de Matosinhos teve a sua génese na Consulta de Insuficiência Cardíaca, que já existia há vários anos. Contudo, era preciso “integrar as diferentes especialidades em torno do doente com IC, que é um doente cada vez mais complexo”, identifica Ana Sofia Correia, a cardiologista que coordena a CLIC desde a sua fundação e que foi responsável pelo desenho do projeto.
A médica admite que “o caminho não tem sido nada fácil” e que “o maior desafio, mas também o mais enriquecedor, talvez tenha sido construir uma verdadeira equipa multidisciplinar”.
E prossegue: “Crescemos e aprendemos juntos, e esta dinâmica beneficiou o doente.” Também reconhece que a existência de um Departamento de Medicina, onde estão inseridas várias especialidades, é “determinante nesta missão de prestar cuidados centrados no doente”.
Da equipa nuclear fazem parte, além de Ana Sofia Correia, quatro internistas, uma cardiologista e três enfermeiras. A CLIC conta com a colaboração das valências de Nefrologia, Nutrição e Medicina Física e de Reabilitação, e tem em desenvolvimento protocolos com Medicina Paliativa, CRI de Saúde Mental e Psicologia, Endocrinologia, Serviço Social, Serviços Farmacêuticos, e ainda com médico e enfermeiro dos CSP.
Mensalmente, de acordo com as necessidades específicas de cada doente, parte destes profissionais junta-se numa reunião multidisciplinar para discussão dos casos mais complexos, avaliação de resultados, organização de programas de formação e integração em ensaios clínicos.
Ano após ano, “a atividade tem crescido paulatinamente”, apesar dos “grandes constrangimentos em termos de espaço físico” com que a equipa se tem deparado. Começaram timidamente num pequeno quarto do Internamento, no 4.º piso do Hospital Pedro Hispano, mas a pandemia exigiu que o libertassem. Com a suspensão da atividade cirúrgica, foi-lhes disponibilizado um gabinete de consulta na Cirurgia de Ambulatório, onde se mantêm até agora.
“Face às adversidades, adaptámo-nos com determinação e resiliência. Focados no nosso objetivo, evoluímos como equipa e melhorámos a qualidade dos cuidados prestados aos nossos doentes!”, comenta a coordenadora.
Ciente das dificuldades, Ana Sofia Correia avançou, em 2023, para a elaboração de uma proposta de organização estrutural mais adequada. “É essencial que o circuito seja organizado de forma a garantir o acesso a avaliação médica e de enfermagem, e a meios auxiliares de diagnóstico e de terapêutica, num espaço integrado e dedicado a estes doentes”, defende.
No seu entender, a estrutura mais adequada deveria contemplar dois consultórios médicos, para a realização de Consulta de IC Crónica e de Consulta Aberta 12 horas por dia em dias úteis, consultório de enfermagem, área de trabalho para a equipa de reabilitação cardíaca, sala de tratamentos disponível igualmente 12 horas/dia em dias úteis, gabinete para exames auxiliares de diagnóstico específicos para estes doentes, sala de reuniões, secretariado e áreas de apoio/suporte.
Até ao momento, a atividade da CLIC tem sido realizada com recurso a espaços distribuídos em diferentes áreas do Hospital Pedro Hispano, de acordo com a disponibilidade, em detrimento de uma abordagem integrada das suas diversas dimensões num circuito unificador. Assim, até ao momento, a CLIC conta apenas com um único gabinete destinado à realização de Consulta Aberta e de tratamentos urgentes, durante quatro períodos semanais, que, em tempos, só estava disponível durante dois períodos.
A Consulta de IC Crónica tem sido realizada em gabinetes de consulta, na Consulta Externa, enquanto os tratamentos programados são efetuados no Hospital de Dia do Departamento de Medicina.
Com esta futura reestruturação, o objetivo será reunir todas estas respostas num espaço integrador, em funcionamento 12 horas por dia, entre as 8h e as 20h, com uma equipa multidisciplinar, que possibilite “avaliar os doentes de forma abrangente e holística, respondendo a situações de descompensação menos graves numa fase mais precoce, retirando-os do circuito da urgência e do internamento”.
A coordenadora considera que esta resposta permitiria “dar maior suporte aos doentes e cuidadores, aliviando a sua angústia, melhorando a sua qualidade de vida”. Além disso, esta reestruturação favoreceria uma nova etapa na diferenciação dos cuidados, integrando no grupo de trabalho a consulta dedicada às miocardiopatias, sob a liderança da cardiologista Ana Rita Moura, e avançando para a criação de uma Unidade Cardiorrenal multidisciplinar, “impulsionada pela colaboração e expertise da nefrologista Mariana Sousa”.
Em paralelo, permitiria ainda consolidar o programa de Reabilitação Cardíaca, “através da implementação de uma vertente comunitária, dirigida aos doentes que não reúnem critérios para intervenção especializada em ambiente hospitalar”, em desenvolvimento pela cardiologista Sílvia Marta Oliveira.
“Cerca de 60% dos diagnósticos de IC são realizados no Serviço de Urgência ou no Internamento"
Cristina Gavina, que dirige o Serviço de Cardiologia da ULSM desde 2016, é a cardiologista que esteve na génese da Consulta de Insuficiência Cardíaca, em 2014. Contudo, rapidamente identificou a necessidade de “evoluir para a criação de uma estrutura de apoio a doentes agudos em contexto de ambulatório, que contasse com a colaboração de outras especialidades, nomeadamente a MI”, justificando:
“Estes doentes apresentam uma grande complexidade em termos de comorbilidades, e nós temos de ter noção das nossas limitações, como cardiologistas.”
A equipa foi sendo formada aos poucos, tal como o espaço. “Ao estarmos inseridos num modelo departamental, já estávamos habituados a trabalhar em conjunto, e rapidamente identificámos os profissionais que tinham mais interesse por esta área. Lembro-me de termos ido buscar um cadeirão aos arrumos, para fazermos as primeiras terapêuticas endovenosas”, recorda.
Cristina Gavina e Ana Sofia Correia
A médica, que assumiu em abril a presidência da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, realça a importância do INTEGRA-CLIC enquanto um “projeto diferenciador, que vai permitir que, após um diagnóstico e orientação precoces, os doentes voltem aos CSP e não tenham que estar em nível hospitalar”.
Afinal, “cerca de 60% dos diagnósticos de IC são realizados no Serviço de Urgência ou no Internamento, o que não pode continuar a acontecer”, defende, notando que é preciso “ir à rua buscar as pessoas que estão por diagnosticar”.
Uma vez que “as clínicas de IC estão muito centradas nos doentes que já estão diagnosticados e sofrem agudizações”, a prioridade é “ajudar os médicos de família a diagnosticar e otimizar o tratamento”.
Na prática, este projeto prevê, assim, a identificação dos doentes com risco de terem IC, através de um questionário aplicado pelos CSP aos grupos de risco, seguido do pedido automatizado do exame NT-proBNP e de ecocardiografia.
Em caso de alteração, procede-se ao agendamento automático de consulta na CLIC. “Tudo se desencadeia graças a um algoritmo de inteligência artificial que faz a leitura dos dados, e o objetivo é que todo este processo se desencadeie no espaço de um mês”, frisa Cristina Gavina.

