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Unidade Mais Sentido: Cuidados paliativos para doentes com insuficiência cardíaca avançada

Usualmente, as unidades de Cuidados Paliativos ou as equipas intra-hospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos desenvolvem uma abordagem genérica dirigida a múltiplas patologias.

A Unidade Mais Sentido, que designa o Hospital de Dia de Cuidados Paliativos de Insuficiência Cardíaca Avançada, localizado no Hospital Pulido Valente (CHULN), vem romper com esta tradição e criar um novo conceito assistencial, surgindo como a primeira resposta integrada exclusiva a estes doentes.

Para Luís Parente Martins, seu coordenador e mentor, a grande diferença consiste no tipo de assistência que é prestada e no momento em que ela é iniciada. “Tipicamente, os cuidados paliativos são requeridos já numa fase terminal da doença, com vista apenas a tratar sintomas, para que o sofrimento dos doentes seja o mais reduzido possível”, explica.


Luís Parente Martins

Na Unidade Mais Sentido, e porque “esta tendência está a mudar radicalmente, os cuidados paliativos são uma resposta a uma necessidade que vai além do sofrimento físico, abarcando o sofrimento holístico de ‘dor total’”, destaca.

De facto, além do sofrimento físico, associado à dispneia, ao edema ou à dor, “os doentes com IC crónica sofrem em vários domínios, desde o psicológico ao ambiental ou social”.

Por isso, defende o cardiologista, “considerar apenas a condição física representa uma forma de abordagem muito redutora”. Para si, é essencial “avaliar os doentes e as suas necessidades de forma global”.



Doentes são encaminhados "cada vez mais cedo”

Também Sara Correia, a enfermeira coordenadora da Unidade Mais Sentido, que está de mãos dadas com Luís Parente Martins desde a origem do projeto, distingue que os cuidados que prestam “não são dirigidos a doentes terminais, mas sim a doentes paliativos”.

Esta diferença tem vindo a ser cada vez mais reconhecida pelos agentes de referenciação, nomeadamente os cuidados de saúde primários, as unidades hospitalares e os consultórios privados, que para ali “encaminham os doentes cada vez mais cedo”, correspondendo estes, hoje em dia, a uma faixa etária atualmente compreendida entre os 50 e os 95 anos.


Sara Correia

Por outro lado, o facto de a evolução da doença ser caracterizada como “descendente ondulante, ao contrário da patologia oncológica, que tem como prognóstico um trajeto descendente, abre a possibilidade de se corrigir ou controlar a causa e tratar a descompensação dos doentes”, afirma Luís Parente Martins.

Esta configuração, adianta, contribui para a “promoção de uma esperança que é, de facto, real, porque o prognóstico comporta consideráveis melhorias e quebras”.

Sara Correia alerta para a dimensão singular dos cuidados paliativos na IC, que carece de “uma integração o mais cedo possível”. Como  doença crónica e progressiva que é, “traremos mais qualidade de vida aos doentes quanto mais cedo as medidas paliativas forem incluídas nos seus planos assistenciais”.



Também a anterior desproteção destes doentes em relação aos oncológicos contribuiu para a implementação desta Unidade. Tal como sublinha o seu coordenador, estes últimos “beneficiavam de uma metodologia que lhes é muito útil, enquanto os doentes de órgão, sejam eles insuficientes cardíacos, renais ou respiratórios, não tinham essa possibilidade”.

Apesar de a estrutura ser a única a nível nacional com estas características, a enfermeira admite que “poderiam ser integradas pequenas intervenções paliativas nos diferentes serviços da área cardiovascular”.

 “A IC avançada regista uma mortalidade superior à maioria das neoplasias”

“Em tempos, quando os doentes sofriam um enfarte, registava-se uma elevada taxa de mortalidade. Atualmente, sobrevivem a vários eventos cardíacos e doenças ao longo da sua vida, chegando até ao patamar da insuficiência cardíaca”, começa por referir Roberto Palma dos Reis, coordenador da Unidade de Cardiologia do Hospital Pulido Valente.

Se, por um lado, este cenário representa o sucesso da evolução da Medicina, o paradoxo surge quando se identifica que, “independentemente das melhores terapêuticas, estes doentes com IC continuam a sofrer e a morrer muito”.  

Como indica, a taxa de mortalidade das classes III ou IV, em cinco anos, situa-se na ordem dos 50%.Nas palavras do cardiologista, “a IC regista, inclusivamente, uma mortalidade superior à maioria das neoplasias”, mas, ao contrário destas últimas, “está muito limitada em termos de cuidados paliativos”.


Roberto Palma dos Reis

Por outro lado, “temos muitas armas para tratar a dor, mas poucas para tratar a dispneia”, o que, na sua opinião, vem reforçar a necessidade de existir um maior investimento em espaços dedicados aos cuidados paliativos para esta doença, que “é cada vez mais frequente”.

Esta assistência, segundo o nosso interlocutor, é fortemente reconhecida pelos doentes, que “sentem que são bem acompanhados e agradecem muito o apoio, às vezes, até de uma forma desproporcional”.



A importância da centralização dos cuidados no doente

Subindo ao 2.º andar do Edifício D. Carlos e entrando na Unidade de Cardiologia, a sala da Unidade Mais Sentido surge não como um espaço de internamento, preenchido por múltiplas camas, mas sim de ambulatório, dividido em várias zonas de trabalho e decorada com relógios diversos, bússolas, ampulhetas e espelhos.

Sem tardar, Luís Parente Martins adianta que todos os elementos se enquadram na filosofia dos cuidados paliativos modernos. Invocando a sua fundadora, Cicely Saunders, identifica dois aspetos muito importantes:

“Primeiro, é fundamental que os doentes morram em paz e, segundo, que até lá vivam da melhor forma possível.” Distribuídos pelas paredes, com vários tamanhos e feitios, o relógios visam “lembrar a importância de viver cada momento e dar sentido a cada minuto, com base numa esperança realista”, destaca.

Mas há um pormenor: todos os relógios marcam uma hora distinta para enfatizar que “cada doente tem o seu tempo e vive a doença de uma forma e a um ritmo diferente”.

O importante é “enfrentar o desafio de dar mais sentido àquela que é a vida de cada um e ao tempo que ainda lhe resta”, máxima esta que esteve na origem do nome da Unidade.


Neste seguimento, os espelhos visam “criar um espaço de introspeção, em que os doentes possam olhar para si mesmos, refletir sobre as suas vidas e rever todos os momentos que foram importantes”.




As boas práticas merecem uma ampla partilha!

A reportagem completa, onde são entrevistados uma dezena de profissionais da Unidade Mais Sentido, pode ser lida na edição de janeiro/fevereiro 2021 do Hospital Público.

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