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Doentes com problemas respiratórios graves deixam de estar «em prisão domiciliária»

Há vários anos que D. Maria não saía à rua por causa da absoluta necessidade de ventilação mecânica prolongada (VMP). O medo de ficar sem ar manteve-a fechada em casa, com todas as implicações associadas, nomeadamente para a sua saúde mental. Há poucos meses tudo mudou, tendo conseguido deslocar-se até ao café mais próximo.

Um passo de gigante para esta doente com problemas respiratórios que só conseguiu fazer o que fez com a ajuda da equipa do projeto CAI_VENT do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).

Este é um dos casos destacados por Miguel Gonçalves, fisioterapeuta do Serviço de Pneumologia e do Serviço de Medicina Intensiva do CHUSJ e que coordena o projeto juntamente com Teresa Honrado, médica do Serviço de Medicina Intensiva. “Geralmente não se tem noção do impacto da doença respiratória crónica grave, que exige VMP de 12 horas a 24 horas por dia. Estas pessoas, sem este apoio, morrem.

E sem ajuda acabam por se isolar, desenvolvendo quadros depressivos e ansiosos que em nada contribuem para a sua qualidade de vida, além de a patologia base progredir mais rapidamente”, diz o responsável.


Teresa Honrado e Miguel Gonçalves

"Os doentes e os cuidadores estavam perdidos”

Estando na área da Fisioterapia Respiratória há cerca de 20 anos, Miguel Gonçalves recorda-se bem de como antigamente os doentes estavam “condenados”. “Não existiam os ventiladores e monitores que temos hoje em dia, morrendo precocemente e em grande sofrimento.” Com o passar dos anos, a tecnologia evoluiu muito, contudo, notou-se que havia várias lacunas na acessibilidade a cuidados.

“Nem todos tinham acesso aos aparelho que mais se adequavam à sua condição clínica, estes nem sempre eram utilizados da forma mais correta e a ajuda cingia-se às empresas privadas de cuidados respiratórios, que não conseguiam dar o apoio médico necessário, e às consultas, por vezes semestrais, no hospital de referência”, aponta Miguel Gonçalves.

Realidade que obrigava a uma mudança para se evitarem as idas constantes às urgências e o internamento quase certo em unidades de cuidados intensivos e intermédios durante oito ou mais dias. “Quer os doentes como os cuidadores estavam perdidos”, desabafa o nosso interlocutor.


Miguel Gonçalves

Foi este cenário, a que ainda se assiste em muitos locais do país, que se pretendeu alterar com a implementação do projeto CAI_VENT, que envolve os serviços de Medicina Intensiva e de Pneumologia do CHUSJ, o ACES Maia/Valongo e o ACES Porto Oriental, mas não só.

Entre os parceiros estão também empresas privadas de equipamentos respiratórios domiciliários e entidades representativas de doentes com insuficiência respiratória crónica: a Associação Portuguesa de Pessoas com DPOC e Outras Doenças Respiratórias (RESPIRA), a Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA) e a Associação Portuguesa de Doentes Neuromusculares (APN).


Uma intervenção da equipa na casa de Maria Augusta Paranhos

Fase piloto do projeto termina no final do ano

O projeto surgiu perante os muitos casos de doentes respiratórios crónicos que chegam ao CHUSJ, pelo que “foi preciso dar uma resposta mais adequada, porque estava em causa a qualidade de vida destas pessoas" refere Teresa Honrado. 

A médica esclarece que, neste contexto, "decidimos fazer a candidatura ao Programa de Incentivo à Integração de Cuidados e à Valorização dos Percurso dos Utentes no Serviço Nacional de Saúde. A ideia consistia no desenvolvimento do atual Centro de Apoio Integrado ao Doente com Ventilação Mecânica Prolongada (CAI_VENT)."

Como explica, “o objetivo era promover o alinhamento e a complementaridade das diferentes partes, no âmbito intra e extra-hospitalar, criando um sistema multidisciplinar de cuidados que fosse além dos intensivos e intermédios – e do próprio hospital –, permitindo antecipar com segurança o retorno ao domicílio dos doentes com indicação para VMP”.



Nesse sentido, exigia-se a parceria com os cuidados de saúde primários. “Foi assim possível promover a continuidade no domicílio com qualidade e segurança, garantindo a acessibilidade à equipa de saúde durante 24 horas e um programa de visitas domiciliárias multidisciplinares com elementos das diferentes partes envolvidas”, menciona Teresa Honrado.

E é o que tem acontecido desde o início de 2019, após um período experimental com pacientes menos graves. Face aos resultados positivos então obtidos, o projeto avançou para uma fase piloto, que termina agora no final do ano. Envolve, atualmente, o acompanhamento de 46 utentes.

A população-alvo são os doentes acompanhados no CHUSJ (internamento e consulta externa) que pertencem à sua área de referência (ACES Maia/Valongo e ACES Porto Oriental), com indicação para VMP superior a 12 horas por dia e que tenham um cuidador em casa.



Resposta integrada para “os doentes da porta giratória”

Miguel Gonçalves revela quais são as patologias mais comuns: “As principais são as patologias pulmonares avançadas (DPOC grave, patologia do interstício, fibrose quística), as doenças neuromusculares (esclerose lateral amiotrófica e distrofias musculares, entre outras), alterações da parede torácica e síndromes de hipoventilação/obesidade grave.

Muitas destas condições clínicas, no passado, acabavam frequentemente na traqueotomia e na ventilação invasiva. “Com o CAI_VENT podemos evitar esse procedimento, porque existe uma maior monitorização, o que contribui inevitavelmente para um maior bem-estar e qualidade de vida.”

E acrescenta: “Está a aumentar o número de pessoas que sobrevivem a episódios que motivam a necessidade de VMP. Se não forem acompanhadas devidamente acabam por desenvolver infeções respiratórias frequentes, aumentando as idas à urgência e os internamentos prolongados em cuidados intensivos e intermédios, com elevados custos associados e um maior risco de infeções hospitalares.”


Maria Augusta Paranhos (ao centro): "Eu vivia na cama, agora levanto-me, vejo computador na sala e se me cansar sei muito bem o que fazer. Sinto-me muito apoiada."

Miguel Gonçalves descreve estes doentes como “os de porta giratória” que, antes do CAI_VENT, entravam e saíam do hospital várias vezes durante o ano e que voltavam a casa para ficarem, como diz, “em prisão domiciliária”. Ou então, numa fase terminal da doença, eram internados nos serviços de cuidados paliativos, mesmo que não fosse de todo necessário por ainda terem potencial de sobrevida e qualidade de vida.

“Além de se ocuparem camas desnecessariamente, estávamos a privá-los de ficarem junto da sua família, no conforto do lar”, sublinha.

Como a transição para o domicílio é “um processo moroso”, o responsável vê assim, neste projeto, a “luz de esperança” para os doentes e seus cuidadores:

“Embora estejamos no terreno há muito pouco tempo, a verdade é que já temos pessoas que deixaram de estar acamadas e que até vão à rua beber café, passear no jardim ou vão mesmo até à praia, apesar de dependerem a 100% de um equipamento de suporte ventilatório. Isto é espantoso!”


Elementos que integram o projeto CAI_VENT

Um projeto inclusivo e extensível às urgências

Com o CAI_VENT, há visitas domiciliárias regulares, organizadas em conjunto com as equipas dos agrupamentos de centros de saúde (ACES) e dos cuidados continuados integrados (ECCI), podendo também estar presentes, quando necessário, profissionais das empresas de equipamentos.

Nos casos urgentes também se pode pedir apoio, existindo para o efeito uma linha telefónica a funcionar 24 horas/dia, 7 dias por semana.

“O contacto telefónico permite a acessibilidade permanente dos doentes e dos parceiros envolvidos e a coordenação de respostas urgentes ao domicílio, com o objetivo de evitar a ida às urgências, onde estas pessoas estão suscetíveis a infeções graves e outras complicações”, sublinha Miguel Gonçalves.

Nas situações emergentes "também se garante uma resposta". De facto, quando não se consegue evitar a ida às urgências, assegura-se, contudo, a partilha de informações clínicas e a continuidade de cuidados. Desta forma, garante, cria-se “um fluxograma clínico para o doente com VMP no domicílio, estabelecendo-se protocolos de referenciação e estratégias terapêuticas conjuntas para se diminuir a permanência nas urgências”.



Ainda antes de 2019 acabar, espera-se que esteja operacional a central de telemonitorização: “O objetivo é vigiar os doentes 24 horas à distância e isso é possível porque os ventiladores domiciliários estão equipados com sistemas tecnológicos (modem, software)."

Assim, refere o fisioterapeuta, "um profissional de saúde consegue avaliar os valores da oximetria de pulso, os parâmetros ventilatórios e a adesão terapêutica, a fim de detetar precocemente alterações e proceder à mudança de parâmetros remotamente ou através das equipas domiciliárias, em articulação com as dos CSP.”

Miguel Gonçalves e Teresa Honrado não têm dúvidas de que o sucesso também se deve ao facto de os cuidados de saúde primários e as empresas de cuidados respiratórios domiciliários fazerem parte da equipa, tendo “um papel fundamental”.


A caminho de nova visita domiciliária...



A reportagem completa sobre o projeto CAI_VENT, onde são entrevstados profissionais dos ACES Porto Oriental e Maia-Valongo, pode ser lida no Jornal Médico dos cuidados de saúde primários de novembro 2019.

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