«Deve-se avaliar o grau de fragilidade do idoso antes de decidir uma terapêutica»

Copresidente das VII Jornadas Multidisciplinares de MGF, Manuel Viana vai refletir sobre o tema no segundo dia do evento, que decorre entre 20 e 22 de março, numa sessão intitulada “Idoso frágil – o que saber para melhor tratar?” Não é a primeira vez que o faz, tendo já abordado o assunto, nomeadamente, em edições anteriores desta reunião, por o considerar de “primordial importância”.

“O que interessa no envelhecimento não é a idade cronológica, mas a biológica. O que conta é o idoso ser ou não robusto, porque, se o for, até pode ter 85 anos e, nesse caso, ser
tratado como os doentes mais novos.

Em contrapartida, se estivermos perante um idoso frágil, as intervenções diagnósticas e sobretudo terapêuticas terão que ser adaptadas ao grau de fragilidade que apresentar”, esclarece o médico, que exerce na USF de São João do Porto, unidade que integra a ULS de Santo António.

Manuel Viana vai focar-se em duas doenças muito prevalentes na prática clínica da Medicina Geral e Familiar: a hipertensão e a diabetes. Mas não deixará de fazer referência a outras patologias igualmente frequentes nos idosos, como a estenose aórtica. “Os nossos colegas cardiologistas dispõem, hoje em dia, de escalas de avaliação de fragilidade que os ajudam a decidir o que fazer, perante o doente e a sua família, em função dos riscos de incapacidade ou até de falecimento”, sublinha.


Manuel Viana

As guidelines publicadas em 2023 pela Sociedade Europeia de Hipertensão propõem, pela primeira vez, a avaliação geriátrica do doente antes de haver uma decisão terapêutica, que condicionará, nomeadamente, os valores alvo de pressão arterial a atingir.

Entretanto, segundo Manuel Viana, as guidelines produzidas pela Sociedade Europeia de Cardiologia, já em 2024, “não são substancialmente diferentes”.

“Se estivermos perante um caso de grande fragilidade, o tratamento tem que ser necessariamente individualizado, privilegiando o conforto e a qualidade de vida, prestando muita atenção às comorbilidades e, se decidirmos medicar, usaremos a estratégia ‘start slow, go slow’, com monoterapia, para evitar a iatrogenia”, refere Manuel Viana, acrescentando:

“Por exemplo, o excesso de medicação hipertensiva num idoso frágil pode levar a quedas, que constituem uma das síndromes geriátricas mais prevalentes. Efetivamente, quando provocam uma fratura do colo do fémur ou um traumatismo cranioencefálico, podem ter consequências tão ou mais graves do que as doenças para a prevenção das quais nós prescrevemos uma terapêutica anti-hipertensora.”

Um dos problemas que Manuel Viana identifica é a circunstância de não existir uma única escala que avalie o grau de fragilidade do idoso validada para todos os diferentes tipos de populações a nível mundial, o que dificulta a avaliação deste tão importante problema de saúde. Por exemplo, comparando Portugal com a Noruega, a esperança média de vida em ambos é semelhante e comparável à de outros países desenvolvidos. Verifica-se, contudo, que os portugueses, à semelhança do que sucede com os restantes povos da Europa mediterrânica, apresentam um grau de fragilidade superior nos últimos anos de vida.

“Não existe ainda a consciência de que é necessário prevenir a fragilidade para se conseguir obter uma melhor qualidade de vida. Para isso, é preciso otimizar o tratamento das doenças que conduzem a uma maior fragilidade mas também praticar regularmente exercício físico e fazer uma alimentação cuidada”, afirma Manuel Viana.



“É fundamental haver muito mais gente com competência em Geriatria”

Manuel Viana admite ter algumas dúvidas sobre se já terá chegado o momento certo de se pensar seriamente na criação da especialidade de Geriatria em Portugal, que já existe em diversos países, a começar pela nossa vizinha Espanha. Mas tem uma certeza: “Acho fundamental que haja muito mais gente com a competência nesta área atribuída pela Ordem dos Médicos, quer entre colegas dos CSP como dos cuidados secundários.”

No seu entender, é necessário que se procure generalizar a implementação nos hospitais portugueses de unidades ou serviços de Geriatria, o que, como se sabe, está muito longe de acontecer. Mas Manuel Viana diz que até começaria por dar prioridade à introdução da cadeira de Geriatria nos currículos dos cursos de Medicina:

“Na minha opinião, é muito importante investir na formação pré-graduada, pois, a pós-graduada até já existe, como sucede, por exemplo, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, onde integro o corpo docente da pós-graduação em Geriatria.”

E, ainda: “Convém não esquecer que a Geriatria se faz a vários níveis assistenciais, desde logo porque a que se pratica no ambulatório é diferente da do hospital. Aqui, tratam-se doenças em fases mais avançadas, implicando, por exemplo, a substituição de válvulas cardíacas (como no caso da estenose aórtica) ou lida-se, por exemplo, com patologias
oncológicas (oncogeriatria).”

“O médico de família tem que saber muito de Geriatria para poder desenvolver uma boa prática clínica, mas o oncologista e o cardiologista, entre outros, também têm que ter algum conhecimento. No entanto, não há dúvida que esta exigência se aplica sobretudo a especialidades mais generalistas, que é o caso da Medicina Geral e Familiar e da Medicina Interna”, refere Manuel Viana.

Recorde-se que a proposta para a criação da Competência em Geriatria foi apresentada por um grupo de médicos à OM em 2012, tendo o seu Conselho Nacional Executivo aprovado
a mesma em 2014. O primeiro presidente, que tomou posse em janeiro de 2017, foi o internista Manuel Teixeira Veríssimo. A atual Direção do Colégio de Competência em Geriatria da Ordem dos Médicos, presidida por uma psiquiatra com diferenciação em Gerontopsiquiatria, é constituída pelos seguintes elementos:

Presidente: Lia Fernandes (Psiq)
Álvaro Ferreira da Silva (MGF)
Manuel Viana (MGF)
Lia Marques (MI)
Rafaela Veríssimo (MI)
Ana Viegas (MGF)
Paulo Sousa Almeida (MI)
Suplente: João Pedro Fonseca (MI)

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