Displasia da anca: «Praticamente 50% dos recém-nascidos apresentam fatores de risco»
Nuno Alegrete, ortopedista com a subespecialidade de Ortopedia Infantil, vai aproveitar a sua participação nas VII Jornadas Multidisciplinares de MGF para sensibilizar os médicos de família para patologias e outras situações de uma área da Medicina com a qual têm “um contacto muito marginal” na sua fase de formação pós-graduada. No caso da displasia da anca, por exemplo, “se não soubermos que ela existe, não a vamos diagnosticar”, alerta o especialista .
Nuno Alegrete
Não admira que Nuno Alegrete tenha destacado, nesta conversa com a Just News, a relevância da displasia do desenvolvimento da anca, “uma doença oculta”, como lhe chama.
Para além de não estar claramente visível como outras patologias, impressiona saber que “praticamente 50% dos recém-nascidos apresentam fatores de risco que recomendam a realização de um diagnóstico ecográfico que despiste ou confirme a existência do problema”.
O facto de se tratar do primeiro filho do sexo feminino que uma mãe vai ter, o haver registo de antecedentes familiares com esta doença, ou até a criança encontrar-se em posição pélvica durante a gravidez são apenas três de uma série de razões que obrigam a efetuar um rastreio por imagem. “Esta mensagem tem que ser passada porque o diagnóstico tardio de uma displasia da anca complica muito o seu tratamento”, frisa o ortopedista, acrescentando:
“Todos os bebés, nas primeiras consultas após o nascimento, são submetidos a um exame físico para despistar a displasia do desenvolvimento da anca. E há, inclusive, um protocolo para que alguns deles, que têm um risco acrescido de ter a doença, façam uma ecografia ou uma radiografia de rastreio, conforme a idade. Essa orientação também deve ser seguida pelos médicos de MGF.”
Nuno Alegrete lembra que, “para além dos obstetras, também os MF fazem a vigilância da gravidez e, por isso mesmo, têm um papel fundamental no diagnóstico e na orientação para uma consulta pré-natal quando confrontados com uma malformação congénita.
Veja-se o caso do pé boto, uma patologia que diz muito a Nuno Alegrete, pois, foi um dos primeiros ortopedistas em Portugal a substituir a tradicional cirurgia pelo denominado método
Ponseti, um tratamento exclusivamente conservador, que consiste em corrigir a deformidade do pé através da realização de manipulações e imobilizações gessadas seriadas, semanais.
“A maior parte das cerca de duas dezenas de casos de pé boto que trato por ano já estão diagnosticadas à nascença, tiveram até uma consulta comigo antes do parto e têm todo o plano de tratamento feito, que se inicia normalmente a partir da segunda semana de vida do bebé. Habitualmente, à 4.ª ou 5.ª semana o pé já está na posição certa”, explica o médico.
A cirurgia extensa que se realizava até há pouco mais de duas décadas para tratar o pé boto, “originando cicatrizes, rigidez e deformidades residuais”,
deu lugar a um método de tratamento em que “o único gesto cirúrgico, digamos assim, que é preciso fazer é uma tenotomia do tendão de Aquiles, realizada em consultório”.
Lesões de sobrecarga: uma preocupação
A partir da idade da marcha, prossegue Nuno Alegrete, “surgem as alterações no apoio do pé, as deformidades do joelho, as claudicações, a criança que começa a mancar...” E adverte:
“Todas estas situações também devem ser diagnosticadas e orientadas para uma consulta especializada, para ver se há necessidade de algum tratamento, ou se são apenas variantes do crescimento, o que se verifica na maior parte das vezes. Nesse caso, não é necessária qualquer intervenção, mas estas crianças devem ser acompanhadas.”
Um aspeto que preocupa o ortopedista é a circunstância de haver cada vez mais lesões de sobrecarga em atletas jovens, sendo que, sublinha: “Muitas destas crianças e adolescentes são primeiro observados pelo médico de família que, estando atento às queixas e sabendo que estas situações existem, podem orientar adequadamente para a Ortopedia Pediátrica.
A MGF tem aqui um papel determinante, até porque eu tenho a ideia de que haverá muitas lesões que não são diagnosticadas ou, pelo menos, valorizadas. Haverá mesmo pequenas fraturas que podem passar despercebidas.”
As lesões de sobrecarga preocupam sobremaneira Nuno Alegrete: “São miúdos, por exemplo, com 13 ou 14 anos, que andam no futebol, que se queixam e a quem os treinadores respondem que são dores de esforço, que é preciso aguentar! Mas o facto é que estes jovens não têm tempo de repouso suficiente para permitir a recuperação das estruturas musculares, tendinosas, ósseas e, portanto, fazem fraturas de fadiga, arrancamentos ósseos... Se os MF estiverem alerta para estas situações podem possibilitar um acompanhamento muito mais adequado destes casos.”
Consciente de que os internos de Formação Específica em MGF “têm um contacto muito marginal com a Ortopedia”, o nosso entrevistado compreende que muitos MF “fiquem desconfortáveis quando têm na sua consulta casos ortopédicos, sobretudo pediátricos”. Daí que sinta uma grande recetividade por parte da audiência quando participa como palestrante em eventos dirigidos a esta especialidade.