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«Nem sempre os doentes com asma se queixam. É preciso fazer perguntas para um diagnóstico precoce»

Apesar de a asma não ser uma doença desconhecida, ainda há quem chegue às urgências hospitalares com crises de agudização que exigem tratamento em unidades de Cuidados Intensivos. Para Ana Mendes, imunoalergologista e coordenadora do Grupo de Interesse da Asma da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC), esta realidade tem duas justificações: sintomas não detetados numa fase inicial e abandono da terapêutica.

“A asma existe e é uma doença crónica. Os médicos, nomeadamente os de Medicina Geral e Familiar – primeira linha de cuidados –, devem estar atentos a sintomas que podem passar despercebidos, como tosse de predomínio noturno, cansaço, falta de concentração na escola e dificuldade em manter o rendimento no trabalho”, especifica a médica, que também é responsável pela Unidade de Asma Grave do CHU Lisboa Norte.

A especialista alerta, inclusive, para a necessidade de os médicos de família questionarem os doentes sobre esta sintomatologia, que é muitas vezes desvalorizada pelos próprios: “Nem sempre se queixam, por isso, é preciso fazer perguntas, para que haja um diagnóstico precoce e o tratamento mais adequado desde as fases mais iniciais da patologia, quer nos cuidados de saúde primários como no hospital, sempre que necessário.”

Ana Mendes apela assim ao diagnóstico precoce: “A asma é uma doença crónica cada vez mais prevalente, sobretudo entre os mais jovens, no entanto, ainda é pouco valorizada, inclusive, pelos próprios doentes, o que pode levar à morte.”

Continuando: “Ainda é um estigma e não é vista como uma patologia crónica que é, tendo que ser tratada como a hipertensão ou a diabetes, entre outras doenças. Não pode continuar a ser assim.”

(In) Formação para combater a não adesão terapêutica

A fase assintomática é uma das razões que mais contribui para a desvalorização da asma, na perspetiva de Ana Mendes: “Como muitas vezes os doentes têm períodos em que não sentem nada, esquecem-se que são asmáticos e abandonam a terapêutica. Aderem ao tratamento apenas nas crises mais agudas, o que é um erro. E as consequências podem ser muito negativas...”

Como menciona, “o objetivo é que a asma esteja controlada, o que significa ter o mínimo de crises ou não ter mesmo qualquer episódio por um longo período de tempo. Sentir-se bem não é sinal de que não precisa da medicação, aliás, a pessoa está controlada precisamente por causa do tratamento”.


Ana Mendes

A situação agrava-se ainda mais com a dificuldade no uso de inaladores: “Neste caso específico, há dois aspetos a considerar: o seu uso inadequado e o abuso dos inaladores de rápida ação, que são muitas vezes vendidos na farmácia sem receita médica, o que é um risco.”

Segundo Ana Mendes, “o abuso de agonistas adrenérgicos beta 2 de ação curta (SABA) inalados está muito associado ao abandono do tratamento base, que inclui a componente anti-inflamatória, pondo em causa o bem-estar, o prognóstico ou até a própria vida, como se pretende alertar este ano no Dia Mundial da Asma”.

Deve, assim, haver mais informação para a população: “Fala-se muito de hipertensão e de como é um fator de risco para doenças cerebrovasculares, como o acidente vascular cerebral, e de como pode ser fatal, mas não se veem campanhas de massa relativamente à asma. Seria importante alertar para o impacto do não tratamento adequado desta doença respiratória, que também pode matar.”


O principal alvo destas ações deve ser o doente mais jovem, desde logo porque “a incidência e a prevalência da doença estão a aumentar junto dos mais novos, por isso, é fundamental ter informação impactante”. Além da “irreverência” dos adolescentes e jovens adultos, “nas crianças a não adesão poderá dever-se, por um lado, ao facto de não verbalizarem certos sintomas e, por outro, ao receio dos pais em darem determinado tipo de medicação, sobretudo quando se trata de corticosteroides”.

Mesmo assim, Ana Mendes reconhece que “toda a informação é sempre pouca”, daí que seja necessário “uma certa saturação”, como já acontece, de alguma forma, na diabetes ou na hipertensão. “Somente dessa forma se vai conseguir, lentamente, mudar o paradigma e encarar a asma como a doença crónica que é, com necessidade de medicação, pondo de lado o estigma de se tratar de uma patologia de menor importância”, enfatiza.

E dá um exemplo de como a medicação faz a diferença: “Tinha um jovem que gostava muito de jogar futebol, mas só conseguia ser guarda-redes, porque não era capaz de correr. Após ter a asma controlada, já consegue jogar na posição que sempre quis.”

As vantagens não se limitam a ser de curto e médio prazo. “Temos que pensar também nas repercussões a longo prazo, sobretudo no que diz respeito à própria função pulmonar. Quando não controlada, a asma pode conduzir a alterações irreversíveis da via aérea e comportar-se como uma doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), em que a pessoa fica constantemente com falta de ar, podendo necessitar de oxigenoterapia a tempo parcial ou inteiro”, sublinha a imunoalergologista.

O impacto da doença afeta, no fundo, toda a sociedade: “A patologia respiratória crónica tem graves consequências em termos de absentismo laboral, reformas antecipadas, (re) internamentos e tratamentos mais dispendiosos... Tudo isto pode ser evitado!” Ana Mendes espera que a mensagem deste ano do Dia Mundial da Asma 2020 – “Enough Asthma Deaths” – possa ser ouvida e apreendida “nos quatro cantos do mundo”.

“A Imunoalergologia é uma especialidade muito estimulante”

Ana Mendes tem 45 anos e é natural de Lisboa. Sempre quis ser médica e o sonho concretizou-se quando entrou na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.


Após terminar a especialidade, em 2006, manteve-se na casa que a formou, o Hospital de Santa Maria, que integra hoje o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Atualmente, é responsável pela Unidade de Asma Grave do Serviço de Imunoalergologia e, além de ser coordenadora do Grupo de Interesse da Asma da SPAIC, é uma das coordenadoras do Sul da Rede de Especialistas em Asma Grave (REAG).

Ao longo dos anos, têm sido vários os doentes que se tornaram visita constante no Serviço que conhece desde os tempos de faculdade. “Já acompanho filhos de doentes!” O que mais a
atrai na Imunoalergologia é a constante novidade. “É uma especialidade muito estimulante, já que todos os meses se descobrem coisas novas.”



Entrevista publicada na edição de maio do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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