Grupo Hepatológico Transmontano a caminho de «erradicar a hepatite C até 2030»
"Estamos empenhados em que a nossa região possa ser a primeira em Portugal continental a erradicar a hepatite C", afirma José Presa, que coordena um projeto pioneiro no país, o Grupo Hepatológico Transmontano, que surgiu em 2018 e que junta a ULS do Nordeste e o então Centro Hospitalar de Trás-os-Montes (CHTMAD).
De acordo com o médico, o "objetivo é muito ambicioso", mas está convicto de que é concretizável. A ideia é ir ao encontro da meta proposta pela OMS de erradicar a hepatite C até 2030. No entanto, "as previsões mais otimistas para Portugal falam em alcançar este objetivo apenas em 2050".
No entanto, na sua opinião, o sucesso da ação é possível porque "temos um conjunto de pessoas no terreno que estão motivadas e temos também um projeto bem definido e somos autónomos na sua implementação".
José Presa explica que a concretização do projeto passa muito pela realização de programas de deteção: "Se detetarmos muito, conseguiremos tratar e, a certa altura, a prevalência irá baixar drasticamente."
José Presa
Trabalhar a nível local, "adaptando-nos às particularidades desse doentes"
Segundo o médico, a primeira fase do projeto arrancou em abril de 2023, "com o rastreio oportunista dos utentes entre os 60 e os 85 anos, em oito unidades de cuidados de saúde primários da região, a fim de identificar a prevalência da hepatite C neste grupo etário". Em breve, o número de espaços onde os testes se realizam deverá duplicar.
O responsável adianta que, "durante este ano de 2024, temos em circulação um aparelho de diagnóstico rápido de biologia molecular da hepatite C entre os centros de resposta integrado de Vila Real e de Bragança e os estabelecimentos prisionais da região".
Assim, e a partir desse "diagnóstico rápido", o objetivo passa por "conseguir enviar os tratamentos para essas estruturas e trabalhar localmente adaptando-nos às particularidades desses doentes".
Numa terceira fase, o Grupo Hepatológico Transmontano irá avançar para "um tipo de testagem em massa, recorrendo a uma metodologia em ´pooling`, utilizada, por exemplo, na Galiza, que deverá contribuir decisivamente para a erradicação definitiva da hepatite C na região".
Diagnóstico rápido para "iniciar rapidamente a terapêutica adequada"
Precisamente porque facilitar o diagnóstico rápido da hepatite C é um aspeto crítico, José Presa destaca o contributo da Cepheid Portugal neste projeto.
"A principal vantagem é conseguirmos disponibilizar um diagnóstico, que nos permite iniciar rapidamente a terapêutica adequada", refere, salientando que, "quanto mais doentes forem identificados, mais serão tratados".
Em entrevista publicada na newsletter da Cepheid Portugal, José Presa desenvolve as várias etapas deste projeto, sublinhando que, com o equipamento que têm à disposição, "conseguimos diagnosticar com uma simples de gota de sangue, o que facilita imenso o processo". E acrescenta:
"Com o disponibilizar do equipamento, os novos doentes deixarão de vir ao hospital, exceto se tiverem alguma situação muito específica. Queremos que sejam tratados diretamente no local onde habitualmente vão e onde já conhecem as pessoas e as repetivas rotinas. Ou seja, facilitamos a adesão ao diagnóstico e ao tratamento."
E, em jeito de conclusão, afirma: "Neste momento, um doente tratado é um doente curado. A taxa de resposta atual anda à volta dos 97%. Portanto, creio que temos os três principais passos: diagnosticar, tratar e curar."
"Estas são as duas consultas mais estigmatizantes nos hospitais"
Outra das ideias desenvolvidas por José Presa na entrevista prende-se com a forma como o doente com hepatite C é encarado por muitas pessoas. Na sua opinião, "estes doentes ainda são muito estigmatizados na sociedade pelo facto de terem o vírus da hepatite C. O consumo de álcool também constitui um grande motivo de estigmatização".
Por outro lado, refere que, "muitas vezes, são os próprios doentes que se marginalizam porque, ao terem vergonha, sabendo ou suspeitando que têm o vírus, não procuram ajuda".
O especialista, que coordena a Unidade de Hepatologia da ULS de Trás-os-Montes e Alto Douro, vai mais longe, afirmando estar convicto de que "as duas consultas mais estigmatizantes nos hospitais são as consultas de psiquiatria e as consultas de hepatologia. É como o estigma da cirrose que as pessoas invariavelmente associal ao álcool".
"Elevado consumo de álcool nesta região vinícola"
Não é por acaso que José Presa se refere ao consumo de álcool. "Trata-se de um autêntico flagelo cultural, que é mais evidente na faixa etária dos 50 e 60 anos", afirma o médico.
E adianta que "entre 65% e 70% dos casos de doença hepática crónica e cirrose hepática devem-se ao elevado consumo de álcool nesta região vinícola, o que torna ainda mais necessária a existência de uma estrutura capaz de dar resposta a esta realidade".
Objetivo: "Tratar os doentes dentro das fronteiras de Trás-os-Montes"
Este ambicioso projeto de erradicação da hepatite C na região até 2030 surge, de forma "algo natural", tendo em conta o propósito do Grupo Hepatológico Transmontano desde que foi criado, com "o intuito de desenvolver um trabalho em rede no diagnóstico e tratamento das doenças do fígado."
E que balanço é possível fazer de meia dúzia de anos de atividade? Dificilmente seria mais encorajador, conforme afirma José Presa:
"Conseguimos potenciar as sinergias existentes. Sempre que possível, discutimos os casos por videoconferência, evitando que os doentes tenham de fazer deslocações. E, quando necessário, devido à panóplia de recursos tecnológicos e áreas de intervenção de que dispomos, disponibilizando-os aos doentes da região. O aspeto central é conseguir tratar os doentes dentro das fronteiras de Trás-os-Montes". O objetivo tem sido superado.