Hospital de Santa Marta: cardiologista francês colabora no tratamento de casos complexos de fibrilhação auricular
O Departamento de Eletrofisiologia e Pacing do Hospital de Santa Marta, em Lisboa, dirigido por Mário Oliveira, recebeu, mais uma vez, o cardiologista Serge Boveda, da Clinique Pasteur, em Toulouse. Durante dois dias, o especialista francês e a equipa deste centro trataram casos complexos de fibrilhação auricular (FA) através de ablação por crioenergia.
Em entrevista, Mário Oliveira começa por lembrar que a FA é a arritmia mais comum na prática clínica, sendo que na última década ficou provado que “a terapêutica de intervenção por ablação é largamente superior à eficácia dos medicamentos antiarrítmicos na manutenção do doente com o ritmo sinusal”.
Segundo o especialista, têm vindo a ser desenvolvidas diferentes estratégias para realizar a ablação, nomeadamente uma técnica que se designa por crioenergia (“balão a frio”), que permite simplificar a técnica que vinha a ser usada até aqui (aplicação de radiofrequência “ponto-a-ponto”).
“A técnica faz-se usando apenas uma punção transeptal ao invés de duas, como classicamente é feito. O balão é colocado nos ostia das veias pulmonares, sendo que a parte do ‘hemisfério norte’ do balão é congelada, fazendo uma aplicação ao redor de toda a veia pulmonar, isolando-a eletricamente da aurícula”, relata, desenvolvendo que o isolamento das veias pulmonares é feito com uma técnica segura que tem vindo a mostrar, pelo menos, igual eficácia, relativamente à técnica clássica no seguimento pós-ablação ao final de um ano.
De acordo com Mário Oliveira, as vantagens da ablação por crioenergia prendem-se, por um lado, com a duração do procedimento, sendo que esta técnica é de menor duração (menos cerca de 30-45 minutos do que com a técnica convencional). “Num centro com muita atividade, o tempo que se ganha em cada procedimento, ao final de uma semana, pode dar para tratar mais 3 ou 4 doentes”, aponta.
Por outro lado, esta técnica inovadora não necessita de um sistema de mapeamento tridimensional, ao contrário do que acontece com a técnica convencional. Este aspeto pode ter implicações em termos de custos do procedimento.
Outro dos aspetos positivos apontado por Mário Oliveira é o facto de, em laboratórios com menos experiência, poder ser uma técnica a escolher por ser mais fácil de apreender e reproduzir.
O diretor do Departamento de Eletrofisiologia e Pacing do Hospital de Santa Marta sublinha que, recentemente, foi feito um estudo, conduzido por Serge Boveda, que revelou que a técnica clássica, com recurso a energia de radiofrequência “ponto-a-ponto” tem resultados completamente diferentes em centros de grande e pequeno volume. No caso dos primeiros, os resultados têm sido muito melhores do que os segundos.
Por seu lado, a técnica de ablação por crioenergia tem resultados mais homogéneos em termos de segurança e eficácia em centros com maior ou menor volume de procedimentos.
Em Portugal, esta técnica é regularmente utilizada em quatro centros (Hospital de Santa Marta, Hospital de Santa Cruz, Hospital dos Lusíadas e Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia).
Neste momento, segundo Mário Oliveira, o Departamento que dirige está a tentar utilizar esta técnica complementada com outros equipamentos, envolvendo mapeamento de alta-resolução, nomeadamente em casos de re-ablação (“redo”). O objetivo é “poder trazer alguma inovação a esta nova metodologia de trabalho”. Na Europa, já há cerca de 260 centros a utilizar esta técnica e nos EUA serão aproximadamente 250.
Cooperação com Toulouse é regular
Desde há algum tempo que a equipa do Departamento de Eletrofisiologia e Pacing do Hospital de Santa Marta coopera com Serge Boveda e a sua equipa, da Clinique Pasteur, de Toulouse, que tem uma larga experiência com esta técnica. Serge Boveda já realizou com a sua equipa, até ao momento, 1000 casos, um valor bastante considerável, quando comparado, por exemplo, com Portugal, onde, no global, foram feitos até agora cerca de 200 casos.
A equipa do especialista francês já formou três eletrofisiologistas portugueses. “Temos um bom relacionamento com o Dr. Serge Boveda e sempre que é possível ou necessário algum dos nossos internos ou cardiopneumologistas vai a Toulouse em formação. Além disso, sempre que queremos fazer casos mais complexos e inovadores ele aceita vir trabalhar connosco, aproveitando para discutir assuntos sobre esta técnica e fazer o state of the art”, afirma Mário Oliveira, sublinhando que esta cooperação tem sido muito proveitosa.
Sucesso da ablação por crioenergia na FA persistente comprovado
A ablação por crioenergia tem vindo a ser utilizada sobretudo em casos de FA paroxista. No entanto, nos últimos dois anos, têm aparecido relatos clínicos e pequenas séries a mostrar que, na FA auricular persistente, as taxas de sucesso são igualmente favoráveis e semelhantes às taxas de sucesso obtidas com a técnica clássica. Mário Oliveira acredita que, brevemente, a crioenergia passará a ser utilizada, de forma mais ampla, em doentes com FA persistente e com aurículas de maior dimensão.
A entrevista completa com Mário Oliveira poderá ser lida na próxima edição da LIVE Cardiovascular.