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Cuidados primários: utentes do ACES Cávado I - Braga já têm Consulta de Medicina Sexual

Disfunção erétil, doenças do pavimento pélvico, baixa autoestima por não se aceitar o próprio corpo ou bullying por se ser não-binário são situações que já passaram pela Consulta de Medicina Sexual do Agrupamento de Centros de Saúde Cávado I – Braga. Criada em setembro de 2021, conta com o apoio de uma equipa multidisciplinar, que inclui uma médica de Medicina Geral e Familiar, uma enfermeira, uma fisioterapeuta e um secretário clínico.

A sua coordenadora é Ana Filipa Vilaça, médica de família com competência em Sexologia, que logo na primeira consulta começa por fazer uma avaliação global para compreender o problema e as principais dificuldades de quem tem à sua frente, estabelecer um plano terapêutico e perceber que recursos serão necessários.

 
 Ana Filipa Vilaça

Ter tempo para escutar o que mais perturba o casal ou quem pede ajuda é a grande mais-valia desta consulta específica, até porque tem sempre que se criar um ambiente de confiança. “As pessoas têm que se sentir confortáveis ao falar da sua vida íntima, sabendo que quem as escuta é um profissional que pode ajudar a encontrar uma solução”, sublinha Ana Filipa Vilaça, que também coordena o Grupo de Estudos da Sexualidade da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

Para que a situação seja exposta da forma mais sincera possível, é necessário que o utente, quando questionado pelo médico, não se sinta incomodado, ou até intimidado, seja pelo tom de voz ou pela expressão corporal.

“Infelizmente, o percurso formativo do médico de família tem uma grande lacuna em matéria de sexualidade, mas a função sexual deve constar da avaliação holística dos cuidados de saúde primários”, afirma a nossa interlocutora.

“Temos que nos desfocar da relação coital!”

Na Consulta de Medicina Sexual, relativamente à qual o número de referenciações tem aumentado, tanto aparecem jovens de 20 anos como idosos com 80. As causas que levam a diminuição da libido, dispareunia ou disfunção erétil podem estar em doenças orgânicas, mas também psicológicas, daí que para cada caso haja uma resposta mais adequada, podendo esta ser, às vezes, ser “extremamente simples”. Exemplo disso é a mulher que na menopausa, devido a secura vaginal, evita ter relações sexuais por sentir dores.
 
“Basta prescrever um lubrificante para se evitar uma crise na relação conjugal e até o desenvolvimento de quadros ansiosos e depressivos”, indica Ana Filipa Vilaça.

Quando se trata de uma doença orgânica, como incontinência urinária ou disfunção erétil, a resposta pode passar pela administração de terapêutica adequada, mas também por uma mudança de paradigma.

“Temos que nos desfocar da relação coital! A sexualidade não se resume a sexo, assim como sexo não é apenas penetração! Infelizmente, ainda impera essa ideia na sociedade, quer entre os mais idosos como entre os mais novos”, lamenta a nossa interlocutora.



No seu entender, ainda há muito trabalho a fazer nesta área, sobretudo na própria comunidade, para que se entenda que a sexualidade também é afetividade, emoções e respeito. “Mesmo no ato sexual em si, caso haja impossibilidade de penetração, pode-se receber e dar prazer de outras formas”, lembra.

Outro aspeto a que se dá atenção tem que ver com o conhecimento da anatomia humana, porque “a maioria das pessoas não tem noção do corpo, das diferentes zonas que podem dar prazer, havendo casais que nunca falaram sobre este assunto e que, por mais anos que estejam juntos, desconhecem o (a) parceiro (a)”.

“A educação sexual começa no seio da família”

As disfunções sexuais e pélvicas têm um enorme impacto sobre a saúde sexual das pessoas. Vários problemas, como o sexo doloroso, a falta de prazer sexual e a incapacidade de atingir o orgasmo, as disfunções eréteis e as incontinências urinárias, entre muitos outros, exacerbam ainda mais a sensação de a saúde sexual estar “fragmentada”, segundo a fisioterapeuta Ana Raquel Rodrigues, que adianta:

“Muitos/as dos/as utentes que acompanhamos falam sobre a perda da sua sexualidade por se sentirem ‘menos homens/mulheres’ e ainda há uma grande barreira para os/as que procuram ajuda.”

A fisioterapeuta lembra que ainda impera na sociedade a ideia de que a dor durante o sexo, principalmente no pós-parto, é normal, assim como a incontinência urinária é frequentemente vista como algo que pode acontecer. Para quebrar estes preconceitos, Ana Raquel Rodrigues incentiva, assim, as mulheres a falar das suas dúvidas ou preocupações na Consulta do Puerpério.


Equipa multidisciplinar da Consulta de Medicina Sexual: Eurico Gomes (secretário clínico), Ana Filipa Vilaça (médica de família), Sílvia Vilela (enfermeira) e Ana Raquel Rodrigues (fisioterapeuta)

“É essencial a formação dos profissionais e educadores”

Para a enfermeira de família Sílvia Vilela, os CSP são “fundamentais e privilegiados na promoção e na educação para saúde”, assim como a Escola, mas “a educação sexual deve começar no seio da família”.

Tal como as colegas, salienta que existe um enorme desconhecimento do corpo humano, não se podendo esquecer diferentes condicionantes, tais como a forma como a sociedade aborda a sexualidade, a família, a cultura e as crenças religiosas, entre outros fatores.

Em suma, é preciso “um trabalho em rede para que a sexualidade seja abordada naturalmente desde a infância, inclusive no jardim de infância”. Uma condição que passa, designadamente, por os pais falarem sobre esta questão sem constrangimentos e pela compreensão das diferentes fases de desenvolvimento da criança. “É essencial a formação dos profissionais e educadores”, salienta.


Sílvia Vilela

Tendo já integrado a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Braga, Sílvia Vilela faz questão de lembrar que, nesta área, é preciso abordar o respeito pelo outro e alertar para a violência nas relações de intimidade. Simultaneamente, é preciso estar atento à dependência das redes sociais:

“A Internet tem coisas boas e más. Contudo, é necessário refletir sobre as relações à distância e a dificuldade que se tem depois, presencialmente, em estabelecer esse contacto.”

"Temos que trabalhar para uma comunidade livre"

Todas estas matérias acabam por ser exploradas na Consulta, acrescentando-se também a discriminação em torno do género. Para Ana Filipa Vilaça, cabe igualmente aos profissionais de saúde ajudar a comunidade LGBTIQA+:

“Felizmente, a diversidade faz parte da população. Temos que trabalhar para uma comunidade livre, em que cada pessoa se possa sentir socialmente aceite com as suas diferenças.”

O trabalho da equipa é, assim, muito vasto, dependendo das causas que estão por detrás de uma vida sexual infeliz. Nos próximos tempos, esperam-se mais referenciações, porque quem pediu ajuda já viu a sua vida mudar. “Os sorrisos vistos  nesta consulta são muito compensadores”, realça a médica.


Testemunha disso é também o secretário clínico Eurico Gomes, que agenda as consultas e que recebe os utentes, procurando que todos tenham resposta o quanto antes. É também ele que está sempre atento à privacidade de quem chega à Unidade.

No futuro, que se gostaria que fosse o mais breve possível, a equipa espera contar com a colaboração mais permanente de uma psicóloga e de poder ter materiais de apoio para a educação dos utentes e para uma melhor adesão e sucesso dos tratamentos.

O interesse pela Sexologia começou na faculdade


Ana Filipa Vilaça, 33 anos, natural de Braga, fez o internato de MGF no ACES Cávado I Braga. Tem um mestrado integrado em Medicina pela Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho e uma pós-graduação em Geriatria pela FMUP, assim como em Sexologia Clínica e Terapia de Casal, pelo Instituto Português de Psicologia do Porto.


Foi após terminar a especialidade de MGF que criou uma Consulta de Medicina Sexual no ACES Baixo Vouga, tendo mantido esta área de interesse na USF Saúde Oeste, onde é médica de família desde maio de 2021. O interesse pela Sexologia surgiu durante a Universidade e, particularmente, num trabalho que desenvolveu no internato de MGF. Atualmente, é coordenadora do Grupo de Estudos da Sexualidade da APMGF.



A reportagem pode ser lida no Jornal Médico dos cuidados de saúde primários de julho.

Dirigida a profissionais de saúde e entregue nas USF e outras unidades dos cuidados primários do país, esta publicação da Just News tem como missão a partilha de boas práticas, de boas ideias e de projetos de excelência desenvolvidos no âmbito do SNS, facilitando a sua replicação.

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