A Consulta do Pé Diabético nas USF: uma valência que ajuda a «prevenir amputações»
"Prestamos cuidados na patologia ulcerativa, mas também na pré-ulcerativa", explica Paulo Ramos, enfermeiro na USF Corino de Andrade e vice-presidente da APTFeridas.
Na sua opinião, o trabalho desenvolvido no âmbito de uma Consulta do Pé Diabético é ainda mais importante neste momento, em plena pandemia, sublinhando que "as amputações minor e major só podem ser prevenidas se se estiver atento à saúde dos pés dos diabéticos".
O especialista em feridas não tem qualquer dúvida: "Todas as USF deveriam apostar na remoção das calosidades, no tratamento das onicogrifoses, no ensino do corte da unha, na avaliação da sensibilidade do pé...."
Esta valência tem outra mais-valia, a corresponsabilização do doente: “Procuram-nos à mínima alteração, acabando assim por gerir melhor a sua patologia. Anteriormente, não tinham tanta noção dos cuidados que se devem ter diariamente e a que sintomas ou sinais devem estar atentos.”
Paulo Ramos
Paulo Ramos reconhece que este trabalho na USF é facilitado pela existência de equipamentos e não apenas pela formação dos profissionais nesta área, por isso, é com muita apreensão que vê que nem todas as unidades têm condições para fazer este trabalho:
“A Norte há menos amputações por se apostar mais nestes cuidados. Seria importante que todos os diabéticos tivessem acesso a estas consultas nos cuidados de saúde primários, sendo, por isso, necessário disponibilizar equipamentos. Os custos iniciais são muito menores do que os associados às complicações do pé diabético.”
Feridas: uma área “muito esquecida”
Para Paulo Ramos, é óbvio que a prevenção da doença e a promoção da saúde "continuam a ser um parente pobre”. Contudo, especificamente no que às feridas diz respeito, considera que o cenário ainda é mais desanimador e preocupante:
“É muito esquecida, não se lhe dá a devida atenção e nem sempre existe um continuum nos cuidados, com as consequências que daí advêm. Com meios e formação, pode-se e deve-se iniciar o tratamento nos cuidados de proximidade, o que promove, inclusive, a adesão terapêutica e a mudança de estilos de vida, quer no pé diabético como noutras patologias que podem provocar feridas.”
Mais do que a redução de custos, "é devolver a qualidade de vida"
A situação agrava-se ainda mais quando essa resposta também escasseia nos cuidados secundários. “Os doentes andam um pouco perdidos no sistema, podendo comprometer a sua recuperação. Sou formador pela APTFeridas e pela Comissão de Feridas da ARS Norte e uma colega contou-nos que tinha uma doente, com 90 anos, que já tinha uma ferida há 50 anos e que, após aplicar o que aprendeu com a nossa equipa, conseguiu que a mesma cicatrizasse em apenas 9 meses."
E sublinha: "Repare-se na diferença que fez investir-se na formação e no tratamento das feridas... Não se trata apenas de custos diretos e indiretos, mas principalmente de devolver a qualidade de vida a esta senhora...”
São precisamente estas histórias que levam Paulo Ramos a defender cada vez mais a capacitação dos enfermeiros, e também dos médicos, assim como a criação de centros de excelência:
“Mesmo quando há resposta nos CSP, existem situações clínicas que exigem seguimento no hospital, mas aí falham as respostas. A solução tem que passar necessariamente pela criação de centros de excelência, como acontece na maioria dos países europeus, que contam com equipas multidisciplinares para ajudar o doente com ferida.”
"Temos uma noção global do que se passa com o doente”
Espcificamente quanto ao papel dos enfermeiros nesta área, Paulo Ramos considera que são cada vez mais solicitados. “Existe um maior reconhecimento do nosso papel interpares e mesmo a nível interprofissional, pedindo-se apoio a quem se sabe ter experiência.”
E acrescenta: “O enfermeiro com formação pós-graduada em feridas tem cada vez mais um papel pivô nas equipas multidisciplinares, sendo muitas vezes quem faz a articulação com os restantes elementos da equipa. Temos uma noção global do que se passa com o doente.”
Pandemia: "Não estamos parados"
À semelhança de tantos colegas de outras unidades, Paulo Ramos desdobra-se em mil e uma tarefas covid e não covid, manifestando alguma frustração por ver que há quem pense que não estão a fazer nada.
“Eu e os meus colegas – e não apenas os enfermeiros – estamos assoberbados com muitas responsabilidades, que passam por tudo o que diga respeito à covid-19, como a plataforma Trace-covid e respetivos contactos diários, assim como pela vacinação das crianças, a vacina da gripe ou o acompanhamento na Saúde Materna e na Saúde Infantil, entre outras. Não estamos parados!”
"Não abandonamos ninguém"
É, assim, com alguma desilusão que ouve utentes a queixarem-se de que foram abandonados. “Aconteceu-me no outro dia... Isto é muito complicado, porque tivemos, inclusive, autoridades de saúde a indiciarem que não estamos no ativo... Aqui nesta USF até já contactámos as crianças para fazerem as novas vacinas do Plano Nacional de Vacinação, como a do HPV para rapazes!”
No meio da desinformação, o enfermeiro relembra que há também um outro lado da moeda, que o ajuda a “levar o barco” para a frente: “Ouvimos constantemente os doentes covid, que contactamos todos os dias, a elogiar o nosso trabalho. Isso é gratificante. Podemos estar limitados no que fazemos, mas não abandonamos ninguém e seria importante passar essa mensagem à população.”
Círculo de Feridas: "Um arranque absolutamente fenomenal"
Com o propósito de amplificar a partilha de "conhecimento na área da Prevenção e Tratamento de Feridas", a APTFeridas lançou há dias um novo projeto. Intitulado Círculo de Feridas, reúne mensalmente alguns especialistas para, de forma gratuita e online, partilharem a sua experiência e promoverem um "confronto de ideias e disseminação de informação".
O enfermeiro, que é membro do Conselho da EWMA - European Wound Management Association e tem um Mestrado em “Feridas e Viabilidade Tecidular” pela Universidade Católica do Porto, classifica este primeiro webinar como "um arranque absolutamente fenomenal" e percebe-se desde logo porquê. O debate chegou a reunir mais de 300 participantes em direto.
Por outro lado, na reunião foi lançado, "em primeiríssima mão", o White Paper "Abordagem à pessoa com lesões de pele associadas à humidade", da autoria do grupo de peritos da APTFeridas.
Jornal distribuído em todas as unidades de cuidados primários do SNS.
Porque as boas práticas merecem uma ampla partilha entre profissionais!