Consulta de Apoio Emocional ao Doente Oncológico acessível em unidades dos cuidados primários
Setembro de 2021 marcou o arranque do projeto-piloto da CAEDO – Consulta de Apoio Emocional ao Doente Oncológico no Centro de Saúde de Santo António, no Funchal. A enfermeira Ana Pereira tinha integrado a equipa da unidade meses antes, deixando o Serviço de Hemato-Oncologia do Hospital D. Nélio Mendonça, com o objetivo concreto de implementar esta Consulta.
Foi precisamente durante aquele período que teve oportunidade de se aperceber que “os doentes eram referenciados para o psicólogo ou para o psiquiatra, sim, mas em situações limite”. E a questão que a enfermeira especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica colocou foi: “Será que devemos esperar que cada utente chegue ao seu limite?”
No seu entender, “sendo a doença oncológica um evento de vida adverso que acarreta múltiplas perdas e adaptações, era fundamental intervir de forma mais precoce para minimizar o sofrimento emocional e obter ganhos em saúde”.
Nesse sentido, idealizou o projeto da CAEDO, com o propósito de “garantir a monitorização do distress emocional, se possível desde o diagnóstico da doença oncológica, e, assim, obter dados que facilitassem uma intervenção psicoterapêutica adequada às necessidades de cada utente. Nomeadamente, a minimização da sintomatologia ansiosa ou depressiva, a prevenção de doenças psicológicas ou psiquiátricas graves e a otimização da adaptação às várias fases da doença”.
Ana Pereira
Primeiramente, tentou implementá-lo a nível hospitalar, mas, a dada altura, percebeu que, de facto, “fazia muito mais sentido a sua dinamização no contexto comunitário, pois é nos Cuidados de Saúde Primários que trabalhamos as prevenções primária e secundária, que acabam por ser o foco deste projeto”. Além disso, trata-se de um recurso que, em breve, existirá na área de residência de cada utente, “minimizando deslocações acrescidas ao hospital, com toda a logística e o impacto que tal implica”.
Além da “maior comodidade que essa proximidade proporciona, tem também uma conotação menos negativa relativamente ao hospital, que, indubitavelmente, acaba por recordar constantemente o utente e a família da existência de uma doença oncológica, seja pelos tratamentos como pelos exames ou consultas a ela inerentes”.
Em contrapartida, “o centro de saúde acaba por ser perspetivado de uma forma mais positiva e protetora, sendo um espaço com o qual o utente e a família estão, à partida, familiarizados”.
Ana Pereira adianta que a duração e a periodicidade da CAEDO acabam por ser muito variáveis, “consoante as necessidades que cada utente apresenta”. De facto, “enquanto alguns poderão necessitar de um acompanhamento mais regular, outros apenas necessitarão de uma monitorização esporádica para reforço de competências e ensinos específicos".
Contudo, sublinha que, "enquanto profissionais de saúde, é importante termos presente que alguns utentes podem adaptar-se com relativa facilidade a algumas fases da doença, mas surpreender-se com a particular dificuldade de outras, pelo que a alta efetiva deve ser planeada apenas no follow up, quando reunidas evidências da superação da crise”.
A nossa interlocutora realça que “o objetivo, acima de tudo, é monitorizar o distress emocional, que é considerado o 6.º sinal vital e que, infelizmente, é medido e registado por poucos serviços, em Portugal. No fundo, com base nos scores obtidos, vamos definir um plano de cuidados ajustado às necessidades de cada utente e definir quais as intervenções psicoterapêuticas de Enfermagem a implementar”.
Além do crescente número de diagnósticos de doença oncológica, a enfermeira sublinha o desenvolvimento dos tratamentos, que se reflete numa taxa de sobrevivência cada vez maior, justificando a disponibilização desta Consulta “não só a quem está doente mas também a quem sobrevive à doença”. Acima de tudo, “é necessário minimizar o impacto emocional negativo que a doença acarreta”.
Baseada num processo de intervenção comunitária, esta Consulta pode acontecer nos CS ou nos domicílios. “É uma decisão autónoma. Caso se trate de uma intervenção paliativa, faz todo o sentido que seja realizada no domicílio”, justifica.
Nesta fase, a CAEDO é ainda um projeto exclusivo da Enfermagem, no entanto, Ana Pereira explica que, “caso surjam situações que careçam do apoio de outros profissionais de saúde, a referenciação é feita no âmbito da equipa multidisciplinar”.
A título de exemplo, nota que “pode haver casos mais agudos que exijam a prescrição ou o ajuste terapêutico, pelo que, nessas situações, deverá ser efetuada a referenciação para o médico de família ou, eventualmente, para o psiquiatra”.
Literacia em saúde: ciclo de sessões psicoeducativas
CAEDO não se limita apenas à realização das consultas de enfermagem individualizadas. Dada a “necessidade urgente de minimizar o estigma relacionado com a SM na vivência da doença oncológica e de investir na literacia em saúde”, no final de fevereiro, foi realizada a primeira de um ciclo de sessões psicoeducativas alusivas à temática “Tenho Cancro e Agora”, no CS de Santo António, “abertas à população que demonstre interesse na área, mas sobretudo dirigidas às pessoas com doença oncológica e familiares”.
Em meados de março, aconteceu a segunda sessão, sendo que em ambas “foi preenchida a capacidade total da sala e o feedback foi muito positivo”. O objetivo é que estas sessões aconteçam mensalmente, em vários CS.
Projeto premiado
O projeto CAEDO recebeu o primeiro prémio de Melhor Comunicação Oral, atribuído no II Encontro de Benchmarking em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. A reunião, promovida pelo Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros, teve como lema “Inovar Mais, Cuidar Melhor”.
O prémio foi atribuído no final do Encontro, que se realizou nos dias 18 e 19 de novembro, no auditório do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra.