Doenças lisossomais de sobrecarga: «um diagnóstico atempado é de extrema importância»
As doenças lisossomais de sobrecarga (DLS) são "um grupo de doenças hereditárias do metabolismo que se manifestam com uma grande variedade de sintomas clínicos de gravidade variável", afirma Esmeralda Martins, coordenadora do Centro de Referência para as Doenças Hereditárias do Metabolismo do Centro Hospitalar do Porto.
Em declarações à Just News, a médica alerta que esses sintomas "vão desde a presença de doença multiorgânica grave e rapidamente progressiva, a casos menos graves ou até assintomáticos", sendo os mais frequentes as "alterações neurológicas, ósseas, cardiovasculares, cutâneas, oculares, hematológicas, organomelias, dismorfia facial e hidrópsia fetal".
A especialista explica que foi exatamente a partir destas manifestações clinicas mais frequentes, e com a preocupação de apoiar os médicos de família no processo de diagnóstico, que o Centro de Referência que dirige promoveu recentemente a 1.ª edição do Curso de doenças lisossomais de sobrecarga em Medicina Geral e Familiar (MGF).
A formação, que decorreu no final do mês passado, foi realizada em parceria com duas médicas de MGF: Olga Oliveira, do ACES Maia/Valongo, e Rita Matos, interna da USF S. Bento, do ACES Gondomar, contou com a organização logística da ADEMI - Associação para o Desenvolvimento do Ensino Materno Infantil e o apoio da Shire Pharmaceuticals Portugal, bem como da associação Raríssimas.
Na mesa de abertura, a ARS Norte esteve representada por Poncio Oliveira, vogal da direção, tendo também estado presente D. Joaquina Teixeira, vice-presidente da Rarissimas, Arlindo Guimas, da Unidade de Doenças Metabólicas de Adultos do CHP, Olga Oliveira, especialista de MGF, e Esmeralda Martins, que presidiu à sessão.
Evitar o desperdício de "oportunidades de intervenção efetivas"
De acordo com a responsável, tratando-se de doenças raras, a hipótese de diagnóstico "é apenas considerada após a exclusão de outras causas que se apresentam de forma similar". Este aspecto faz com que o diagnóstico seja "habitualmente tardio, sendo que este atraso pode significar que oportunidades de intervenção efetivas sejam desperdiçadas".
Esmeralda Martins faz questão de sublinhar que "um diagnóstico atempado é de extrema importância para o doente e para a família, uma vez que estamos a falar de doenças hereditárias e que, embora não exista um tratamento totalmente eficaz para todas as DLS, nos últimos anos têm vindo a ser desenvolvidas várias terapêuticas de substituição enzimática e de redução do substrato".
Investigação de novas terapêuticas
Indica também que, atualmente, estão disponíveis fármacos que possibilitam o tratamento de algumas doenças - Doença de Gaucher, a Doença de Fabry, a Doença de Pompe, as Mucopolissacaridoses tipo I, II, IV e VI, a Doença de Niemann Pick tipo C e Defice de Lípase ácida Lisossomal, "estando em investigação novas terapêuticas para outras patologias deste grupo".
Alguns dos participantes com os formadores do 1.º Curso de DLS dirigido à MGF, elementos da Unidade de Doenças Metabolicas de Adultos e de Pediatria do CHP.
Para diagnosticar é necessário "conhecer a doença"
A especialista acrescenta ainda que, "maioritariamente, os diagnósticos partem da suspeita clínica" e que "só podemos diagnosticar se conhecermos e pensarmos na doença".
Na sua opinião, "é reconhecido que o facto de as DLS serem raras, faz com que os profissionais de saúde possuam, em regra, informação escassa que lhes permita encaminhar adequadamente estes doentes". Assim, afirma que é necessário assegurar que os médicos de medicina geral e familiar, "como profissionais de primeira linha com os utentes, conheçam e contemplem a possibilidade de existência de doenças deste grupo".
"Sintomas relativamente comuns"
Em declarações à Just News, Rita Matos, explica que se procurou alertar "para o papel fundamental no encaminhamento precoce e como o médico de família deve estar atento aos sintomas relativamente comuns que podem fazer suspeitar das Doenças Hereditárias do Metabolismo (DHM)". Recorda a médica interna de MGF que estas doenças "afetam não só a idade pediátrica, mas cada vez atingem um maior número de casos na idade adulta".
Questionada sobre o balanço desta 1.ª edição do curso, refere que decorreu "num ambiente informal, com troca de conhecimentos e experiências entre os médicos das Unidades de Consulta Metabólica Pediátrica e de Adultos, bem como do Centro de Genética Médica do Centro de Referência para as Doenças Hereditárias do Metabolismo do Centro Hospitalar do Porto e médicos internos e especialistas de MFG".
A ação contou com a participação de cerca de 30 pessoas. "Este facto pode ser justificado pela consideração generalista de que se tratam de doenças ´raras`, embora a informação acerca das DHM seja limitada ao longo da formação do médico de família", afirma.
"Um longo caminho a percorrer"
Se, por um lado, Rita Matos reconhece que existe "ainda um longo caminho a percorrer na sensibilização para a deteção precoce destas patologias", manifesta também determinação para continuar envolvida em iniciativas como esta, "que vêm aproximar os centros de referência dos médicos de família".
Sublinha ainda que estas ações "permitem estreitar a interligação entre os Centros de Referência e os cuidados primários, mais próximos dos doentes e das famílias, desta forma, melhorando a prestação de cuidados".
Faz também questão de referir que os participantes "ficaram dotados de mais uma ferramenta que pode contribuir para diminuir o tempo de diagnóstico dos doentes que acompanham e prevenir possíveis sequelas irreversíveis através da instituição do tratamento precoce, dependendo da doença".
Curso "muitíssimo útil"
A maioria dos médicos de família que participaram no curso consideram ser "muitíssimo provável" que mudem a sua prática clínica após a aquisição de conhecimentos. Este foi um dos dados obtidos no inquérito aos participantes, em que 92% afirmaram que o curso foi "muitíssimo útil". Relativamente à "adequação dos conteúdos à prática de MGF", também a quase totalidade dos formandos atribuiu a nota máxima.
Além de contribuir para um óbvio processo de melhoria contínua, Foram referidos aspetos positivos como a grande interação entre formadores e formandos, a própria atualidade do tema central em dicussão, a utilização de casos clínicos, o dinamismo da ação e o facto de facilitar a aquisição de conhecimentos e o diagnóstico.
Os participantes deixaram ainda algumas sugestões para futuras iniciativas, nomeadamente, uma divulgação mais atempada, que permita uma maior adesão, o desejo de participar em novas formações e a realização de cursos dirigidos também a outras especialidades além da MGF.