«Conseguimos que os bebés de Gaia voltassem a nascer na sua terra»
A reorganização estrutural, ocorrida em março de 2022, foi um ponto de viragem para este Serviço, que, progressivamente, já sob a direção de Inês Nunes, tem atravessado várias mudanças, para garantir uma resposta mais segura e sedimentar-se num patamar mais estável. O aumento do número de enfermeiros por equipa de Urgência e a redistribuição das utentes de menor risco para ambiente de consulta, otimizando a resposta a necessidades urgentes e emergentes, são alguns dos exemplos.
Inês Nunes
“Os profissionais tiveram de fazer um esforço muito grande"
"Uma percentagem significativa dos partos realizados no Centro Materno-Infantil do Norte, enquanto lá trabalhei, eram de mulheres de Vila Nova de Gaia", lembra Inês Nunes, diretora do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia da ULS de Gaia/Espinho, cargo que assumiu em fevereiro de 2023. A médica salienta que, "como resultado da inauguração das novas instalações, em 2023, assistimos logo, face a 2022, a um aumento do número de partos em 30% e de consultas em 20%."
A diretora refere que “são as pessoas que fazem os serviços, mas, num primeiro impacto, aquilo que os olhos veem são as paredes. Atualmente, com salas de parto muito bem equipadas sob o ponto de vista tecnológico, de conforto e humanização, conseguimos oferecer um ambiente que não é tradicionalmente hospitalar, fazendo com que as pessoas se sintam quase como se estivessem em casa”.
Também no Internamento de Puerpério, as suítes são individuais e permitem a permanência do acompanhante desde a admissão até à alta, o que “chama muitas pessoas”. Ainda assim, “a resposta que damos enquanto equipa, do ponto de vista técnico e humano, é que faz verdadeiramente a diferença na experiência pessoal do parto”.
Esta convicção, aliada ao intenso aumento da atividade sentido em 2023, levou Inês Nunes a investir na formação dos pares: “Os profissionais tiveram de fazer um esforço muito grande para conseguir acomodar mais atividade assistencial. Alguns colegas e também enfermeiros tinham sido formados com um número de atendimentos muito inferior e, temporariamente, sentiram algum desconforto face ao aumento tão grande do movimento nas salas de parto e na consulta.”
Nesse sentido, apostou na formação multidisciplinar e na reorganização de procedimentos e acompanhou de perto as atividades no Bloco de Partos e no Serviço de Urgência, aplicando a sua experiência prévia no CMIN, onde se faziam 4 mil partos por ano. “Aqui, eram tipicamente feitos anualmente 1300 a 1400 partos, em 2023 e 2024 já ultrapassámos os 2100”, avança.
É com grande satisfação que afirma receberem muitos elogios das pessoas pela experiência que vivenciaram no Serviço e “esse reconhecimento é muito bom!” O sentimento de alegria é maior sobretudo por terem “conseguido que os bebés de Gaia voltassem a nascer na sua terra”.
“Gosto muito de conhecer e de ouvir as pessoas"
De forma a manter a atualização científica no Serviço, a nossa interlocutora dinamizou ainda as reuniões formativas semanais, que já existiam essencialmente ao nível da apresentação de temas e revisão de casos clínicos, feitas habitualmente por internos.
Em janeiro deste ano, haveria de decorrer o primeiro “Curso Prático de Parto Pélvico Verticalizado e Extração Fetal Difícil em Cesariana”, que contou com a presença da obstetra brasileira Caroline Reis. Paralelamente, tem tentado “estimular os internos a desenvolver e publicar mais trabalhos de investigação”, algo que tem vindo a verificar-se, inclusivamente em revistas académicas de grande relevância, como The American Journal of Obstetrics and Gynecology.
Criar estratégias para otimizar a resposta a necessidades urgentes e emergentes e a procedimentos mais complexos Inês Nunes assumiu a direção deste Serviço quando tinha 39 anos de idade e, embora “esse nunca tenha sido um objetivo”, até porque se imaginava mais a fazer investigação e a dar aulas, sentiu que tinha essa missão.
“Vivíamos e continuamos a viver uma época complexa na área da Gin./Obst.. Há ainda pouca estabilidade nos serviços, que permita uma atividade assistencial otimizada, e eu gosto de enfrentar desafios e, sobretudo, de estar num lugar onde sinto que precisam de mim. Não conhecia praticamente ninguém, mas fui muito bem recebida”, justifica.
Adicionalmente, reconhece ter características que lhe permitia assumir um cargo deste tipo: “Gosto muito de conhecer e de ouvir as pessoas, e de ter alguma atividade organizativa, embora tal me retire algum tempo clínico, que é bastante importante para mim. Este meu papel só faz sentido porque existem doentes, sem os quais não me imagino a viver. É por eles que eu e esta equipa trabalhamos todos os dias.”
Por isso, continua a realizar o período de 12 horas de Urgência semanal, alargada a 24 em caso de necessidade, considerando que tal atividade lhe “permite perceber como está a funcionar a Obstetrícia e a Ginecologia no hospital, identificar problemas a resolver e disponibilizar algum apoio técnico, em particular, a equipas mais jovens”.
Com vista a melhorar os cuidados prestados às senhoras, em abril de 2024, avançaram para a implementação do encaminhamento para a Consulta Aberta de Gin./Obst., os CSP ou a permanência na Urgência de Gin./Obst., no caso de as classificações da Triagem de Manchester feitas pelas enfermeiras especialistas de Saúde Materna e Obstétrica serem o verde e o azul.
Um modelo que “ainda não foi adotado em mais nenhum hospital do país”
A Consulta Aberta de Gin./Obst. funciona todos os dias úteis, entre as 8h e as 13h, e é realizada pelos especialistas que já não fazem urgência. “São vistas situações como perdas de sangue no início da gravidez, sintomas ginecológicos ligeiros e gravidezes não evolutivas”, exemplifica.
Este trabalho de implementação foi feito “de forma muito próxima com os CSP, de modo a que estes pudessem referenciar diretamente para a Consulta Aberta e também receber casos da Urgência que não tivessem indicação para ser vistos por ginecologistas obstetras”. Dado o estudo prévio que fizeram relativamente à proveniência das mulheres nos últimos dois anos, previram que “cada unidade dos CSP deveria ter pelo menos duas vagas diárias para acomodar as necessidades”.
Assim, “a Consulta Aberta teve início ao mesmo tempo que foram disponibilizadas vagas nos CSP para este fim”.
Para a médica, este modelo, que “ainda não foi adotado em mais nenhum hospital do país”, faz todo o sentido e já trouxe bons resultados:
“Uma vez que não temos recursos ilimitados e os especialistas estão na Urgência para atender situações urgentes ou emergentes e para dar apoio aos trabalhos de parto mais complexos, implementámos no terreno a norma da DGS que previa a reorganização dos serviços de Urgência. Desta forma, temos conseguido dar uma resposta adequada às necessidades de cada utente, rentabilizando recursos humanos. Tal refletiu-se já na redução em cerca de 30% do volume de atendimentos das admissões da Urgência, através da redistribuição para ambiente de consulta.”
De facto, ao longo da sua carreira, “não era raro acontecer estarmos ocupados com situações menos urgentes e vermos aquelas que mereciam a nossa atenção mais tarde do que o devido. Por isso, a redistribuição das utentes de acordo com o seu grau de gravidade é muito importante para otimizar a resposta a necessidades urgentes e emergentes e conseguir melhores resultados”.
Com esta consulta, também contextos como “ameaças de abortamento, que exigem reavaliação poucos dias depois, são aí realizadas, evitando idas à Urgência, como acontecia até então, onde as senhoras esperavam várias horas, o que era incomportável”.
Recentemente, procederam ainda à ambulatorização de procedimentos cirúrgicos que, classicamente, eram feitos em cirurgia convencional, “encurtando o tempo de permanência da mulher no internamento hospitalar e libertando o Bloco Operatório da cirurgia convencional para procedimentos mais complexos e associados a internamentos mais longos”. As histerectomias laparoscópicas via abdominal e vaginal foram alguns dos procedimentos que sofreram esta alteração.
A reportagem completa pode ser lida na última Women`s Medicine.